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O Espaço é Seu

Saudades da Terrinha (Saul Lomelino, from Chicago)

08.10.20

Too pee neat queen?”, o gringo me perguntou.

Tu-pi-ni-quim”, respondi. Ele jamais conseguiria pronunciar.

Quando cheguei à América, achei que meu curso da Open English seria o suficiente. Tadinho de mim, e de todo mundo que viria a trabalhar comigo.

Na imigração, começaram os meus problemas.

What are you going to do here?

Ai amy goein to uorque em adivertaizé”.

O guarda me deixou entrar, mas já carimbando a certeza do meu fracasso.

A primeira coisa que aprendi é que o nosso jeitinho não funciona. Muito pelo contrário. Num país burocrático como esse, só atrapalha. Sofri no começo.

No primeiro mês, a agência pagou um apartamento por tempo suficiente pra arranjar uma moradia definitiva. O que parecia simples, se tornou um inferno com o meu sotaque. E a minha sorte.

Primeiro, fui fazer conta no banco, mas descobri que pra ter conta no banco precisava de Social Security Number (o equivalente a um RG). Aí fui atrás do bendito, me falaram que pra ter social precisava ter moradia. E na sequência, descobri que pra alugar um apê precisava de conta no banco e social. Simples assim. A tríade infinita fez o primeiro mês ser duro, áspero e extremamente cansativo.

O começo na agência também não foi fácil. Eu e meu dupla - também brasileiro - estávamos completamente desnorteados. Tudo é diferente. Principalmente quando se trata de reuniões.

Como amam essa m*rda. Reunião pra falar do briefing, reunião pra atualizar estratégia, reunião pra organizar os prazos. Já participei até de reunião pra marcar reunião. Parece brincadeira, mas a burocracia dos caras se espalha por todas as áreas.

E na primeira semana, já sentimos que a nossa picaretagem no idioma ia custar e muito caro. Professores de inglês 24 horas não eram páreos pros americanos falando inglês 24 horas por dia com a gente.

Eu não entendia nada.

E descobri que não há nada mais difícil do que compreender 15 americanos falando entre si. Parecia que tava num clipe do Eminem em fast forward. Sem brincadeira.

E depois de quatro horas acenando e sorrindo já sem conseguir prestar atenção em mais nada, eles faziam a bendita pergunta.

E vocês brasileiros, o que acham?

A situação era sempre a mesma: os dois em silêncio, um esperando que o outro tivesse alguma solução rápida. No final, a gente sempre se utilizava do mesmo recurso:

very good”.

E, como se tivéssemos respondido algo genial, todos eles acenavam e concordavam.

Aos poucos fomos aprendendo sinônimos, que são fundamentais para todo iniciante.

Awesome

Ou

Sweet

E ainda, já arriscando quase a vida com cinco palavras.

This can be really funny”.

E foi à base de “very funny” que a gente se manteve nos primeiros dois meses.

Caso curioso. E por muita sorte, passamos despercebidos.

Na segunda semana de trabalho, tivemos uma reunião para criar a continuação de uma campanha. Depois de uma longa reunião, eles deixaram bem claro: precisamos de ideias com gorila.

Nos pareceu interessante. Um pouco distante do conceito original, mas com Cadbury na cabeça, sentamos durante uma longa semana e pensamos em todos os jeitos possíveis. Gorila num filme, gorila em cima do prédio, gorila fazendo barulho no spot, pulando de banner em banner e assim foi.

Satisfeitos com o longo exercício, apresentamos para todo mundo as novas ideias. E fomos de um gorila pro outro, sem vergonha de ser feliz. Todos riram, mas não conseguiam entender a conexão com a campanha. Tínhamos nos distanciado do conceito.

Eles pediram gorila”.

Também não consigo entender”.

Foi só no dia seguinte, que lendo o briefing (algo que deveríamos ter feito lá no começo) que percebemos que o “gorila” era na verdade uma campanha de guerrilha.

Futebol também é um ponto interessante. Entre quadras de basquete e beisebol, estava desesperado atrás de uma peladinha. E foi com um americano casado com uma brasileira que descobri uma equipe animada, que jogava todo sábado de tarde. Mas, claro, com fortes adaptações do nosso venerado esporte. A primeira e única regra que eles usam por aqui: não há regras.

Não tem escanteio, lateral, meio de campo, impedimento, nem mesmo limites na quadra. E o número de jogadores também é bem flexível. Acho que a primeira partida tinha sete de um lado e dez do outro.

Também não existe zaga e ataque. Todo mundo é tudo. O jogo é correr atrás da bola, seja lá pra onde ela for.

Não importa drible, não importa habilidade.

Aqui, Neymar não tem vez.

Eles querem é a bola entrando na rede como se fosse um touchdown.

O que é curioso. Bem curioso. Metade das pessoas estava jogando futebol pela primeira vez. A outra metade estava vestida com roupa de futebol americano. E eles têm muita dificuldade pra diferenciar os dois.

Tentei três vezes driblar um cara, mas em todas as vezes ele me acertou com tudo. Foi na quarta e, mais dolorida vez, que percebi que nunca ia passar por ele. Porque ele não estava atrás da bola, ele estava atrás de mim.

E se você sem querer pegar a bola com a mão. Tudo bem. É só pôr no chão de novo e seguir jogo.

Depois de seis meses, quando a gente começa a se comunicar, vê os benefícios: a cidade é organizada. As coisas funcionam. A segurança é uma preocupação a menos e o lugar é realmente lindo. Dá pra reclamar? Jamais. Tenho só que agradecer. Mas que dá saudade da terrinha, ô se dá.

Saul Lomelino, redator da Digitas Chicago

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