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Pobres no cativeiro (por Rynaldo Gondim)
Existe um negócio no Rio de Janeiro que sempre me incomodou muito. Aqueles jipes que sobem os morros levando turistas curiosos munidos de máquinas fotográficas para registar os pobrinhos vivendo em cativeiro. Acho isso inexplicável.
Com a farta distribuição de crédito e consequentemente a ascensão da classe C, alguns clientes têm feito a mesma coisa. A bordo de um jipe guiado por algum executivo de agência, eles sobem o morro para tentar entender como vive e pensa esse novo consumidor. Me refiro, evidentemente, aquelas apresentações chatíssimas de powerpoint com dezenas de páginas que chegam a conclusão do óbvio ululante.
Não foi em uma reunião ou em duas que clientes dos mais variados seguimentos quiseram discutir com a agência quem é esse sujeito da classe C que virou consumidor, mas ainda não é cidadão. Ou seja, ele começa a descobrir o que é dinheiro, mas continua sem saber o que é direito. Mas isso é outro assunto.
Voltemos então ao assunto: o objetivo dessas reuniões é fazer um estudo antropológico do consumidor de baixa renda que ganhou poder de consumo. Mas podemos aproveitar também para fazer um estudo antropológico desse novo profissional de marketing que - ao contrário da classe C - em vez de ganhar, perdeu. Perdeu poder de decisão e por isso precisa justificar cada um dos seus movimentos através de pesquisas.
Como se fosse possível validar uma ideia através de laboratório. Como se fosse possível doze pessoas em uma sala de reunião vestindo ternos caros entender o consumidor da classe C. Em vez de pagar 25 mil em uma pesquisa, acho mais eficiente pagar 4,65 em um bilhete de ônibus.
E vou contar algo surpreendente. Falo isso com domínio de causa. Morei 10 anos em um conjunto habitacional em Del Castilho e outros 10 anos mais no Méier, onde minha família vive feliz até hoje. O consumidor de classe C é igualzinho a você, não importa a classe a que você pertença.
Em Revolução dos Bichos, George Orwell faz uma crítica aos regimes totalitários dizendo algo parecido com isso: todos são iguais, mas alguns são mais iguais que os outros. Pelo menos do ponto de vista da publicidade, todos são iguais. É uma atrocidade dizer que o consumidor de classe C é desprovido de inteligência e por isso só entenda propaganda didática com jingle ou piadas fáceis. Acreditar que todo pobre é burro é tão estúpido quanto achar que todo rico é inteligente.
Existem diferenças culturais, claro. Mas cultura é uma coisa e inteligência é outra. Lula está sendo criticado por se tornar colunista do New York Times sendo semi-analfabeto. Mas conheci poucas pessoas na vida que raciocinam tão bem quanto ele. Nosso ex-presidente é inteligentíssimo. A despeito de ser pouco letrado e de suas intenções serem questionáveis.
Você pode ter discordado de mim até aqui. Tudo bem. Mas chego agora, tardiamente talvez, a questão essencial nessa história toda. Você pode decidir como sua empresa fala, mas não pode decidir como as pessoas escutam.
É dever de cada marca decidir o que ela tem a dizer. Mas não dá pra ficar inventando um discurso diferente para cada consumidor que se deseja conquistar sem danos à credibilidade.
Algumas empresas quando decidem fazer propaganda voltada exclusivamente para os cariocas, por exemplo, colocam na TV o que o sujeito está acostumado a ver pela janela. A Igreja prestou um belo serviço para alguns anunciantes quando proibiu a utilização do Cristo Redentor na propaganda.
E aqueles spots de rádio direcionados a surfistas em que um locutor com o vozeirão do Ronaldo Rosas fica falando coisas do tipo bro, craudiado e altas ondas. Não convence.
Quando estava na NBS, recebemos um briefing que dizia que acionistas da Telemar estavam preocupados porque achavam que a Oi só falava com jovens. Não falava com as pessoas mais velhas e que, portanto, tinham mais dinheiro. Fizemos uma campanha só com velhinhos com um baita estilo de vida e assinávamos: Oi. Feita pra jovens. Os acionistas ficaram contentes, pelo que soube.
Se você tentar criar um discurso específico para a classe C, vai parecer que sua marca está falando do alto daquele inexplicável jipe de turistas.
E pra terminar: esse novo consumidor é igualzinho ao da classe B ou A. Só que com nomes mais feios e corações mais bonitos. Mas, se tudo correr bem, como a nossa presidenta disse na TV, já já o dinheiro estraga eles.
Rynaldo Gondim - Redator - AlmapBBDO
O assunto também foi tema de matéria do Wall Street Journal, dois dias depois deste texto ter sido publicado no Facebook do Rynaldo. Espie aqui.