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O espaço é seu

O casamento (sobre as duplas)

06.01.11

O casamento

Faz tempo que não escrevo um texto com mais de 140 caracteres e que fale algo realmente sério, sem sátiras e ironias (e sem ser publicidade). Como criativo, senti a necessidade de defender a dupla de criação como uma “dupla de dois”, onde cada um é um e, apesar das semelhanças com o casamento – e mesmo no casamento –, penso não haver possibilidade alguma de existir verdade em “dois tornam-se um”.

Não concordo com o sociólogo Domenico De Masi quanto à criatividade grupal, embora acredite plenamente no resultado do trabalho de um grupo de criativos. Na minha opinião, a faísca criativa original vem sempre de um único cérebro, sendo o resultado final, obviamente, a soma da expertise de diversas cabeças. Não tenho nada contra fichas técnicas com dezenas de nomes (nem mesmo no item “criação”), muito pelo
contrário.

Nem Leonardo da Vinci reencarnado teria capacidade intelectual de fazer o planejamento e o cronograma, criar, produzir (com todas as diretrizes e direções, pré e pós-produção), fazer o plano e reservar a mídia, efetuar a negociação e emitir as Notas Fiscais sozinho - mesmo com toda a tecnologia de hoje (fora os processos que estou esquecendo de escrever).

É impensável tirar o nome de quem realmente contribuiu, mesmo que minimamente e em seu início de carreira, com uma campanha vencedora. Gosto muito de ver estagiários sendo
premiados. Os que trabalham comigo, por exemplo, são merecedores de muitas honrarias, principalmente por topar desafios sem pestanejar.

A analogia com o casamento é sacal, mas oportuna. Você conhece casais terrivelmente felizes? Provavelmente. Você conhece muitos desses casais? Of course not. E é óbvio que precisamos aquecer, preservar e criar incessantemente novos motivos para manter um mínimo de contentamento mútuo. O problema é que isso só é possível quando os percalços ao longo da jornada são situacionais, não “congênitos”.

Se o seu dupla está sem ideias hoje porque está de ressaca, situacional. Se está mal porque alguém morreu, brigou com a namorada, está sem tempo por causa do primeiro filho que nasceu, o casamento, situacional. Mas se sofre de depressão profunda, se gostaria de fazer outra coisa da vida, se a motivação é fundamentada apenas pelo pagamento das contas mensais, congênito.

Há redatores que exercitam mais a paciência que a escrita, trabalhando com diretores de arte que consomem apenas e tão somente blockbusters. Há diretores de arte que sofrem do
mesmo mal, ao lado de redatores que idolatram best-sellers-há-mais-de-50-semanas-na-lista. E seria engraçado, se não fosse triste e irônico, o fato de que justamente a parte insípida da dupla,
quando executado um bom trabalho, toma para si um mísero elogio de seu diretor, embevecendose demasiadamente em seu Olimpo de irreversível criatividade – enquanto quem trabalha sabe o quão longe está da plena realização. Do Grand Prix.

Consumir apenas Cultura Pop é o mesmo que comer apenas a sobremesa. E não há como sustentar inovações baseadas apenas em produtos, em detrimento da matéria-prima. Casa,
sobremesa e roupa lavada nunca será uma boa proposta para quem deseja uma união verdadeiramente duradoura. Mesmo que o ponto final seja, para todos, inevitável. E para aquele
que aceita tal oferta, só nos resta desconfiar exatamente dos problemas congênitos que eu já disse.

Parece uma apologia ao casamento. E é mesmo. Afinal, todo mundo constrói tudo sabendo que tudo acaba, mais cedo e inesperadamente do que tarde. E compensa? Claro que
sim. Mas o que vale é saber se você está investindo o seu tempo ao lado da pessoa certa. Ou, em outras palavras: se é falta de disposição ocasional ou pré-disposição genética.

Marcio Akio, redator.
twitter.com/marciovital

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