O espaço é seu

O Lucca adora dragões. Gosta até do Dragão traveco do Shreck, não tem preconceito, pode ser qualquer um. Pode ser até por aproximação, tipo a Hydra do Hércules.

Dagããããããão... Ele fala com toda ênfase.

Pois que eu perguntei a ele num sábado de manhã: Luquito, simbora la locadora caçar um dragão?!

Os olhinhos do bichinho chegaram a brilhar, foi correndo buscar o par de tênis, o capacete e a espada. Mas como era só uma viagem de reconhecimento, já que a batalha propriamente dita aconteceria em frente à TV de casa, o convenci a abandonar, ao menos por hora, o capacete e a espada.

Mas eis que já na locadora, a gente não encontrava nenhum filme de dragão entre os infantis. Eu estava indeciso entre Mulan 2 e Aladin, quando ouço lá do fundo do corredor: Acheeeeei!!!!

E não deu outra. Era o Lucca. E com o DVD de Dungeons and Dragons na mão, todo orgulhoso, me olhando como se eu fosse um incompetente.

Aquele DVD, inspirado no jogo, devia ser uma cortação de cabeças do início ao fim. Nem temi pelo Lucca, mas pelos coleguinhas de colégio dele e mais ainda por seus pais, quando ele começasse a decaptar todo mundo pelo pátio da escola.

Arrisquei um “esse não, Luquito, olha aqui o Gênio do Aladim”. Ele sequer desviou os olhos do dragão estampado na capa do DVD.

Sabendo que não havia a menor condição dele trocar o que fosse por aquele Dragão, fui obrigado a desqualificar a obra como um todo: “Lucca, me disseram que esse Dragão aí é um canastrão, péssimo ator, os diálogos são óbvios, a direção frouxa, as cenas previsíveis e o filme sem ritmo. E além do mais, o foguinho que ele solta não assusta ninguém.”

A risada do pessoal da locadora o perturbou tempo suficiente pra eu colocar o DVD da Mulan na outra mão dele dizendo: “Olha o cavalo da Mulan! Foca nele, isso, passa esse outro pra cá, concentra no cavalo da Mulan, olha (!) ele é preto (!), quanto é que eu devo, põe na conta, um abraço”.

Minha vitória durou meio DVD da Mulan, quando ele falou em Dragão pela primeira vez. Não demorou muito para falar a segunda. E menos ainda até a terceira, quando me senti culpado e me vi obrigado a fazer alguma coisa. Um trauma do tamanho de um dragão ninguém deseja a um filho. E foi assim que surgiu, das entranhas do sofá da sala... O DRAGÃO LÁ DE CASA!!!!

Ele é muito malvado. Além de mal feito. De mal trapilho e de mal pago. Bom, tem que usar a imaginação. Eu e o Lucca o vemos!

Para enfrentá-lo, só mesmo um cavaleiro de coração puro e espírito forte. Ou o Lucca, com uma espada de plástico e uma tampa de panela na mão.

O que se seguiu foi uma batalha terrível, senhoras e senhores. Algo jamais visto sobre aquele sinteco.

Não rolou sangue, acho que o dragão é vegetariano, mas o Lucca tirou muita poeira de sua carcaça a golpes de espada.

E a batalha pôs-se noite adentro, varando as nove horas. Dois combatentes incansáveis e destemidos. Uma luta justa, sem golpes baixos. O mais baixo era mesmo o Lucca.

A situação estava complicada para o nosso cavaleiro. Não só pelo tamanho da besta, como também pelo fato dela ser imortal. Mal ela caía, após gritos vitoriosos de nosso cavalheiro, ouvia-se: “Levanta!”... “Levaaaaaaaaanta!!!” E eis que o Dragão, como que por encanto e uma bela dose de esforço deste narrador, se erguia novamente.  

Enfim, noite adentro, já de saco cheio de ver aquele dragão cair e levantar cada vez mais mal ajambrado, nosso bravo guerreiro finalmente resolveu voltar a ver Mulan, e adormeceu o sono do herói. 

A paz voltou a reinar naquele reino. 

Até que ele acordou, já recuperado e teve a brilhante idéia de começar tudo de novo...

Sorte que mamãe chegou e mandou acabar com aquela palhaçada, usando as almofadas dela.

Alguém sabe o telefone de uma fisioterapeuta pra coluna?

Voltaremos em breve, com novas aventuras.

Ok, ok... Não tão breve, desculpem...

Bruno Pinaud

estudios@fimdesemanapictures.com