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O espaço é seu

Virada Multicultural de São Paulo: a saga

07.05.12


O plano parecia infalível, galinhada do Atala seguida de show dos Mutantes. Nada podia dar errado. NADA. Antes mesmo de chegar ao Minhocão - espaço escolhido pela Prefeitura para instalar as barraquinhas gastronômicas -  veio a informação por telefone, algo dera errado: “Acho melhor desistir da galinhada. São milhares de  pessoas em uma fila quilométrica para meras 500 porções da iguaria.” Foi desse modo, um tanto melancólico, que meus planos mudaram antes mesmo de pisar fora do metrô.



Ok, sem grandes frustrações, a mudança de rota não iria atrapalhar, afinal de contas, com ou sem a alta gastronomia popular do Alex, o centro ainda tinha o Pernil do Estadão. A mudança acabou vindo para o bem. A primeira atração que vi, ainda que sem querer, foi uma pianista que tocava seu instrumento içada por um guindaste.  Sem julgar a qualidade acústica e os probleminhas de microfonia aqui e acolá, foi um espetáculo simpático. E naquele momento pude perceber que o interessante ali não seria a música, as atrações, a galinhada, ou qualquer outra coisa que não fossem as pessoas. Eram muitas, e muito diferentes entre si. Grupos de todos os tipos, classes, gostos musicais e estilo de roupas. Ah as roupas, um capítulo a parte!



Em meio ao mar de gente que tomava as ruas do centro, me veio à cabeça o filme “Ensaio sobre a Cegueira”, do Fernando Meirelles, baseado na obra do grande José Saramago, e rodado em algumas daquelas mesmas ruas em 2008.



Metaleiros e suas roupas pretas e pontudas escutavam seu Heavy Metal a cinco passos de um grupo de bolivianos que tocava Celine Dion na flauta.



Justins Bibers e Neymares eram maioria entre as crianças de até 15 anos (que sim, marcavam presença). Entre os grupinhos com idade a partir dos 16, a bebida rolava solta e, como em outras edições da Virada, nada era mais popular do que a cervejinha e o vinho de qualidade duvidosa - confesso que alguns anos atrás eu teria coragem de experimentar – não foi o caso.



A partir daí, experimentei uma verdadeira saga. Vai daqui pra lá, volta de lá pra cá, tenta (sem sucesso) comer o sanduíche de pernil. Enfim, uma epopeia em seu enxoval completo. Durante toda a peregrinação entre os estilos musicais, a única constante era a quantidade de pessoas. Muitas delas. Tribos, casais em todas suas possibilidades, policiais, drogas rolando solto e um final feliz ao som dos Mutantes.



Enquanto Arnaldo e companhia tocavam seus sucessos do passado, eu descobri o que estava fazendo ali; trabalhando. Aliás, constatando o quanto é importante a minha função de pesquisador. Definitivamente, pude perceber o quanto pessoas são diferentes entre si e, principalmente, o quanto cada um de nós tem a tendência de ser o seu próprio referencial comportamental, seu marco zero de personalidade.



Ali, sentindo na pele (e nos ouvidos) o quanto somos diferentes, me dei conta de que a pesquisa é a arte de entender o comportamento humano sem o viés do observador.



Isso me fez lembrar de uma conversa recente com um amigo, famoso publicitário, que me confidenciou não acreditar em dados de pesquisa.



Foi preciso estar cercado de milhares de pessoas que eu jamais convidaria para um jantar na minha casa para concluir que meu amigo não estava de implicância. Não acreditar nos números de pesquisa não é maldade ou teimosia. Trata-se apenas de autodefesa. É uma questão de acreditar que sua visão de mundo é a escolha natural, esquecendo que existem tantas outras infinitas pessoas com ideias diferentes da sua. É adotar sua maneira de pensar como referência imediata e negar qualquer outro cenário que aponte situação diferente da esperada. Enfim, é quase como não aceitar que se pode gostar mais de refrigerante sabor cola, enquanto eu prefiro guaraná. Que se pode ser de extrema direita, se eu escolhi ser um centro-esquerdista radical em cima do muro.



Davi Bertoncello



Vice-Presidente de Planejamento da Hello Research.



@daviab


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