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Vamos nos falando – Por Laura Esteves

Por Laura Esteves*

06.10.05

Quando eu trabalhava aí, a gente costumava pegar muito no pé dos atendimentos, que terminavam o briefing com o “vamos nos falando”.

Aqui tem o gerundismo, que eu acredito ter chegado no Brasil via brasileiros que vêm fazer MBA e que vão estar voltando pro Brasil e vão estar levando na bagagem esse dialeto que rapidamente se espalha entre secretárias e caixas do Pão de Açucar.

Mas o que eu morro de saudades mesmo é do briefing daí (sinto muita falta de bidê e suco Clight, também - quem vier favor trazer sabor pera que é o melhor).

Bom, o briefing daí como é, uma folhinha que nego escreve ali meia dúzia de palavras, sendo quatro no gerúndio e três com erro de digitação (tenho um amigo redator que coleciona pérolas de briefings do tipo “O cliente solicitou um spot 4 cores”, e por aí vai).

Mas voltando (eu sou meio João Kleber que vai chamar a atração e enrola em outro assunto, aí volta, você acha que finalmente ele vai falar e nada…tá vendo? ).

Bom, entao o briefing daí é isso aí uma folhinha suscinta grampeada num envelopinho que você recebe do tráfego, lê e faz não é isso?

Não aqui na Corporatolândia, Cabidedeempregolândia.

Tudo começa com um telefonema da assistente da recruiter.
- Hello (essa sou eu que me recuso a atender com o “Laura speaking”, que muitos deles aqui falam).

- Laura, a gente queria saber se você poderia trabalhar num briefing de Philips.

- Claro.

- Ok, vou falar com a coordenadora de Philips.

Aí a coordenadora manda um email pra mim e pras outras duplas (geralmente tem três duplas trabalhando em cada briefing médio/grande e umas duas duplas em briefings compactos ou semi-usados). A querida quer saber a disponibilidade de cada um pra ser brifado.

Claro que aí sua caixa postal vira um fuzuê de reply to all porque um tem que levar o papagaio na segunda, outro não pode quarta porque vai filmar e assim vai.

Enfim, eles conseguem marcar um dia pra brifar todo mundo. E aí meu sofrimento começa. Pra mim essas reuniões são tão dolorosas quanto cena de nascimento de bebê em novela. E no caso, o bebê sou eu chorando, me tira daqui, me tira daqui.

Porque os fofos começam com um histórico do cliente. Blablabla, aí eles passam o rolo de filmes do cliente. Cada comercial de 30 segundos, com sua versão em 45", 15" e por que não a versão em espanhol? Si, si si. E eu ali tremendo de vontade de ir embora, pensando em desculpas, fingir que engasguei com a tampa da caneta Bic, que minha tia tá passando mal (eu não tenho tia pra por a culpa aqui, diabos…), falar que eu tenho síndrome do pânico de retroprojetor, sei lá.

Aqui em NY tem um serviço brilhante que chama Date Rescue. Funciona assim: você vai sair pela primeira vez com um mocinho. Aí você liga pro Date Rescue, dá o número do seu cellular e combina um horário deles te ligarem, sei lá, 11 da noite.

Você vai jantar com um cara e não sabe se ele vai ser super interessante ou um cara que vai ficar a noite inteira fazendo piadas do tipo: o que um amendoim falou para o outro (acredite eu já tive esse date!).

Bom, no caso dele ser essa pessoa com essa veia cômica aflorada, quando der 11 da noite, seu telefone toca. Você pede licença, atende e do outro lado da linha fala uma gravação, por alguns minutos.

Você finge uma cara de surpresa como se tivesse recebido uma ligação importante, alguém que precisa de você urgente, agradece a adorável noite, pede mil desculpas por não poder ouvir o que o pontinho verde falou pro amarelo e sai correndo.

Eu, que sempre invejei os médicos que podiam olhar pro cinto e dizer: “Puxa acabaram de me bipar do hospital”, achei esse serviço sensacional.

Pois agora eu preciso de implementar o Meeting Rescue. Um serviço pra me tirar das reuniões, portudoqueêmaissagradominhagente.

Bom, depois do histórico dos comerciais, o planejamento que fez o briefing (aqui não é o atendimento) entrega a cópia do maldito job.

Eu pego o meu e já vou levantando tipo: "prazerzão hein, gente, sucesso, abraço nos seus, feliz 2006 saúde e paz o resto a gente corre atrás”. Mas não….Aí eles resolvem ler o briefing.

Como assim, ler? Isso é uma coisa que eu posso fazer na minha sala, no banheiro ou no meu quarto numa noite de insônia. Mas aí a fofa começa a ler o que está ali, digitado no papel.

No começo, eu achava que era uma atenção especial a mim, já que inglês não é minha primeira língua. E ao final de cada frase, a fofa pergunta: Alguma dúvida? (Eu sempre tenho vontade de falar: sim eu tenho uma dúvida, essa caneta que você está usando nesse quadro é daquelas tóxicas? Se eu engolir ela de uma tacada você acha que eu conseguiria morrer antes desse briefing acabar?)

Mas minha peleja continua e a nega lê, lê, lê, um bobo sempre faz uma pergunta ou uma piada estilo do amendoim e eu olho tipo: ei, você não entende que o fato de você abrir a boca retarda a nossa saída desse balneário do inferno?

Aí eu me acalmo e penso em como posso utilizar meu tempo de uma forma útil. Listo o que preciso comprar no supermercado, faço abdominais imaginários, uso a língua como fio dental e por fim tenho a idéia do truque baixo, truque Dedé Mocó de olhar pra um lugar qualquer fora da sala e falar: "Ah? O quê? Puxa desculpa estão me chamando". Até os bobos olharem eu já tô lá fora cantando: "enganei o bobo, na casca do ovo".


Lá fui eu. Fugi sem olhar pra trás. Eu era um cubano num bote.
Dá meia hora, a reunião acabou (já? Nossa o tempo voa, hein?)

Mas a fofa não me desce aqui na minha salinha e pergunta quando pode remarcar um horário pra me rebrifar a arte que eu perdi??. Como assim?????? A parte que ela leu e eu não ouvi? A carta de Paulo aos Corintos?

Tudo bem que eu me mudei pra um país onde o presidente da República tem deficiência de leitura, mas redator não, minha gente, vamos se respeitar.

Aí eu suspirei fundo e falei: Honey, você fez um trabalho tão bom nesse briefing que acho que vai ser difícil me restar alguma dúvida.
A menina saiu feliz da vida, eu evitei ser presa por homicídio e tudo ficou numa santa paz.

Até o dia do briefing do body copy. Acreditem, depois de aprovado o anúncio, por exemplo, eles fazem um outro briefing para o texto do anúncio. Não o título, o texto. E aí começa toda a folia de novo. Praticamente uma micareta de terno e gravata.

Eu vou e penso em tudo de mal que eu fiz por estar merecendo isso. Acho que foram as jujubes que eu roubei nas Lojas Americanas, ou talvez os Miojos que eu amassava no Carrefour, vai saber.

Ou seja, da próxima vez que você receber um briefing com um "vamos nos falando", aí no Brasil, levante a mão pra cima e pense que nesse momento no hemisfério Norte tem uma redatora presa em uma reunião de briefing tentando fazer um body piercing com um clips pra se entreter.

Laura Esteves é redatora da DDB/NY mas em alguns dias queria ser pão de queijo quentinho só porque é o primeiro a sair da reunião.

laura.esteves@ny.ddb.com


Comentários

Carol Vaz - Laura, adoro seus textos. Sempre divertidos! abraços!carolvazcf@oi.com.br 

Eliane - a-do-rei! os textos da Laura são pra lá de bons" e rachei o bico com "fazer piercing com clips" HAHAHAHAHHA. brilhante! eliane.peres@gmail.com

Flip - Laura, quando vamos ter o prazer de ler um livro de contos e prosas do cotidiano mais do que moderno no qual você vive? Você é demais, muito divertida mesmo.
epilef@gmail.com


Simone Klein - Laura, amei seu texto!!! ótemo!!! Peraí vc ta escrevendo algum novo Friends? beijão simone@gessoluce.com.br 
 
Anônimo: Hahahah Genial! Acho que ia usar esse "date rescue" toda reunião! As idéias não podem ser burocratizadas, se não perde a espontaneidade... certo que toda revisão é válida nesse caso! A piada do pão de queijo no final foi bem à la Amendoim heim??? ahahhahahahha abraços!


Bárbara - Quando vai ter novo Passaporte? A Laura Esteves não escreve mais? :( Abraços! bbastos21@hotmail.com


Daniel Ottoni - SENSACIONAL!!! OS TEXTOS DA LAURA SÃO EXCELENTES. TINHA MESMO Q ESCREVER UM LIVRO. PODERIA LER SEUS TEXTOS O DIA INTEIRO. MUITO BOM MESMO. GANHOU UM FÃ. BJOS d.ottoni@gmail.com


Rodrigo Alves - ô pisit, não é Dedé. É Didi Mocó. Esse texto ficou fantástico, como todos os outros. Vou mandar pros meus amigos atendimentos e no assunto vai: "Nós vencemos." Beijos e escreva mais, mais, mais... urgente_rodrigo@hotmail.com


 


 
    

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