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O Espaço é Seu

Quantas mulheres produtoras musicais você conhece? (Zá Coelho)

25.08.21

Até eu me reconhecer - sim, é esse o verbo - como uma produtora musical, também conhecia bem poucas. É aquele lance da gente precisar de referências para acreditar que é possível ocupar certos espaços, ainda mais sendo mulher. Acho que posso começar esse papo contando meus caminhos e o motivo de ter chegado até aqui. Minha intenção com esse texto é trazer essa energia de rompimento para mais mulheres e, se isso acontecer com pelo menos uma ou duas, fico feliz demais.

É aquele papo meio batido de que sempre tive música andando junto comigo, mas foi isso mesmo. Lembro de muitas noites esperar meu pai chegar em casa para gente deitar no sofá, apagar as luzes e ficar ouvindo discos inteiros sem nenhuma outra distração. Ouvindo e sentindo plenamente o que aquelas notas, aquele arranjo, aquele desenho sonoro fazia com meu corpo e com a minha mente. Sinceramente, acho que foi aí que meu caminho como produtora musical começou. Para mim, até hoje - e cada dia mais - música é sobre sentir.

Bem novinha, fui descobrindo a mágica que é fazer com que sua voz seja um dos instrumentos dessa viagem. Comecei a cantar e as sensações só foram ficando mais intensas. Escolhi minha faculdade e minha pós-graduação por causa da música e da paixão por cantar: fonoaudióloga especialista em voz.

Cantei com um monte de gente, trabalhei com diversos artistas, gravei disco, clipe, fiz shows, dei aula e tudo mais que você puder imaginar. Na faculdade fui atrás de estágio em uma produtora musical porque, mesmo sem saber, eu já queria fazer parte daquilo. Na verdade, não só fazer parte, queria mesmo era ser parte fundamental e decisiva desse mundo. Em outras palavras: queria ser produtora musical.

Depois, ainda trabalhei anos em outra produtora como atendimento. Está somando a quantidade de tempo que eu tenho de repertório para acreditar em mim mesma? Pois é. Só que, até um tempo atrás, meu lugar dentro de produtora tinha um teto e nem passava pela minha cabeça que eu poderia romper. Meu papel estava bem claro: ser a figura simpática que vai organizar tudo para que o produtor - homem - possa brilhar. E até estava feliz com isso, mas só porque para mim estava muito claro que aquele lugar não tinha sido feito para mim.

Pensa só, eu tinha isso tudo de experiência, de vivência e, principalmente, de sensibilidade, e mesmo assim não ousava pensar que podia. Vou contar uma coisa aqui só para vocês, o que eu vi de homem com nem metade do meu talento ocupando tranquilamente esse espaço, não está escrito.

Passa o tempo e me torno sócia da minha própria produtora. Acho que já deu para sacar que eu sempre tracei meu caminho para chegar aqui. Levei meu tempo para entender que o que eu estava fazendo em muitos trabalhos já era produzir. Já era transformar ideias em música. Fui me dando conta de que todas aquelas ideias, todas aquelas sensações que eu conseguia traduzir, todas aquelas visões eram minhas e estavam comigo desde quando deitava na sala de casa e ouvia aqueles discos. Eu só precisava acreditar em mim e enfrentar esse mercado que ainda é muito machista.

Foi tão bonito chegar. Foi tão importante ter como sócio um aliado, abrindo mão do seu lugar garantido, levantar da cadeira e me dar apoio para que eu brilhe e mostre o que já estava comigo há tempos. Romper esse padrão, esse teto e me reconhecer como aquilo que sempre fui: produtora musical.

Mas o mais lindo desse caminho está acontecendo agora que esse espaço está ocupado. Que essa cadeira é minha. Agora que estou aqui, meu desejo é construir pontes, fortalecer as vozes femininas do mercado, ampliar muito as nossas possibilidades. Mulheres, contem comigo.

E deixar aqui uma reflexão para todo mundo. Se eu fosse um homem, com a mesma história, vocês acham que seria igual?

Zá Coelho é sócia da Capitão Foca, produtora musical, cantora e locutora

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