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O espaço é seu

O dia em que um chip baixou o meu colesterol

06.04.10

Eu não gosto de correr. Pra mim, é chato e monótono. Por outro lado, a vida, a genética e a preguiça estavam me fazendo mal. O colesterol elevado, a pressão arterial alta e o peso passando dos 3 dígitos.

Não, meu amigo, este não é um artigo sobre medicina e o senhor não está lendo o site errado. Vamos falar sobre propaganda no futuro. E quero dar o meu testemunho a respeito de um dos cases mais emblemáticos da década: o Nike Plus.

Em primeiro lugar, gostaria de dizer que não atendo a Nike ou a Apple e nem tenho procuração de nenhuma das duas companhias.
A outra coisa é que eu sei que essa mistura de produto, serviço e rede social não é algo novo. Em 2007, ganhou Grand Prix em Cannes e, desde então, é um sucesso de público e crítica.

A novidade fica por conta da minha experiência pessoal com o produto e de como, na minha opinião, ele representa em termos conceituais o que podemos chamar de futuro. Ou seria presente?

Para quem não sabe, o Nike Plus é uma parceria da Nike com a Apple. Juntas, as duas empresas criaram um chip que é colocado dentro do tênis Nike. Esse chip monitora toda a sua corrida e transmite as informações para o iPod. Após a corrida, basta conectar o iPod no computador que ele envia as informações para o site do Nike Plus.

O site na verdade é uma grande rede social, onde o usuário pode analisar sua performance, corrida a corrida, e comparar com a de outros usuários, podendo até mesmo combinar corridas com a turminha pelo site.

Nos EUA, já foram realizadas dezenas de provas regionais organizadas apenas por usuários do Nike Plus.

Entre outras coisas, o sistema do Nike Plus literalmente fala com você durante a corrida. Ao pé do ouvido, uma voz suave e sensual informa a distância percorrida e ainda dá uma força pra você concluir o trajeto proposto. O sistema também conta passos, monitora os batimentos cardíacos, conta as calorias e até monta uma seleção de Power Songs, uma lista musical tirada do seu próprio iPod, para te dar um gás extra quando ele estiver indo embora.


Um lançamento sem comercial na TV? Vocês tão loucos?

Alguém viu a campanha do Nike Plus na TV? De fato, ninguém viu.
A divulgação da plataforma aconteceu no bom e velho estilo boca a boca, usuário por usuário. A aposta da Nike/Apple foi de que quando se acredita na relevância e na força de um produto ele se vende sozinho. Não que um projeto como esse não poderia ter sido contemplado com um filme bacana. Poderia. Mas não o fizeram.

O que essas empresas fizeram foi apostar no conceito de mídia ganha em vez de mídia paga. Se empresas como a Nike e a Apple, que sempre se beneficiaram da força da mídia tradicional, abriram mão desse recurso na estratégia de lançamento do Nike Plus, aí tem. E talvez isso possa nos dar algumas pistas sobre como será daqui alguns anos a propaganda.


O tênis da concorrência é melhor. Mas não tem um serviço como esse.

Outro fato que impressiona é que entre os corredores existe um consenso de que os concorrentes Mizuno e Asics são, tecnicamente, melhores para quem corre. E que apesar da Nike ter lançado modelos que se aproximam muito dos modelos das marcas preferidas, só com o Nike Plus ela conseguiu uma vantagem estratégica significativa.

A questão é que, no fundo, um tênis, assim como a maioria dos produtos hoje em dia, é commodity, e o Nike Plus foi para a Nike/Apple uma maneira de agregar valor real ao seu produto e criar um diferencial concreto que não depende apenas da imagem que a marca carrega ou da força da mídia para vender.

No meu caso, o que me levou a adotar o Nike Plus foi que eu prefiro ter um tênis que, mesmo subjetivamente considerado de menor qualidade, possui um serviço absolutamente útil e inédito, coisa que os concorrentes não têm.


No fundo, é um case de Marketing de Relacionamento.


O Marketing de Relacionamento sempre usou de forma restrita e rudimentar esses conceitos que fizeram do Nike Plus algo tão, digamos, subversivo. Atrair os consumidores, segmentá-los, oferecer-lhes um tratamento personalizado, mantê-los fiéis à marca, além de mensurar e aperfeiçoar o diálogo ao longo do tempo, são coisas que sempre vimos refletidas em diversas ações de Marketing de Relacionamento.

O fato é que no Nike Plus temos isso numa escala global nunca antes vista. O que antes era feito por meio de segmentação de banco de dados e envio de malas diretas para grupos seletos, agora, por causa da internet, pode ser feito numa plataforma global para a massa. Por esse motivo, é possível dizer que a internet, como sabiamente disse Michael Dell, anabolizou o Marketing de Relacionamento.


Como assim, toda a verba do cliente pra internet?

Ao conhecer o case temos certeza de uma coisa: o que poderia ser uma megacampanha para lançamento de um modelo Nike para brigar com os Asics e Mizunos se transformou numa parceria maluca para criação de um sistema que envolve um chip e um site.
Quem, em sã consciência, colocaria toda a verba de uma campanha num troço desses? Ainda bem que existem empresas como a Nike e a Apple. Eles não tiveram uma campanha, tiveram muito mais. Construíram um laço perene com seus consumidores. Algo que vai durar muito mais que uma campanha, e que certamente vai dar muito mais lucro.


De fato, as características desse tipo de comunicação farão muito mais sentido para o consumidor que nos aguarda no futuro. Ao invés de apenas construir marca ou promover venda, uma empresa de material esportivo efetivamente serviu seu consumidor com algo absolutamente concreto: depois de 3 meses de uso do Nike Plus, abro o envelope do laboratório e vejo que a minha taxa de colesterol baixou de 212 para 164. Quando poderíamos imaginar que o resultado de uma campanha publicitária também pudesse exibir números como esse?



Rodrigo Esteves
Diretor de criação da Sun/MRM
Twitter @rodrigoesteves


 

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