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Com Marcelo Galvão, diretor e fundador da Gatacine
Clubeonline: Você dirigiu e escreveu o roteiro do filme Colegas, que traz três atores com Síndrome de Down como protagonistas e que deve chegar à telona no segundo semestre. Como surgiu a ideia de trabalhar com o tema?
Marcelo Galvão: Eu fui criado com um tio que tem Síndrome de Down, vivi grande parte da minha infância com ele, que passava as férias na minha casa. E era um momento especial quando ele vinha, porque a forma como eles enxergam o mundo é algo fantástico. A ingenuidade, a pureza, até a forma bem-humorada, o carinho, é tudo à flor da pele. Então, eu sempre quis escrever a respeito, sobre essa experiência que tive, e passar para frente. Quando voltava do Festival de Toulouse, em 2005, vim no avião escrevendo, e escrevi praticamente todo o esqueleto do filme durante a viagem.
Clubeonline: Quais empresas patrocinam o projeto? Houve alguma resistência em função do tema?
Galvão: Algumas empresas apoiam: Sabesp, Prefeitura Municipal de Paulínea, Petrobras, Neoenergia, AzkoNobel e KSB. Como apoiadoras estão Libbs, NET, Locaweb, CVC e Senac. Mas quando eu resolvi transformar esse filme em realidade, achei que fosse mais fácil captar dinheiro para esse projeto. Mas existe muito preconceito de algumas empresas que não querem associar sua marca à Síndrome de Down. Isso eu descobri com o tempo. Era muito difícil, falavam: ah não, um filme sobre Down..., e na verdade o filme nem é sobre isso, é um filme que fala sobre amor, amizade, superação. É um filme bem-humorado, para cima. A ideia é que você entre no cinema e esqueça que eles têm Down, mergulhando na história. Acho que essa é a maior inclusão social, a gente tem três pessoas com Síndrome de Down atuando e não três personagens com Síndrome de Down.
Clubeonline: Que filmes e diretores mais influenciaram seu novo longa?
Galvão: Uma referência que usei bastante foi Forrest Gump, principalmente pelos enquadramentos, pelos planos abertos, eu quis sair um pouco daquele lance de filme brasileiro estilo televisão, onde tudo é muito fechado. Até os closes são abertos. A gente tem muita lente angular no filme, que é uma característica do Forrest Gump. A leveza também. O longa conta a história de três garotos que adoram cinema e trabalham numa videoteca. Aí, um dia, depois de assistir Thelma & Louise, eles decidem roubar o carro do jardineiro e fugir para uma aventura. O fato de eles trabalharem numa videoteca faz com que tenham uma cultura cinematográfica enorme, por isso há referências a diversos clássicos do cinema, desde Cidade de Deus até Pulp Fiction, E o Vento Levou, Casablanca. O longa usa a metalinguagem, traz referências de vários filmes.
Clubeonline: Quarta B, seu primeiro longa, se passa dentro de uma sala de aula, onde é encontrado um tijolo de maconha. Como foi a experiência de filmar com baixo orçamento? Quais as principais dificuldades?
Galvão: Colegas é meu quinto longa-metragem e antes dele, todas as minhas experiências foram com baixo orçamento. Eu até dava muita palestra sobre como fazer um filme sem grana no Brasil, que é até o nome de um documentário nosso (Lado B: como fazer um longa sem grana no Brasil). Quando eu resolvi fazer o Quarta B era para me lançar na carreira de cineasta. Como eu era redator, gostava de escrever e resolvi escrever um filme que conseguisse viabilizar. Para isso, tinha que ser um filme muito barato, não poderia ter muitas locações, nem um casting grande. Fiz algo bem simples, que se passa só dentro da sala de aula. O roteiro é a base de tudo. E fiz junto um documentário, porque pensei que se desse errado pelo menos teria um documentário sobre como fazer um longa sem grana no Brasil. De fato, muita coisa não deu certo, desde produtores que pediram demissão uma semana antes de começarmos o trabalho porque tinham que filmar um comercial e precisavam de grana, até o cara do som, que me ligou dizendo que não apareceria porque estava com malária, e por aí vai. Se chovia, tinha que adaptar a chuva para o filme. Enfim, vários problemas que quando você tem baixo orçamento tem que transformar em virtudes. No fim, o filme acabou ficando bacana, ganhou a Mostra Internacional de São Paulo (júri popular), foi para Paris, para Toulouse, ganhou prêmio no Chile de Melhor Filme, foi para a Inglaterra. É um filme que, apesar de ter sido feito na raça, teve uma vida muito interessante dentro dos festivais.
Clubeonline: Antes de se tornar diretor, você trabalhou como redator em algumas agências, fez estágio na Almap, atuou na BBDO de Nova York e na JWT. O que o levou a partir para a direção de filmes?
Galvão: Isso ocorreu porque meu último trabalho como criativo foi na Thompson (JWT), que é uma agência que faz muito filme. Eu, como redator, escrevia muitos roteiros. Foi uma transição meio que natural. Quando você escreve um roteiro de filme, mesmo que seja publicitário, tem começo meio fim, é uma história, e aí começou a surgir esse desejo de dirigir. Também pesou o fato de que, como publicitário, a gente cria 100 coisas, 99 vão para o lixo e a que sai na mídia geralmente não tem quase nada do que a gente imaginou no início. A frustração é muito grande. Então, chegou um momento em que eu decidi ir para o outro lado, tentar não desperdiçar tanta coisa legal. Pedi demissão, em 1999, vendi meu carro, fui para Nova York fazer cinema, morei durante um ano numa academia de Jiu-Jitsu, onde dava aula e, com o dinheiro que juntei, paguei minhas aulas de cinema e comprei minha primeira câmera. Comecei a filmar aqueles comerciais que a gente cria e que o cliente acaba não aprovando, para ter um repertório. Quando voltei para o Brasil, me chamaram de volta na Thompson, mas expliquei que tinha virado diretor. As pessoas me perguntavam: você vai fazer assistência para quem? e eu contava que ia dirigir, não fazer assistência. Meti a cara, uma produtora me apadrinhou (a Espiral) e a Thompson me ajudou bastante naquela época. Comecei a fazer vários filmes para a agência, principalmente para Close Up. Depois, fui para a TVZero, onde fiz meu primeiro longa (Quarta B). De lá fui para a O2, depois para Movie&Art, Republika e Ioiô. Até que lancei minha própria produtora, a Gatacine, entre 2005 e 2006. E saí do mercado publicitário, me focando nos longas: dirigi Bellini e o Demônio, Rinha e Colegas, que já está finalizado. Agora quero voltar para a publicidade.
Clubeonline: Quais são as maiores diferenças entre dirigir um longa e um filme publicitário?
Galvão: O filme publicitário muitas vezes é mais gostoso de se fazer do que um longa. O comercial é, obviamente, bem mais rápido não demora quatro, cinco anos para ser feito e tem dinheiro, ou seja, você pode trabalhar com um bom orçamento para produzi-lo. Eu adoro publicidade. E claro que é bem mais fácil trabalhar quando você tem dinheiro para fazer direito um projeto interessante. O comercial publicitário não deixa de ser um filme mais curto.
Clubeonline: Qual o impacto da experiência que você tem em cinema no seu modo de dirigir publicidade?
Galvão: Aprendi ao fazer longas a olhar para a publicidade de um outro jeito, de uma forma mais verdadeira. Eu acho que o fato de ter ficado muito tempo sem dirigir comerciais fez com que meu olhar ficasse diferente. Porque se você durante muito tempo só faz publicidade, tudo começa a ficar muito igual. Quando você sai um pouco, percorre outra linguagem, outra visão, muita coisa se renova. No cinema muda tudo, desde a equipe com a qual você trabalha, até o casting e as pessoas que você conhece. É bem comum a gente ver que o cara que faz propaganda de cerveja é o mesmo que faz de margarina, que é o mesmo que faz de carro. A experiência com cinema contribui pelo fato de termos um casting formado por gente que não faz publicidade e uma linguagem fora do padrão estético publicitário.
Clubeonline: A Gatacine produziu um projeto chamado Filhos do Rock. Do que se trata?
Galvão: A gente tem feito umas coisas interessantes, em formatos diferentes do padrão publicitário, que buscam levar mais entretenimento ao público. São curtas, de uns 6, 10 minutos, geralmente para internet, em que em vez de vendermos um produto, apresentamos uma brand position. Fizemos isso com SKY, por exemplo,em campanha chamada Filhos do Rock (veja aqui), com filmes de cinco, três minutos, sobre pessoas que têm seu nascimento ligado a uma das edições do Rock in Rio.
Clubeonline: Você volta depois de alguns anos à publicidade e acredita que mudou muita coisa em termos de criação e produção?
Galvão: Eu acho que não mudou muita coisa, mas o mercado diminuiu de grana, as coisas não estão supervalorizadas como eram antes e temos que trabalhar bem com a verba disponível. Cabe ao produtor ter criatividade para tirar o melhor possível da verba que existe. E esse melhor deve ser para todos os tipos de mídia. Não é porque um filme vai para a internet que ele tem que ter orçamento menor de produção. Em termos de compra de mídia, tudo bem, porque não vai precisar comprar espaço na Globo, mas em relação à produção o trabalho é o mesmo. As campanhas feitas lá fora para internet são milionárias, desde há muito tempo: os curtas da BMW, por exemplo, com filme que traz a Madonna para internet, um investimento enorme. E acho que ainda existe muito medo no mercado publicitário de arriscar. Temos que ousar um pouco mais.