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Saga Vermelha parte II: Roma, Romani & Romenia

Por Darlan Moraes, da BBDO Rússia

12.05.09

Salve!

Já faz tempo que o artigo “Vermelho no Branco” foi ao ar neste renomado site. Agradeço à Laís pelo espaço e a vocês leitores que se mostraram muitíssimo interessados pelos acontecimentos destas terras.

Através do artigo, escrito há mais de um ano, fiz contatos profissionais, reconectei colegas de profissão e até ganhei um amigo (abraço, camarada Lima!).

Mas voltemos nossa atenção novamente ao Leste: da última vez relatei um pouco da minha experiência em Bratislava – capital da Eslováquia e onde tudo começou, em 1997 - e em Praga, cidade que deixei no final de 2002 para me mudar para Bucareste, capital da Romênia.

Lá, fui contratado para trabalhar como Diretor de Criação Executivo da falecida D’Arcy (na época, a melhor do país e com o maior time que já comandei: 35 criativos).

Comecemos o nosso passeio pela Romênia descrevendo a origem do nome do país: Romênia vem de Roma, ou do Império Romano, e enfatiza as origens do país como província do Império Romano.

Na Antiguidade Tardia, o Império Romano era frequentemente chamado de Romania, em latim.

A língua é o romeno, já que depois da conquista romana, a Dácia se transformou numa província romana e o latim vulgar se converteu na língua usada pela administração e pelo comércio.

Somente a Moldavia (que é um país e também denomina uma região do Norte da Romênia), a região autônoma de Voivodina, na Sérvia, e a Romênia utilizam uma língua de origem latina, nesta parte essencialmente eslava do mundo.

O romeno é o único idioma da nossa família latina com declinação (uma característica das línguas eslavas, como tcheco, eslovaco e russo).

A Romênia faz parte da Europa (e da Comunidade Europeia, desde 2007), mas está muito próxima da Turquia, influência que marcou muito o comportamento dos romenos, já que estar ao lado de um país dominador, por muitos séculos, não é nada fácil.

Por exemplo: pagar impostos para o sultão era muito oneroso, mas algum espertinho da época logo achou a solução: anualmente se capturavam as 200 mais lindas mulheres da região e as enviavam como pagamento. Negócio fechado.

E – falando em negócio – tratar business com romenos é uma tarefa árdua. Nunca se fala deste assunto diretamente, os rodeios e galanteios são parte do jogo e se você for direto ao ponto vai ser considerado um pouco estranho.

Na verdade, o jogo de cintura romeno é de fazer inveja aos maiores especialistas de bambole, em Brasília.

O gosto por um bom vinho está muito presente na sua cultura devido à influência romana (se você trombar com uma denominação de origem “Feteasca Neagra” – eu prefiro o seco - pode comprar sem medo), além de - claro - a paixão por uma boa festa!

Vale também dizer que o rótulo de “país dos ciganos” é errôneo, já que apenas 2.5 por cento da população total de 22 milhões é gypsy, sendo que a esmagadora maioria é romena (89 por cento), seguida dos húngaros (6 por cento), turcos, russos e tártaros, eslovacos, gregos, croatas, judeus, italianos além de algumas outras nacionalidades em minoria, nesta mistura.

A presença cigana é bem maior do que em outras nações europeias, mas esta percepção de que eles são a alma do país é equivocada, mesmo porque têm seu estilo de vida próprio – cultura, costumes e língua – sendo uma comunidade que vive ensimesmada sem poder ou querer influenciar de modo algum (a não ser pela excelente música) o país.

Talvez a confusão venha da denominação para ciganos em inglês – Romani – o que faz as pessoas imaginarem que lá todo mundo é cigano.

Se você for à região da Transilvânia, por exemplo (falo do conde, dentro em breve), lá existem muitos húngaros e cidades como Cluj Napoca - que sedia o Transilvanian International Film Festival, http://www.tiff.ro/ - onde o húngaro é falado nas ruas normalmente, lado a lado com o romeno.

Em relação à publicidade, a Romênia é referência, sendo que no Festival internacional Golden Drum (www.goldendrum.com) – o mais importante da região – a Romênia tem estado de modo consistente no topo, desde 2003 (neste ano, foi a D’Arcy que conquistou o terceiro lugar, sendo esta a primeira vez que o país alcançou uma posição tão alta neste festival).

O festival reúne cerca de 40 países, em um mercado que abrange mais de 400 milhões de pessoas.

O primeiro Leão da Romênia aconteceu em 2007 (Bronze), pela agência local GMP, na categoria mídia impressa (http://www.gmp.ro/en/).

Os romenos também sediam o Ad Print (http://www.adprint.ro/), festival internacional exclusivamente dedicado à mídia impressa, que vem apresentando um nível cada vez melhor, tanto em trabalhos como na parte de júri (e também uma parceria com a revista Archive), além do festival local AD’Or (http://www.ador.ro/).

Como nós, eles partilham a paixão pela área da comunicação em massa (e, também como nós, o mesmo tipo de malandragem no que diz respeito a fantasmas).

Fantasmas ou campanhas reais, com certeza a publicidade deles é uma das mais avançadas e criativas deste lado do mundo.

Depois de uma boa passagem pela D’Arcy, tive uma malfadada experiência tentando abrir minha própria agência (através de um acordo com a network alemã de publicidade Scholz & Friends) e, na sequência, recebi convite para liderar o depto. criativo de uma agência local, que se chamava Mercury Promotions.

A barganha era simples: eu traria minha experiência internacional na área de above the line, além da fome por prêmios, e teria a oportunidade de aprender mais sobre below the line, uma área deficiente no CV de muitos criativos (inclusive, na época, no meu).

Confesso que refleti muito sobre o assunto. Meu histórico aqui na Europa era somente de agências internacionais, e me juntar a uma agência local, ainda mais epecializada na área promocional, me pareceu pouco atraente.

Iniciamos a nossa relação com uma concorrência (que ganhamos) para a Peugeot (eu como freelancer) e aí selamos a parceria.

Esta foi uma das melhores experiências da minha vida profissional como Diretor de Criação, onde aprendi de verdade sobre below the line e de quebra ganhamos Epicas, além de abocanharmos shortlists no Golden Drum e melhor comercial do ano no festival AD’OR.

O fato de hoje eles se chamarem Mercury 360 demonstra que o intercâmbio foi um sucesso.

E algum de vocês deve perguntar: e o Drácula? Agora conto a vocês uma fofoca e o resto você encontra na Wikipedia.

Reza a lenda, que o irmão do Vlad Drácula, Radu - mais conhecido como Radu, o Belo – se refugiou na Turquia por uns tempos (a relação entre Turquia e a região que hoje se chama Romênia foi de amor e ódio, ora aliados, ora inimigos).

Como o figura era bonitão – e o sultão devia estar cansado de tanta mulher chegando como pagamento de imposto – os dois acabaram tendo um caso. Acontece que o Vlad também se mandou para lá por uns tempos quando a coisa ficou feia na Valaquia, região da Transilvânia onde ele era Conde e o sultão tambem deu (literalmente) em cima do Vlad.

O que rolou entre os véus e narguiles ninguém sabe direito. Mas esta mania do Vlad 'impalar' seus inimigos quando ele retornou ao seu condado – ele chegou a 'impalar' 100.000 infiéis turcos, além de uma estimativa de 20 a 40.000 europeus - parece ter vindo da sua ira em ter sido “impalado” pelo sultão em uma destas 1001 noites.

Se é verdade ou não, eu não sei. Mas faz sentido.

 “In Search of Dracula”, do escritor Radu Florescu (pai do dono da Saatchi de Bucareste), é um excelente livro para quem quiser saber mais sobre este mito (o trecho acima nao pode ser encontrado na respeitável publicação do Sr. Florescu).

Os romenos em geral torcem o nariz para esta lenda que trouxe uma certa visibilidade ao país, mas não de um modo exatamente positivo.

Um parque de diversões temático com Ele como personagem principal parou devido – dizem as mas línguas – à licitação do terreno ter sido fraudulenta.

Mudando da ficção para a realidade, de verdade mesmo – de carne, osso e recheado de muita ignorância - foi o ditador Nicolae Ceausescu que simplesmente detonou o país durante o seu governo comunista (1965-1989), além de ter arrasado com Bucareste (que tinha o apelido de Petite Paris no entre guerras).

Hoje, Bucareste é uma amálgama de prédios comunistas, construções art noveau que sobreviveram a este holocausto arquitetônico, terrenos vazios e construções abandonadas por fugitivos do sistema comunista, além da renomada ‘Casa do Povo” (Casa Poporului), uma obra megalomaníaca do ditador, que segundo o Guinness Book é o maior prédio administrativo do mundo e tem boulevares mais extensos dos que os do Palácio de Versalhes (calculados premeditamente para deixarem o Rei Sol francês se virando na tumba).

Igrejas ortodoxas do século XIII foram transferidas de lugar, centímetro por centímetro, para dar lugar às praças que circumdam este prédio de feiúra monumental (os padres excomungaram Nicolae em segredo).

Nicolae e sua esposa tiveram um final trágico (praga dos padres?): foram fuzilados pelos próprios membros do seu partido.

Ainda assim, eu recomendo a viagem a Bucareste – não é nenhuma Praga ou Budapeste - mas tem seu charme.

Depois, suba para a Transilvânia (Sibiu, Brasov, Cluj Napoca, Sighisoara  - onde Vlad impalado nasceu e onde anualmente ocorre um festival autenticamente medieval – e Targu Mures merecem a visita).

Mais ao Norte, monastérios ortodoxos, com uma tonalidade de azul, em suas paredes, que ainda nao conseguiu ser reproduzida, e o Cemitério Feliz de Sapantza, onde cruzes pintadas de cores alegres e textos bem-humorados contam a vida e morte de quem foi daqui para melhor, são imperdíveis (fiz um comercial no Cemitério Feliz, em 2005).

O delta do Danúbio – o segundo maior da Europa e o mais bem conservado do continente - é um paraíso ecológico e também é digno de atenção.

Esqueça o litoral romeno, que não pega nada se comparado a Itacaré, Trancoso e, se marcar, nem mesmo ao Guarujá.

Deixei Bucareste em 2006, em direção a Riga, capital da Letônia.

Por isso, no próximo capítulo vamos conhecer os países bálticos (Letônia, Estônia e Lituania), que são muito interessantes.

Até a próxima.


Darlan Moraes Jr. é Diretor de Criação para campanhas integradas da BBDO de Moscou (www.darlanmoraesjr.com) e fundador do Filminute (www.filminute.com)


 

Saga Vermelha parte II: Roma, Romani & Romenia

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