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O espaço é seu

O cinema, a propaganda e o imprevisível, por Leandro Leal

14.11.06

 As mesmas idéias requentadas, as mesmas caras nas festas, o mesmo “faz mais” – não importa o job, a agência ou o diretor de criação. Ao contrário do que deveria ser, no mundo publicitário quase nada surpreende. Nem os imprevistos. Você sabe que, quando estiver levantando para ir embora, um job vai chegar à sua mesa, com o prazo vencido. Batata.

Sexta-feira dessas, à noite, olhei para os lados e, ao não ver nenhum atendimento correndo em minha direção, corri eu em direção ao elevador. Já em segurança, do lado de fora da agência, liguei para minha namorada e combinamos de ir ao cinema. Sendo ela publicitária, com uma rotina de imprevistos igual à minha, imagine como isso é difícil. Por isso, decidimos usar essa rara conjugação dos astros para ver um filme sem muitos. Na próxima vez em que conseguisse sair num horário decente, certamente “Pequena Miss Sunshine” não estaria mais passando. Mesmo que não fosse uma produção independente, dificilmente estaria em cartaz no próximo ano bissexto.  

Como a publicidade, o cinema também está carente de novas  idéias. Mas, também como na publicidade, de quando em vez alguém consegue fazer algo novo, inspirador. (Inspirador mesmo: mais uma vez igual à publicidade, no cinema as novas idéias inspiram muitos – quantas vezes você viu aquela câmera 360º depois  de “Matrix”?). “Pequena Miss Sunshine” é um desses raros momentos.  

Misto de drama e comédia, o filme trata da epopéia de uma família rumo ao concurso de beleza do título, do qual a filha caçula vai participar. Não é uma família qualquer. O avô, viciado em heroína e sexo, foi expulso do asilo. O tio, acadêmico, fracassou na tentativa de pôr fim na fracassada vida. O filho, um fã de Nietzsche totalmente deslocado na família, faz voto de silêncio até ingressar numa escola de pilotos. Objetivo que o pai, escritor de auto-ajuda incapaz de se auto-ajudar, crê ser perfeitamente possível. Aliás, é a crença de que todos são capazes de vencer que o faz investir as parcas economias da família para levar a menina – uma gracinha, mas sem a menor pinta de miss – à disputa. Ah, também tem a mãe, a mais sensata dessa balbúrdia.

Road movies são comuns na tradição do cinema americano. Road movies cômicos, também – lembra da série “Férias Frustradas”, com Chevy Chase? Mas não é a catalogação a novidade aqui. O que faz a diferença são os diálogos e a construção de situações e personagens, privilegiadas pela direção e pelo elenco. É o tipo de filme que faz muito sucesso em festivais como Sundance, mas que o Oscar negligencia. Até aí a publicidade está imitando o cinema: nas principais premiações, são as maiores produções que se dão bem.  

Há mais de duas semanas em cartaz, você já deve ter visto “Pequena Miss Sunshine”. Se não, saia sorrateiramente, antes que o atendimento veja, e corra para o cinema. Se for tarde demais para escapar, tente conseguir mais prazo. Às vezes, coisas imprevisíveis acontecem até na publicidade.


Leandro Leal, redator da QG Propaganda.


 

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