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Fernando Meirelles, pego de surpresa em LA, diz o que pensa sobre a reação de Bill
"Li o texto do Bill com certa surpresa, mais pelo tom do que pelo conteúdo. Estou certo que há algum mal-entendido no caminho. Bill foi apoiado pela VideoFilmes para realizar seus clipes, que não se diferem muito das intenções do filme; a Katia Lund já trabalhou com ele e está trabalhando com sua irmã; e, como o Bill participou conosco de um episódio da série ''Cidade dos Homens'' sem nunca ter feitos estas observações a respeito do longa-metragem ''Cidade de Deus'', sempre acreditei que não houvesse qualquer problema. Por isso a surpresa.
Discordo da sua visão de que o filme estigmatiza a comunidade. A população do Rio sabe que CDD é um lugar violento, não por causa da história que aconteceu nos anos 70, mostrada no longa, mas sim pelas 68 mortes violentas ocorridas no ano passado e noticiadas pela imprensa. Portanto, não é um filme que deve ser combatido, mas sim esta violência cotidiana. E o Bill tem uma capacidade de liderança que pode e deve ser usada para reverter este quadro. Ele está se mobilizando agora e só isto já é positivo.
O Bill tem razão ao dizer que o filme não ajudou a comunidade. Fora as pessoas envolvidas na produção, o filme de fato não mudou a vida do lugar - esta seria uma tarefa para a qual não estaríamos preparados. Por outro lado, se não transformou a comunidade, ao menos está tentando transformar a vida dos garotos que participaram do projeto. Até hoje continuamos trabalhando juntos no grupo Nós do Cinema e muitos deles estão encontrando oportunidades, a partir desta experiência. Mantemos, também no Rio, um escritório que aos poucos vai ajudando alguns garotos a encontrarem seu caminho. Não poderemos nunca alterar a vida de milhares de pessoas, mas ao menos de uma ou duas dezenas será possível, se eles quiserem. Estes poderão virar exemplo para outros.
Respeito o artista e líder comunitário que é o Bill e compreendo sua motivação quando diz estar cansado e querendo explodir. Apenas sinto que o filme não é o alvo adequado. Nossa história foi contada por um ex-morador, o Paulo Lins; a produção fez questão de envolver centenas de pessoas das comunidades na produção; revelamos talentos extraordinários, que participaram ativamente na criação do filme - como Leandro Da Hora, morador de Cidade de Deus -, sendo a grande maioria deles negros e mulatos, todos nos papéis principais, coisa rara em nossa cinematografia.
Neste sentido, o filme é também uma expressão da comunidade. Acredito também que o projeto possa trazer alguns benefícios, a longo prazo, que devem ser pesados: nosso presidente me disse que o filme havia mudado sua maneira de ver a questão da segurança pública. CDD não muda nada, diretamente, mas sinto que ajudou a levantar a questão da exclusão social no país mais uma vez. Informou a sociedade, mostrando um ponto de vista que ainda faltava. Junto com Cidade dos Homens, jogou alguma luz sobre o problema da favela. Se hoje o Bill consegue mobilizar o prefeito do Rio ou o Hermano Viana, do Ministério da Cultura, isso se deve um pouco ao filme, também. Apóio integralmente a mobilização que ele está fazendo, mesmo estando a produção do longa no incômodo papel de vidraça. As motivações do Bill são legítimas, ele é, de fato, uma liderança em sua comunidade e deve usar isso em prol da própria comunidade. Do nosso lado, estaremos sempre abertos para qualquer conversa ou ação que possa trazer algum benefício a esta ou qualquer outra comunidade.
Basta nos dizer como podemos ajudar".
Fernando Meirelles
Los Angeles 23/1/2003
(texto divulgado pela distribuidora Lumiére)
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