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Por que bebidas não alcóolicas têm que ser doces?
Beber diariamente, se você não é russo, irlandês ou nórdico, pode levantar dúvidas sobre o seu grau de dependência alcoólica. Se você trabalha em bar ou, como eu, escreve sobre bebidas, fica mais exposto aos prazeres etílicos e suas tentações.
Alguns outros profissionais, como músicos, publicitários e caminhoneiros, também são, digamos, grupo de risco. Para beber sempre, é preciso ter método. Saber o que beber, quando parar, alimentar-se bem, hidratar-se. E, mais do que tudo, ter controle e alguns princípios de conduta.
Não que a embriaguez não tenha o seu valor. A humanidade sempre a buscou. Mas é preciso saber se, ao beber, procuramos mais o sabor ou o torpor. Talvez queiramos ambos, mas em que grau? É de bom tom, de tempos em tempos, um pouco por curiosidade, um pouco por precaução, ficar abstêmio durante um período e fazer uma auto-avaliação, um exercício de auto-reconhecimento.
Normalmente, uma ou duas vezes ao ano, na semana que antecede aquela bateria de exames de rotina, eu enfrento este desafio. Fico entre cinco dias e uma semana sem pôr uma gota de álcool no organismo. Meu recorde pessoal como adulto foram dois meses sem beber (não lembro o motivo). Devo admitir que há uma pequena melhora no desempenho físico. Mas nada tão excepcional. Desde que eu não beba exageradamente, num evento específico, desde que não produza a maldita "ressaca", não sinto comprometimento sério, mesmo em atividades físicas como musculação, corrida ou bike. A falta de uma noite de sono me afeta muito mais.
Normalmente, depois de uma semana de abstinência, eu constato quatro coisas:
1. Não sou dependente. Apesar de manter um consumo regular, passo tranquilamente pela prova. Não sinto fissura ou qualquer sintoma de privação.
2. Percebo que sou, antes de mais nada, um bebedor degustador/harmonizador. Sinto uma tremanda tristeza de ver uma refeição deliciosa à mesa e ter de beber coca-cola para acompanhar. Adoro sucos. Mas não acho que combinem com a maioria das refeições. Que estrago não faz a acidez de uma limonada suíça num delicado purê de batatas? Ou quão insosso não fica um suco de melancia com uma feijoada? Além do quê, no geral, prefiro bebidas mais amargas. A água tônica me salva muitas vezes. Mas pense que monotonia... Gosto da riqueza de sabores de um bom vinho, de uma boa cerveja, de um amaro. E estes sim me fazem falta. Os sabores.
3. Se há outra impressão forte é a de que sou um bebedor social. Mais do que simplesmente beber solitário, gosto de encontrar pessoas e conversar numa mesa de bar ou restaurante. E prefiro encontrar pessoas que bebam. Os amigos ficam mais calorosos, as mulheres, mais alegres e receptivas, os tímidos, mais soltinhos. E, além disso, não diz a sabedoria popular que "não existe mulher feia, você é que não bebeu o suficiente"? Na verdade, talvez as mulheres fiquem mais bonitas porque mais confiantes. Ou talvez simplesmente Humphrey Bogart tivesse razão ao dizer que "o mundo está três doses atrasado".
É verdade que os chatos ficam mais chatos. Mas, em compensação, a gente cria coragem para ser mais sincero e dar um chega pra lá neles.
4. Concordo com o velho craque inglês George Best. Depois de uma semana sem beber, eu sinto que perdi sete dias.
O fato é que estou numa dessas semanas de seca. Pior, escrevo a seco! E busco soluções para satisfazer meu paladar.
Cerveja sem álcool é uma nobre iniciativa. Mas me lembra "carne de soja". Um simulacro. Refresca mas não satisfaz, assim como a carne de soja, que alimenta mas não sacia.
Além da já citada água tônica, recorro a chás caseiros (com muito gengibre, hortelã, cravo e canela e sempre sem açúcar) e à mais maravilhosa invenção italiana depois da ópera, da pizza e da máquina de café expresso: o San Bitter.
Lançado em 1961, o San Bitter rosso é um drink não alcoólico, produzido pelo grupo da água mineral San Pellegrino, que lembra muito um Campari soda.
Muito popular na Itália, onde também se encontram outras opções de soft drinks não tão adocicados e mesmo amargos, como o Chinotto, um refrigerante escuro como uma cola, produzido a partir de uma laranjinha amarga do mesmo nome (Citrus myrtifolia) e uma variedade de ervas, por diversos fabricantes.
Num mercado que se sofistica a passos largos como o brasileiro, no qual se encontram vinhos e cervejas em variedade quase inimaginável, é uma prova de imaturidade, para não dizer infantilismo de paladar, a inexistência de opções de soft drinks que não sejam doces. Estamos condenados a optar entre os refrigerantes tradicionais adocicados e as anódinas águas aromatizadas.
Viva a mineral com gás, a água tônica e o importado San Bitter!
Deus mercado! Mande-nos emoções fortes...
Mauricio Tagliari é compositor e produtor musical. Sócio da ybmusic, escreve sobre música e bebidas no blog www.maisumgole.wordpress.com e sobre música no http://ybmusica.blogspot.com. É co-autor do Dicionário do Vinho Tagliari e Campos.
Esse artigo foi publicado no Terra Magazine