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Um Brasileiro em Lisboa

O bar do Seu Jaime

10.03.10

Antes que o Conar tire o texto do ar por apologia à bebida alcoólica, inicio o texto com a afirmação de que toda pessoa precisa ter um bar para chamar de seu, onde se pode chamar o fera que atende de "campeão", sem qualquer constrangimento, e pedir o "de sempre"- com a tranquilidade de quem sabe que o "de sempre" na verdade pode ser qualquer coisa. Afinal, o de sempre, é o bar e não necessariamente o que está sublinhado no cardápio.


Aqui em Lisboa esse bar que reúne isso tudo é o do Seu Jaime. Bar do Seu Jaime é o nome não-oficial do lugar. Ginginha das Gáveas é o que está escrito na placa de fora.


Seu Jaime, ou Senhor Jaime, é quem está atrás do balcão pilotando a torneira do chopp (ou das imperiais, como dizem os Lisboetas). O lugar é simples, muito pequeno. Para comer, apenas alguns salgados, todos eles feitos à mão pela sua mulher. E, de acordo com o Juan Christmann, o croquete de carne da mulher do Seu Jaime é definitivamente top 3 de algum ranking que ele não
sabe ao certo especificar qual, mas é.


O bar do Seu Jaime tem uma característica interessante. Fica na boca do Bairro Alto, mas é quase escondido. Não tem um luminoso na porta, apenas uma placa antiga que diz "Ginginha das Gáveas".  E por estar ali na entrada do Bairro Alto, todo mundo, ou quase todo mundo, passa por lá para tomar uma ginginha e uma imperial. Ginginha, para quem não sabe, é um licor feito de
um fruto primo-irmão de 3º grau da cereja. O Seu Jaime tem a melhor ginginha do Bairro Alto.


O Seu Jaime também tem aquele negócio de ser um sujeito muito querido entre os frequentadores do Bairro. Basta estacionar a pança sobre o balcão dele por alguns minutos para assistir a uma peregrinação de pessoas que entram para apertar a mão dele.


Mas tem uma coisa ainda mais bacana e curiosa do Seu Jaime. Certa vez, enquanto eu tentava cuspir com estilo a casca de um tremoço sobre um pratinho estacionado ao lado da minha imperial, observei, do outro lado do balcão, pendurado na parede, um quadro com a imagem de um vilarejo. Um lugar com aspecto daqueles em que poderiam filmar uma sequência de Babe,
o porquinho atrapalhado, por exemplo. Um vilarejo parado no tempo. Não parado no tempo como "antiquado". Mas parado no tempo, porque uma vez lá, o fera, o tempo, deve ficar tão descansado que não deve se mexer, pois fica com uma preguiça do caráio. Após alguns segundos observando a foto, pedi mais uma imperial. E, enquanto catava as cascas de tremoços que caíram fora do pratinho, perguntei sobre aquele lugar. O Seu Jaime desconversou, mas eu insisti.


"É ali que eu passo as minhas férias todos os anos. Não mudou quase nada desde que eu comecei a ir lá. Está a ver aquela casinha ali no meio? Então, a que fica logo a esquerda é a da minha família". A sensação que eu tive foi a mesma quando assisti o filme Efeito Colateral com o Jamie Foxx. Tem uma cena no filme em que ele abaixa o quebra-sol do pára-brisa e revela a imagem
de uma ilha paradisíaca. Pois é a tal ilha que serve de motivação para o trabalho diário dele. A ideia é a mesma mas, no lugar da ilha, o Seu Jaime serve o chopp mais gelado do Bairro Alto, sempre com um olho no vilarejo e nas férias.


Portanto, recomendo vivamente um pulo no Seu Jaime por vários motivos. Os óbvios: a imperial gelada, a ginginha (peça para experimentar a versão com suco de limão e gelo) e os salgados da mulher dele. E o mais importante de todos: colaborar para o ritual anual das férias dele. Uma imperial de cada vez.


Por Erick Rosa, diretor de criação da Leo Burnett Lisboa


 Para ler os textos anteriores da coluna Um Brasileiro em Lisboa clique aqui.


 Comentários

Silvinho - - gênio. seu jaime é igual ao ceará, o cara que coloca o chopp no filial.


 Fernando - Erick, o pá. Tu deverias escreveire um livro tipo Cabral as avessas.

Um Brasileiro em Lisboa

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