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Um Brasileiro em Lisboa

A bola de sorvete escondida

09.08.10

Se você entrar numa de falar de sorvete, aqui em Lisboa, antes mesmo de terminar a frase, vai escutar a palavra "Santini".

Esse é o nome da sorveteria mais famosa de Portugal. E com toda a razão: os caras fazem um sorvete para deixar o pessoal da Häagen Dazs chutando a quina do próprio freezer a cada colherada.

Recentemente, a Santini abriu uma filial cheia de stâile aqui no Chiado, em Lisboa. Antes você tinha que, obrigatoriamente, pegar o carro e ir até à loja em Cascais-- secando a baba dos cantos da boca com a manga da camisa pelo caminho.

Mas essa coluna não é sobre a Santini, porque, acho que devem ter algumas milhares por aí sobre a magia dos sorvetes da família Santini. Faça o teste lá no Google. Se você digitar apenas a letra "S" seguida da letra "A" no campo de busca, o Google periga sugerir o nome da gelataria. A ideia aqui é revelar um sorvete escondido.

Com os 52 graus que fazem aqui, no verão, qualquer sorveteria fica mais cheia do que elevador da firma às 9h32 da manhã. E encontrar um lugar que oferece um sorvete zambers sem fila é bem interessante. Com uma Santini aqui no Chiado não vale também indicar qualquer revenda de picolé desses tipo Kibon ou Yopa-- embalados no saquinho, com um cartaz daqueles com o preço padronizado que o tiozinho do estabelecimento pinta com pilot preto para definir o valor.

Não, a ideia aqui é sugerir um oásis, algo tão raro como um assento livre no corredor em um vôo para o Japão, em alta estação. Uma sorveteria que não lota em dias de verão, com um sorvete com a qualidade de sorveterias que lotam em dias de verão.

O nome do lugar é Cláudio Corallo. Fica no Príncipe Real, perto do parque, numa rua escondida. Rua Cecílio de Sousa, número 85. Bom, ao chegar lá você não vai encontrar qualquer menção ao sorvete (servido nas opções "Sorvete" e "Gelado", o primeiro com leite e o segundo não.)  Mas sim ao café e ao chocolate 2000% cacau.

Lá o chocolate é um negócio sério. Como aqueles chocolates feitos com cacau com origem em São Tomé.  O chocolate é espetacular. Mas o sorvete é um negócio de comer a colher de plástico junto. Você chega lá, dá uma espiada nos chocolates, até por um certo respeito ao ofício do pessoal. Afinal, eles trouxeram aqueles chocolates de longe, embalaram cada um manualmente etc e tal. 

Mas, depois de alguns segundos peça: "O gelado/Sorvete de chocolate/cacau? Eu gostaria de um, por favor." A moça, educadíssima, do outro lado do balcão irá se caminhar na direção de uma máquina meio grandona e escondida. Irá, colocar numa das entradas pedaços de chocolate ou cacau (não é possível ver o que se passa direito). Ela adicionará os ingredientes frescos, em porções medidas quase no olho. Bom, aí ela apertará um botão e a tal geringonça irá trabalhar.

Primeiro um barulho mais forte e depois um zumbido contínuo. Até que, após 18, 27 segundos, a máquina irá despejar, em câmera lenta, sobre um mini copinho, um sorvete rico, do melhor chocolate. Um negócio que é quase uma mousse de chocolate gelado. É uma bola só, mas com o sabor de seis.

Não sei se o leite tem origem em vacas obesas holandesas, o que eu sei é que, nesse calor impressionante, se você tiver a oportunidade de experimentar este sorvete, irá com certeza olhar para um Häagen Dasz de chocolate com outros olhos. Uma reação do tipo: "Nhé, é bacana, é bom, interessante, meio Chicabon com o prazo de validade na fronteira, belê."

Esta loja não tem os mais de dez sabores de uma Santini. Não tem a fama. Não tem as duas lojas. Mas tem o sorvete de chocolate zambers. E sorvete de chocolate zambers não é fácil de fazer. Até porque, como a mocinha que atende faz a tal mistura um pouco distante do balcão, não dá para ver direito que raios ela coloca dentro da tal máquina.  


Erick Rosa - Diretor executivo de criação da Leo Burnett Ibéria


Leia textos anteriores da coluna Um Brasileiro em Lisboa aqui.


 

Um Brasileiro em Lisboa

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