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Crônicas de um verão holandês nº 2
Na chegada ao evento ganhei uma pulseira de plástico. Ela indica que posso entrar em todas as tendas de palestras e que tenho direito ao almoço dado pela organização. É uma pulseira por participante que vale para os três dias.
Perguntei à recepcionista se teria que tomar banho e dormir com aquela pulseira pelos próximos dias, já que ela fica lacrada no pulso. Sim, ela sorriu. Porque assim não precisamos fabricar três vezes mais pulseiras e gerar três vezes mais lixo. Aqui não se fala, se pratica.
Sustentabilidade não é um assunto. Não é uma moda, não é uma chatice e muito menos status. É obvio que temos de reciclar, consumir conscientemente, gerar menos lixo, gastar menos energia e pensar coletivamente. É óbvio que as empresas e o governo precisam fazer sua parte. É simples, faz parte da cultura e do dia a dia, como o transporte público, os canais, o vento, as ruas e o sol.
Os holandeses têm essa característica de enganar à primeira vista, de parecerem simplistas. Leva um tempo pra gente se ajustar à frequência certa e perceber que essa simplicidade é muito elaborada e que eles estão no segundo capítulo do livro enquanto a gente ainda não saiu do prefácio.
Com o PicNic aconteceu a mesma coisa. A simplicidade, o jorro desorganizado de informações e o vento da balsa já não atordoaram tanto a minha cabeça.
A seleção dos assuntos, os palestrantes e a ordem em que acontecem são tão importantes quanto o que é dito em cada palestra. É assim que a organização do evento constrói sua mensagem mais importante: vivemos uma época de novos valores e comportamentos ao mesmo tempo que dispomos de novas (e muitas) tecnologias. Uma coisa alimenta a outra e uma coisa depende da outra.
E a Holanda é o laboratório disso tudo, aberto pra observação. Tanto que os principais palestrantes de hoje citaram o país como exemplo em suas falas.
Lawrence Lessig, criador do Creative Commons e palestrante profissional, disse que a Holanda, ao contrário dos Estados Unidos, é uma democracia que funciona tem as leis mais avançadas e os interesses das pessoas não são esmagados pelo lobby das grandes empresas. E o título da palestra era um pedido de ajuda dele para a Holanda: Help US um trocadilho com nos ajude, ajude os EUA.
E quando parecia tudo perfeito e maravilhoso na comunidade internacional dos inteligentes e inovadores, a palestra que encerrou o dia foi uma provocação que só comprovou que a Holanda já mudou de capítulo. De novo.
Quem deu o recado foi o holandês Victor Van Der Chijs, sócio do arquiteto, também holandês, Rem Koolhaas no escritório criativo OMA responsável pelas lojas da Prada no mundo, pela sede da TV Estatal Chinesa em Pequim e pelo novo distrito cultural de Hong Kong.
Ele criticou o papel da classe criativa nas cidades (e no mundo) de hoje e propôs uma autocrítica involuntária aos participantes: somos de um bando hipsters autorreferentes que só quer saber de frequentar restaurantes descolados, lojas hypes e consumir design. Temos o dever de atuar de maneira mais incisiva, usando a criatividade de maneira menos vazia e mais objetiva. Em parceria com outros setores, como logística, saúde, agricultura, gerando negócios, transformando a sociedade e resolvendo os problemas das cidades.
Bem, Victor foi lá e fez pra poder falar: o OMA juntou-se com diversos países europeus e empresas de vários setores e criou um projeto para que em 2050 a Europa tenha um sistema único de energia com emissão zero de CO2. Sem gastar um euro a mais do que gasta hoje.
Aqui é assim. Simples.
José Porto - Diretor Nacional de Planejamento da F/nazca S&S, direto de Amsterdã
Leia texto anterior sobre o festival aqui.