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Um Brasileiro em Lisboa

O Farta-Brutos e as cartas do alemão

26.08.10

Imagina que de todos os lugares de Lisboa que o Saramago poderia escolher para fazer bonito com o Fernando Meirelles, ele escolheu este restaurante. Eu conheci o restaurante num blog criado para narrar as filmagens do filme  Ensaio sobre a Cegueira.

Nele, Fernando Meirelles descreve a tal refeição com o Saramago. Ainda me lembro do dia em que li sobre o Farta-Brutos.

Não fui no mesmo dia pois já havia jantado, e fiquei com a clara impressão de que aquele era um restaurante para ir ou se você estivesse num processo de engorda para um papel desses que o Robert De Niro ganhaava uns 32 kilos no início da carreira-- ou se tivesse prestes a subir o Everest e precisasse estocar no organismo muita energia.

E eu não estava enganado. O Farta-Brutos não tem o nome de brincadeira. É fartura. E cada caloria é bem-vinda. O esquema é chegar, contar o número de pessoas na mesa e pedir um prato a menos. Ou não, se você realmente estiver se preparando para o papel de Jake La Motta no remake de Touro Indomável. Tudo é bom. Mas para efeito deste texto, vou recomendar uma sequência que pode ser interessante.

Ao chegar, peça uma porção de queijo da serra derretido. Uma espécie de provoleta que espanca a entrada criada com o primo provolone. É mergulhar o pão do couvert no queijo e deitar um 40 ml de vinho para dentro. Dos pratos principais, eu sempre peço o mesmo. Peito de peru recheado com o mesmo queijo da serra da entrada. Você pode estar pensando: "Mas fera, acabei de comer queijo da serra nesta minha refeição imaginária!?" Se você está mesmo pensando nisso, beleza, eu recomendo fechar os olhos e colocar o dedo sobre qualquer linha do cardápio. Nunca vi ninguém reclamar de um prato.

Agora a sobremesa. Aqui você já vai estar uns quase 32 graus curvado na cadeira para trás, com uma das  mãos abertas a apalpar a sua barriga. Mas segure a onda, respire fundo, porque esta é talvez a melhor parte. Uma senhora muito mas muito simpática irá se aproximar com uns seis pratos, que na verdade são grandes tigelas e cumbucas.

Cada uma com a melhor sobremesa típica portuguesa de todos os tempos. Ela vai colocar no centro da mesa e você vai poder se servir como se estivesse na casa da sua avó no Natal de 1986. Lembrou? É meio por aí. Para fechar com chave de diamante cravejada com rubis, aceite uma dose de vinho do porto branco seco que o dono vai sugerir.

Por falar no dono, ele é uma figura, como diria um amigo, nota 11. Com um ar alegre de quem está com uma permanente euforia de duas taças de pró-seco daquelas bacanudas de casamento de gente fina.

Depois é pedir a conta, e enquanto passa o cartão, dar uma espiada nas fotos que cobrem as paredes. São fotos do dono com figuras famosas. Com políticos, artistas e amigos.

E as cartas do alemão?  Na penúltima vez que eu fui, o dono me convidou para esperar a mesa na companhia de uma taça de vinho e as cartas de um amigo dele, um viajante alemão-- que há mais de duas décadas lhe escreve cartas à mão dos mais variados destinos do mundo. Puxou de debaixo de uma mesa na ante-sala na entrada, um maço de envelopes já amarelados.

Com um elástico gordo unindo umas 30, pelo menos. Cartas com descrições das viagens de trem pela transiberiana, que renderiam o roteiro do próximo filme do Tim Burton.

Bom, uma coisa não tem nada a ver com a outra. O Farta-Brutos é um restaurante com 3 estrelas no Guia Erickin. Mas as cartas servem apenas para tentar ilustrar as peculiaridades de um lugar muito interessante.  Até porque, como você já sabe, de todos os lugares de Lisboa que o Saramago poderia escolher para chamar de favorito, ele escolheu este.

Erick Rosa - diretor de criação da Leo Burnett Ibéria


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Um Brasileiro em Lisboa

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