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Sair da publicidade para construir uma mão
Uma vez sentei numa mesa que estava na calçada de um restaurante de comida natural na Vila Madalena, bem ao lado da agência em que eu trabalhava. Logo um colega de trabalho perguntou se podia se sentar ao meu lado. Esse cara era um diretor de arte, inquieto, brilhante e visionário em suas ideias.
Durante três minutos, sentados à mesa, não falamos nada. Silêncio total. De repente, ele me diz: 'Amândio, eu vou deixar a agência para construir uma mão'. E eu: 'o que, como assim!?'.
Ele continuou: 'É cara, vou deixar essa coisa de publicidade para inventar uma máquina que vai construir uma mão'. 'Por que construir uma mão', perguntei para ele. Segundo esse diretor de arte, essa mão era apenas o início de uma revolução criativa. Uma parada para refletir, a preparação para uma grande produção criativa que estava por vir.
O meu almoço foi esquecido e eu era só ouvidos para aquela ideia simples e de fácil de execução. Construir uma mão. E o que seria essa revolução criativa? Eu, nesse momento, me materializei numa interrogação de 1,74cm de altura. Ele começou a, digamos, filosofar sobre o que iria fazer. Dizia ele: Uma mão, antes de executar um comando motor, recebe um impulso cerebral consciente, ou não, que faz com que isso aconteça. A mão é a minha resposta ao piloto-automático, à atitude tarefeira e executável que se transformou a minha atividade criativa nesta agência. E eu pensando: putz, esse cara é louco! Não entendi nada.
A mão era apenas a primeira de muitas outras de suas criações nesta máquina que ele estava inventando nos fundos de sua casa. A mão dele era um sinal de protesto, de punho fechado. Era um sinal obsceno à publicidade, um sinal de rumo, talvez apontando para o seu novo caminho criativo ou, simplesmente, um sinal positivo para o que viria a partir dali. Sei lá.
Na verdade essa mão me fez pensar muito. O que é o dia-a-dia de um criativo numa agência de publicidade? Será que somos pagos para sermos realmente criativos? Será que exercemos de fato a nossa criatividade? Até que ponto a nossa tão suada grande ideia é fundamental para vender uma concessionária de carros, por exemplo? Que criatividade é essa que vemos nos jornais, nas rádios e nas TVs?
O que será que a mão que esse cara está construindo vai fazer com tudo isso? Não sei e nem quero saber. Tenho um job para entregar até às 19h de hoje, isso é o que me interessa de fato. Terminar logo o texto do folheto e passar para o meu dupla fazer o layout. Depois vou para a minha casa, inventar a minha máquina.
Por Amândio Cardoso. Diretor de Criação da MMS, em Recife.
Ex-FCB Lisboa e McCann Erickson Madrid