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O espaço é seu

O título sumiu (André Kassu)

23.04.10

Esse não é um texto saudosista. Não cabem aqui lembranças de um velho tempo. É simplesmente uma constatação. O título anda sumido, escanteado, não globalizado, talvez. Eu não sei quanto a vocês, mas um bom título é sempre mágico de ler. O comentário roubado, aquilo que você jura já ter pensado, mas não foi capaz de traduzir. Curtos, em dois tempos, três tempos até. Os raciocínios inteligentes que mais parecem conceitos de tão bem pensados. E por que não, a maldade, a observação precisa das mazelas humanas?


Mais uma vez, não existe aqui uma tentativa de negar os novos tempos. É só uma homenagem, resgate que seja, de uma grande arte: o título. Eu sei, todo mundo quer pensar no viral de um milhão de views, na escada rolante “moonwalk” que desce em marcha a ré tocando Billie Jean. É natural. Mas a existência de um não deveria matar o outro. O gorila da Cadbury não enterra o Michael Jordan 1x0 Isaac Newton. Assim, como nem a mais brilhante das ações pode ser considerada superior aos títulos e textos do Neil Ferreira (ou alguém duvida que a morte do orelhão é uma ação genial?). 


O título é tão injustiçado que quando ele é bom e o layout é ruim, ele morre. Mas quando ele é mais ou menos e a direção de arte é bonita, ele se perpetua. Pobre coitado. Fadado a não depender nem de si mesmo. De ser chamado em pedidos de “vamos evitar aquelas gracinhas ou piadinhas”. De ser confundido com dizeres. De ser constantemente substituído pelo seu primo abaixo, o subtítulo.


O fato é que nas revistas e nos anuários, o título tem andado de lado. E é injusto. Fazer título é exercitar a arte da síntese. É mais do que nunca, saber cortar palavras. Tanta coisa genial já foi escrita que cada detalhe faz a diferença. Páginas e páginas de títulos esquentam a mão, nos fazem pensar na importância de vírgulas, pontos e pausas.


Já ouvi gente que, para menosprezar o título, diz: eu penso visualmente. Ou, eu penso no conceito como o todo. Ou, eu penso global. E aí temos uma infinidade de anúncios com o logo  pequeno no canto direito, uma imagem e um conceito com interrogação. Tudo bem. Você pode não ser um tituleiro nato, mas por favor, saber escrever é básico. Ou deveria ser. Eu tenho visto pastas de redatores com muita intimidade com ações e pouca com as palavras. Gente que certamente tem  dificuldade para escrever um texto cabine de rádio (e sim, esses jobs existem).


Eu sei que gosto de título. E gosto do texto. Cada palavra escrita pelo Fábio Fernandes (leia os diálogos dos filmes e veja se tem alguma coisa ao acaso por ali. Releia o texto da crise), o olho atento do Eugenio Mohallem, a fina ironia do Wilson Mateos, a mistura de loucura, ódio e formulinha zero do Edu Lima. A maldade angelical do Roberto Pereira, a inteligência e emoção do Olivetto, tudo do já mencionado Neil e a nostalgia que me bate ao ler o texto do Pelourinho do Nizan. O “experimente ser magra” do Peralta, “a história de um homem feliz” do Luiz Toledo e o Renato Simões que escreve muito antes de existir a categoria técnica do anuário. Escrever não deveria ser uma preocupação dos redatores, apenas. “Você bebe e não ganha nada” foi criado pelo Marcello Serpa. E matou legiões de redatores de inveja. Sem falar no André Laurentino, que saiu da direção de arte para a redação, escreveu livro e o melhor texto sobre filho único que eu já li.


O título me faz uma falta que o twitter não preenche. Ainda que o twitter prove que as palavras continuam importantes.  Os tais 140 caracteres viraram o refúgio dos tituleiros, como disse o Rodolfo Sampaio. Só que tudo vira briefing e a disputa é pelo RT.  E são tantos títulos a todo instante, que o critério e a magia se perdem. 


Pode parecer antigo ou fora de moda. Pode não ser o jeito mais fácil de ganhar Leão ou fazer sucesso nos comentários anônimos. Mas um bom título é e continuará sendo sempre excelente propaganda.


Por André Kassu, redator da AlmapBBDO 


 Comentários

Pedro Borelli - Concordo com você André. Existe uma preguiça quase que generalizada das empresas em estimular o pensamento, uma linha de raciocínio que se complete na cabeça do espectador. Cada vez mais tudo tem que ser muito mastigado, dado. E o pior, sob o argumento de que "as pessoas não entendem". Difícil enxergar evolução do povo se sua capacidade de compreensão é subestimada o tempo todo. O desesperador é ver que por muitas vezes, quem solicita e aprova as campanhas não sabe escrever (cada email que chega...), muito menos ler. Quantas vezes já precisei ler um título por telefone... daí a pessoa diz: "Ahhhh tá". Era só ler direito. Vamos que vamos, pra encerrar um clássico: hoje é o dia da voz e quem ganha o comentário é você!


Thiago Moreno - Os títulos estão sumindo mesmo. O do brasileirão de 87 acaba de desaparecer da Gávea.



André Godoi - Brilhante, Kassu. Bateu até um saudosismo dos (nem tão) velhos tempos de redator.


Arnaldo Albergaria - Não falou pouco, mas falou bonito!


Bruno - Assino embaixo. Ou melhor, não assino. O título já basta.


Anônimo - *aralho. Deu muita vontade de fazer uns títulos.


Edison Marzo - Letra por letra, palavra por palavra, vírgula por vírgula, ponto por ponto. Concordo. Título e texto. Essa dupla de criação que já fez tanto pela profissão. E, enquanto existir apaixonados pelos raciocínios verbalizados, continuará presente pegando leitores e consumidores pela inteligência.


Ovidio - André, obrigado pelo texto. Ovidio - Tituleiro.


Cissa Camachu -  É André, não é só o txt. Pra mim, a propaganda conceitual como um todo anda apagadinha. Valem as pesquisas, vale o planejamento. Só nao vale a emoção da palavra. Mas sem crise, vambora pq os tempos mudaram! abs, Cissa


Ricardo Paoliello -Muito bom André. O mais triste é saber que o título agora recebe a antonomásia de frase. Antonomásia????


Augusto Coelho -  Parabéns, Kassu. "Ser substituído pelo primo Subtítulo" é muito bom.


 Tiago Moraes -- Parabéns pelo texto André Kassu.


Juliana uchôa - sensacional, kassu. disse tudo.


 Ricardo Barbosa -  Sou redator aqui em Fortaleza, são poucos clientes que aprovam títulos inteligentes, ousados, engraçados ou que seja, que querem agregar o seu produto a uma gracinha (palavras deles). Seu texto fala muito bem isso. Tento ser um redator de palavras mais do que sou de ações de marketing e virais de internet. No final, um ou outro tem que ser finalizado com um bom argumento. O twitter é refúgio do tituleiros? Com certeza. Veja o meu caso @ricardinbarbosa Tenho mais de mil seguidores que adoram meus twitítulos e por irônio da vida off line nenhum cliente que acredite que uma boa chamada conquista a atenção do cliente. Parabéns André Kassu, você é um exemplo de quem não perde a palavra diante as mudanças do mercado.


Alex Miranda - Foi bem inspirador ler seu texto após nossa reunião de briefing /abs Alex Miranda


Alessandro - Que beleza de texto, André. Hoje, alguns sustentam que os conceitos de


Ricardo Sari -  Texto genial. Mas não concordo com o argumento. Kassu, já parou pra pensar pq o título está sumido e vai sumir de fato, em pouquíssimo tempo? As pessoas se interesseam cada vez menos por propaganda, e ninguém tem interesse de ler um bom título a não ser os próprios redatores. Q o leitor deixa de receber uma mensagem genial em poucas palavras, isso é incontestável. Mas não adianta, eles (leitores/consumidores) estão pouco se lixando se o título da propaganda é bom. Realmente não conheço nenhum consumidor hoje que leia um título de propaganda, sendo mais radical, que leia a propaganda. Existe coisas mais interessantes pra ele do q isso. Enfim, o título já era. Infelizmente. Ah e quanto a comparação de ações com títulos, realmente uma ação gera muito mais interesse no consumidor, e exige um raciocínio do redator muito maior que um título. Pois, nesse caso, não basta apenas escrever bem.


Fabio Straccia - Numa época em que ironias e sarcasmos precisam ser explicados com emoticons, não é de se estranhar o sumiço dos títulos. ;)


Caio Pinotti - Esse texto é a prova de que, às vezes, mil palavras valem mais do que uma imagem.


Ricardo Giugliani - Boa André! Espero que muitos diretores de criação leiam e reflitam.


Tamiris - Uma prova de que as palavras valem mais que mil imagens é o fato desse texto ser mais comentado que muitas peças/campanhas publicadas aqui no CCSP.


Luciana Ceccato - Bom demais, Kassu! Pode enfileirar o seu nome entre as pérolas que você mesmo enumerou!


Agnelo Sampaio - Acredito que o imediatismo citado no comentário do Pedro Borelli seja a causa do menosprezo pelo Título (aqui colocado em maiúsculo para levantar um pouquinho a sua moral). Porém, o que os aprovadores profissionais de campanha


Walter Lencina -  Dizer o quê de um texto tão pertinente e bem escrito? Que, de quebra, ainda gerou tantos comentários pertinentes e bem escritos? Parabéns, André. Além de ter escrito magnificamente, você ainda gerou uma ação mobilizadora pela causa. Abraço.


 

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