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PicNic! Festival

Crônicas de um verão holandês nº 2

16.09.11

Na chegada ao evento ganhei uma pulseira de plástico. Ela indica que posso entrar em todas as tendas de palestras e que tenho direito ao almoço dado pela organização. É uma pulseira por participante que vale para os três dias.

Perguntei à recepcionista se teria que tomar banho e dormir com aquela pulseira pelos próximos dias, já que ela fica lacrada no pulso.  Sim, ela sorriu. Porque assim não precisamos fabricar três vezes mais pulseiras e gerar três vezes mais lixo. Aqui não se fala, se pratica.

Sustentabilidade não é um assunto. Não é uma moda, não é uma chatice e muito menos status. É obvio que temos de reciclar, consumir conscientemente, gerar menos lixo, gastar menos energia e pensar coletivamente. É óbvio que as empresas e o governo precisam fazer sua parte. É simples, faz parte da cultura e do dia a dia, como o transporte público, os canais, o vento, as ruas e o sol.


Os holandeses têm essa característica de enganar à primeira vista, de parecerem simplistas. Leva um tempo pra gente se ajustar à frequência certa e perceber que essa simplicidade é muito elaborada e que eles estão no segundo capítulo do livro enquanto a gente ainda não saiu do prefácio.
 
Com o PicNic aconteceu a mesma coisa. A simplicidade, o jorro desorganizado de informações e o vento da balsa já não atordoaram tanto a minha cabeça.


A seleção dos assuntos, os palestrantes e a ordem em que acontecem são tão importantes quanto o que é dito em cada palestra. É assim que a organização do evento constrói sua mensagem mais importante: vivemos uma época de novos valores e comportamentos ao mesmo tempo que dispomos de novas (e muitas) tecnologias. Uma coisa alimenta a outra e uma coisa depende da outra.


E a Holanda é o laboratório disso tudo, aberto pra observação. Tanto que os principais palestrantes de hoje citaram o país como exemplo em suas falas.


Lawrence Lessig, criador do Creative Commons e palestrante profissional, disse que a Holanda, ao contrário dos Estados Unidos, é uma democracia que funciona – tem as leis mais avançadas e os interesses das pessoas não são esmagados pelo lobby das grandes empresas. E o título da palestra era um pedido de ajuda dele para a Holanda: Help US – um trocadilho com nos ajude, ajude os EUA.


E quando parecia tudo perfeito e maravilhoso na comunidade internacional dos inteligentes e inovadores, a palestra que encerrou o dia foi uma provocação que só comprovou que a Holanda já mudou de capítulo. De novo.


Quem deu o recado foi o holandês Victor Van Der Chijs, sócio do arquiteto, também holandês, Rem Koolhaas no escritório criativo OMA – responsável pelas lojas da Prada no mundo, pela sede da TV Estatal Chinesa em Pequim e pelo novo distrito cultural de Hong Kong.


Ele criticou o papel da classe criativa nas cidades (e no mundo) de hoje e propôs uma autocrítica involuntária aos participantes: somos de um bando hipsters autorreferentes que só quer saber de frequentar restaurantes descolados, lojas hypes e consumir design. Temos o dever de atuar de maneira mais incisiva, usando a criatividade de maneira menos vazia e mais objetiva. Em parceria com outros setores, como logística, saúde, agricultura, gerando negócios, transformando a sociedade e resolvendo os problemas das cidades.


Bem, Victor foi lá e fez pra poder falar: o OMA juntou-se com diversos países europeus e empresas de vários setores e criou um projeto para que em 2050 a Europa tenha um sistema único de energia com emissão zero de CO2. Sem gastar um euro a mais do que gasta hoje.


Aqui é assim. Simples.


José Porto - Diretor Nacional de Planejamento da F/nazca S&S, direto de Amsterdã


Leia texto anterior sobre o festival aqui.


 


 


 


 


 

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