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IA no áudio como ferramenta, não como substituta (Bernardo Massot)
Nos últimos anos, a inteligência artificial (IA) tem conquistado espaço crescente nas mais diversas áreas, e a indústria audiovisual é uma exceção. A tecnologia promete otimizar processos, melhorar a eficiência e, até mesmo, abrir novas possibilidades criativas. Porém, com o aumento do seu uso, surgem questões que precisam ser analisadas, especialmente quando falamos sobre dublagem e as vozes que dão vida aos nossos conteúdos.
Como profissional que valoriza o craft e a qualidade, acredito que a IA tem o potencial de transformar positivamente o mercado audiovisual, desde que utilizada de maneira ética e responsável. É fundamental que seu uso não substitua o toque humano que garante a autenticidade e a relevância cultural das nossas produções.
O mercado da dublagem, por exemplo, é uma das áreas onde a IA está sendo cada vez mais explorada. A possibilidade de criar vozes sintéticas com a mesma qualidade e entonação de um locutor humano é uma inovação poderosa, mas que traz desafios importantes. A clonagem de voz e a adaptação de textos de outras culturas precisam ser feitas com cuidado para que o conteúdo não perca seu caráter genuinamente local.
A dublagem vai muito além da simples reprodução de um texto. Ela envolve adaptação cultural, ajustando piadas, expressões e referências para garantir que a experiência realmente se conecte com o público. Já ouvi de dubladores relatos de momentos em que, para adaptar o lip sync, eles acabaram criando palavras e expressões novas que, com o tempo, viram jargões dos personagens. Isso é criatividade em sua forma mais pura: transformar uma limitação técnica em valor cultural. E é aí que a sensibilidade humana faz diferença.
A performance do dublador é um aspecto que nenhuma IA pode replicar com a mesma intuição de um profissional. São esses detalhes que tornam cada projeto único e autêntico.
Nesse contexto, acredito que a regulamentação é crucial para garantir que o uso da IA no mercado audiovisual ocorra de forma justa e transparente. A construção de um marco regulatório que defina claramente os limites da tecnologia, especialmente no que diz respeito à proteção dos direitos autorais e de personalidade, é essencial para equilibrar a inovação, com a preservação dos direitos dos criadores.
O Projeto de Lei 2.338/2023, atualmente em tramitação no Congresso, é um passo importante nessa direção. Ele propõe diretrizes para proteger os profissionais contra o uso não autorizado de suas vozes e identidades, garantindo que a tecnologia não seja utilizada de maneira que comprometa ou prejudique quem vive da própria voz.
Vejo a IA como uma aliada, uma ferramenta que, quando utilizada com responsabilidade, pode agregar muito valor às produções. Um bom exemplo é o uso de voz clonada em campanhas publicitárias com celebridades. Em vez de depender da presença do artista em cada etapa de aprovação, podemos gerar textos com sua voz sintetizada para testes e marcações. No final, claro, a gravação oficial é feita com o próprio artista. Isso traz agilidade sem abrir mão da qualidade e da integridade do projeto. Estou fazendo exatamente isso agora em uma campanha.
A integração de tecnologias emergentes pode, sim, elevar a eficiência das produções, mas essa adoção deve vir acompanhada de uma escuta atenta ao mercado, à cultura e aos profissionais. A IA precisa ser aplicada de forma estratégica e com propósito, como apoio, não como substituição.
Nesse novo cenário, será fundamental repensar também a formação dos profissionais da área. Entender as ferramentas de IA e saber como integrá-las ao processo criativo pode ser um diferencial importante, sem que isso signifique abrir mão da sensibilidade artística.
O que está em jogo não é apenas tecnologia, mas o modo como escolhemos contar nossas histórias daqui para frente.
Bernardo Massot, fundador da French Fries Audio
Leia texto anterior da seção "O Espaço é Seu", aqui.
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