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O vai e volta da criatividade (Edson Oda)
Cresci num Brasil que era referência mundial em duas coisas: futebol e publicidade. Dono de duas pernas esquerdas, nunca sonhei em ser jogador de futebol. Mas, como muitas outras crianças da minha idade, sempre sonhei em ser publicitário.
“Na cama com pijama”, “Nossos japoneses são mais criativos” e os frentistas do Posto Ipiranga foram algumas das muitas campanhas que me levaram a seguir tal sonho e me tornar um dos sessenta loucos por uma vaga num vestibular de Publicidade, a carreira mais concorrida daquele ano.
Ao todo, trabalhei 10 anos em propaganda. E guardo de lá muitas das melhores lembranças da minha vida adulta. Saí não porque deixei de amar o que fazia, mas porque me apaixonei por uma outra arte: o cinema.
Mogiano sonhador, fiz as malas para os Estados Unidos, para recomeçar do zero mesmo — queria aprender tudo sobre uma arte que pouco conhecia, mas que já muito amava. A partir de então, comecei uma nova carreira: a de estudante profissional. No começo, pagava para estudar e, hoje, tenho muito orgulho de dizer que ganho para aprender.
Nesses últimos 13 anos de aprendizado sem fim, contei com muita sorte. Aprendi nas melhores instituições e tive mentores incríveis que achava que só veria no IMDb. Fiz mestrado em direção e roteiro na University of Southern California. Desenvolvi meu primeiro longa no Laboratório de Sundance. Ganhei um concurso de curtas julgado pelo Quentin Tarantino, cujos ensinamentos carrego até hoje. Trabalhei diretamente com o Spike Jonze, que foi também anfitrião do lançamento do meu filme nos EUA. E atualmente desenvolvo uma série de TV de minha criação com o Craig Mazin e a HBO.
Mas, entre tantas instituições e mentores renomados, revelo que uma das escolas que mais me ensinou foi... a propaganda.
Mas propaganda??? (Gritos de espanto). Pois é.
É engraçado a quantidade de gente que gosta de desmerecer a propaganda, em geral os próprios publicitários. Eu sei bem, porque era justamente o que eu fazia. Acho que só quando saí da vida de agência consegui dar o devido valor a ela, tipo um filho que só valoriza a mãe depois que tem que lavar as próprias roupas.
É claro: tem memória que a gente não gosta. Como aquele som do aspirador de pó no meio da criação às duas da manhã. Mas, em geral, tenho imensa gratidão pelos meus anos de agência e vejo a propaganda como um ponto de partida para quase tudo o que faço hoje em dia. Seja para pensar em dez opções de diálogo para uma cena de filme, seja para tratar os financiadores de projeto com mais respeito — aliás, são eles que estão pagando.
Para os desconfiados e céticos de plantão, aqui vão alguns exemplos práticos para defender o meu ponto:
Fiz muitos curtas-metragens na vida, mas acho que minha jornada de cineasta mogiano só começou mesmo com dois curtas em particular: "The Writer" e "Malária", os dois realizados no Brasil, sendo que o primeiro me rendeu um encontro com o Tarantino e o segundo me conseguiu um agente em Los Angeles.
Escrevi "The Writer" entre um job de Telefônica e outro de Ambev para um concurso do Django Livre, que fiquei sabendo por uma amiga do departamento internacional da DM9. Assim como qualquer filme de Guaraná ou de ligações mais baratas com o Super 15, pensei em vários caminhos possíveis, imaginando as expectativas do cliente — nesse caso, o Quentin Tarantino. Fiz o papel do meu próprio diretor de criação e selecionei as ideias que mais gostava e que estariam alinhadas com o “cliente”.
Escolhido o caminho, fui para o meu Word e digitei sem parar até me deparar com uma ideia que gostei e que julgava ser de agrado do criador do Pulp Fiction. Então, depois do expediente de sexta-feira, esperei meus chefes irem embora e imprimi dezenas de fotos que iria precisar para a filmagem do curta. Em casa, transportei o abajur do meu quarto pra cozinha e captei tudo com uma Canon 7D que geralmente usava para filmar ideias malucas que queria apresentar para os meus diretores de criação. Editei tudo no meu Final Cut Pro — o mesmo que adorava usar pra montar meus monstros pro Itaú, Guaraná e concorrências diversas. (Parênteses rápido: eu era o rei do manifesto, pode perguntar).
Corta para umas semanas depois, e lá estou eu na Comic-Con de San Diego, conversando com o Tarantino, depois dele tomar saquê, me elogiando de um jeito que diretor de criação jamais me elogiou. Muito simpático, disse que meu nome, Edsaaan Owdaaa (pronúncia dele), soava como nome de diretor e, no decorrer da nossa conversa, passou a falar de cada nuance do curta que escrevi, dirigi e montei. Sem desmerecer o meu trabalho — porque tenho, sim, muito orgulho dele —, mas não era nada de outro mundo. Eu fiz tudo num esquema frenético de agência, sem gastar mais tempo do que gastaria com um monstro-manifesto de Budweiser.
A produção do outro curta, "Malária", foi mais elaborada, mas também foi feita nos moldes de estrutura publicitária. Depois de escrever o roteiro entre um job e outro, comecei a vasculhar a agência, procurando por integrantes para o meu time de produção. Todos os chefes de departamento do "Malária" trabalhavam na agência comigo, não muito longe da minha mesa. Eram artistas talentosíssimos: ilustrador, editor, diretor de arte, artista de mock-up e diretor de fotografia. Filmamos tudo no próprio estúdio fotográfico da agência. Numa época ainda distante da inteligência artificial, esse estúdio era usado para fotografar os layouts de mídia impressa e as fotos finais de campanhas mais simples. (Ah, saudade dos anúncios impressos...).
Para você ter uma ideia do alcance desse curta feito por publicitários pós-expediente, ele chegou até a Whoopi Goldberg (entre outras celebridades), na vice-presidente de animação da Paramount, e me conseguiu o mesmo agente do Guillermo del Toro e do Danny Boyle na época. Não que isso prove que o curta seja bom, mas me provou que as barreiras entre publicidade e cinema eram menores do que eu imaginava.
Tá, curta tudo bem. Mas e longa? Longa-metragem não tem nada a ver com publicidade.
Aí eu te interrompo. Porque uma das coisas mais difíceis de um longa não é fazer o filme: é convencer as pessoas a abrir a carteira pra você. Ou seja, nesta etapa, fazer um longa é publicidade pura.
Para vender o roteiro do "Nine Days" nos Estados Unidos, eu montei dois monstros – um com imagens coletadas de filmes existentes, outro com imagens que captei com amigos da faculdade para exemplificar um passeio de bicicleta feito a partir de projeções. Para deixar a campanha mais encorpada, fiz um website para o filme, vendendo toda a identidade visual e, é claro, criei inúmeros Keynotes que apresentei para dezenas de possíveis investidores. Enfim, fiz tudo o que podia pra vender o meu peixe, do mesmo jeito que fazia de tudo para vender aquela campanha de Boteco Bohemia que eu achava que poderia entrar no Anuário (nunca entrou por sinal, mas já estou quase superando).
Mas voltando ao assunto do meu longa, acredito que ele nunca teria saído do papel se eu não tivesse uma visão mais publicitária do negócio. É claro: o roteiro e a minha visão para o filme foram os principais fatores. Mas sem a gana de vender que a publicidade me ensinou, acho que nada teria acontecido.
Lembro até hoje de uma história que o meu chefe e mentor na DM9, o Sergio Valente, contou. Um belo dia, ele foi apresentar um roteiro no cliente e, no meio da apresentação, puxou a TV, espatifando-a no chão. Sem se abalar, continuou contando o roteiro com o mesmo entusiasmo e, no final, vendeu a campanha. Para mim, essa é uma analogia perfeita para qualquer pessoa que trabalha com arte. Muitas TVs vão cair na sua frente, mas só quem continuar seguindo adiante, não importa o que espatifar no chão, consegue sobreviver.
Entre muitas outras coisas, a publicidade me deu a confiança para acreditar nas ideias e ir atrás delas, por mais loucas e idiotas que pareçam. E, além de me ensinar a executá-las com rapidez, me ensinou também a tratá-las com muito carinho e sensibilidade — uma característica inerente à geração de publicitários com quem trabalhei.
Visualmente, acho que venho da Escola Tomás Lorente Propaganda, por intermédio do meu ex-diretor de criação, Pedro Cappeletti. É uma escola absurdamente exigente que prega pelo zelo e pelo cuidado a cada detalhe. Eu lembro até hoje daqueles layouts inacreditáveis de Honda e Bohemia na mesa do estúdio da DM9, impressos em tinta especial e montados minuciosamente em pranchetas que davam vontade de abraçar. Verdadeiras obras de arte.
Toda a base da minha educação visual foi a publicidade que me deu — um conhecimento passado de geração a geração até chegar a mim, um estagiário de redação que dividia mesa com o scanner da agência na época. Mesmo nunca tendo trabalhado com Tomás Lorente ou Marcello Serpa, acredito que carrego parte da voz artística deles comigo. Meu amor pela Garamond e pela Helvetica e minha fixação por design gráfico são só uns dos muitos exemplos de influências que herdei não só deles, mas de várias gerações de publicitários brasileiros que me antecederam. Lendas como Washington Olivetto, Fábio Fernandes, Nizan Guanaes, Mauro Perez, Marcelo Aragão e Eugênio Mohallem fizeram e ainda fazem parte do meu DNA criativo até os dias de hoje (por sinal, até reli o Manual do Estagiário do Mohallem antes de escrever este texto).
Mas, além do vínculo indireto com lendas criativas, acredito que a maior recompensa de trabalhar em propaganda sejam as relações humanas que você desenvolve com quem divide a trincheira com você.
Não sei como está a vida de agência hoje em dia (tomara que esteja melhor), mas, na época em que eu trabalhava, era muito massacrante. Os horários eram ingratos; a pressão, nítida; as brigas, inevitáveis; e a frustração, corriqueira. Mas o ambiente duro também favorecia o surgimento de relacionamentos muito fortes.
Tive um diretor de criação que gostava de dizer: “É na merda que nasce o champignon”, uma máxima que, para mim, traduz a maior gratificação de trabalhar neste mercado. Quanto mais difícil o trabalho se tornava, quanto mais impossível parecia emplacar uma ideia boa na rua... mais amizades e relacionamentos significativos eu desenvolvia na agência.
Ingenuidade ou não, publicitários são muito apaixonados pelo trabalho. Naquela época eu era rodeado por gente tão sonhadora que a frustração de não corresponder às expectativas (próprias ou dos outros) se tornava insuportável. Tão insuportável que o único jeito de lidar era buscar ajuda no próximo. Era a empatia. No final, viramos uma grande família. Uma família imperfeita e, às vezes, neurótica. Mas uma família.
Publicidade foi onde eu aprendi a trabalhar em equipe. A sonhar junto e a sofrer junto também. Fiz amizades que vou levar pra vida e aprendi o quanto o meu trabalho impacta e depende do trabalho de outras pessoas.
Tá bom. Mas por que o textão?
Bom, recentemente tenho me dedicado a reingressar no mercado brasileiro como diretor de comerciais na Anonymous Content Brazil e comecei a ouvir a mesma pergunta dos meus amigos: “Mas por que você quer voltar a fazer propaganda?”. E a primeira resposta que me veio à cabeça depois de fazer uma retrospectiva mental foi: “De certa maneira, acho que nunca deixei de fazer”. TV, cinema, comerciais, mídia social... sim, as particularidades mudam, mas no final, é tudo sobre se expressar criativamente e fazer isso com pessoas que você ama.
Criatividade é criatividade, não importa o meio em que se manifesta. E eu sou da teoria de que quanto mais plural essa criatividade se torna, mais ela evolui e beneficia o todo. A publicidade brasileira me beneficiou muito, e tenho certeza de que hoje posso dar algo em troca também.
Afinal, acredito que nós, criativos, no fim das contas queremos todos a mesma coisa: nos conectar com os outros por meio da nossa expressão artística. Se você também pensa assim, bora trabalhar juntos :)
Edson Oda, diretor de cena da Anonymous Content Brazil
Leia texto anterior da seção "O Espaço é Seu" aqui.
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