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O Espaço é Seu

O storybullshit vai suplantar a propaganda? (Manuel Rolim)

08.12.15

A nostalgia sempre me ataca no final do dia. Essa lua, esse conhaque, me deixam comovido como o diabo. Hoje foi logo de manhãzinha. Abri a internet e dei de cara com um texto indagando se o Storydoing vai suplantar o Storytelling. Foi o suficiente para me deixar saudosista como o narrador de "A Invenção da Solidão", do Paul Auster. “Foi. Não será de novo. Lembre.

E fiquei lembrando de um tempo menos metido a besta. Daquela época em que não era preciso chamar Tilápia de St. Peter. Em que Estádio não era Arena. Em que a propaganda não precisava de storybullshit nenhum para ser divertida, cativante, sedutora.

Com o perdão da obviedade, a quantidade de informação que recebemos diariamente aumentou exponencialmente. Nossas cabeças são de chocolate, estúpida, e também são seletivas. Peneirar o que vai pro nosso HD interno é um trabalho incessante. Nesse cenário, a obrigação da propaganda é ser ainda mais relevante para o consumidor. Aquele clipão de cenas com uma celebridade no final vai direto pra lixeira da memória.

O primeiro viral a gente nunca esquece. Pelo o que eu me lembro, a primeira campanha brasileira a fazer sucesso na internet foi "Gritos", do Twix. Eu pergunto a você: qual o grande brand position posicionamento de um filme onde pessoas gritam caramelo, biscoito e chocolate? Tudo o que ela faz é citar os ingredientes do produto. Qual a mudança de mindset mentalidade que ela traz? Nenhuma. Ela é divertida. Ponto. E, mesmo assim, se você entrar no Twitter hoje e digitar caramelo, biscoito e chocolate, vai achar centenas de pessoas relembrando a campanha.

O novo sempre vem, quem sou eu pra discutir com o Belchior. Para quem trabalha com comunicação, não existe pecado maior do que parecer jurássico. Ninguém quer ser o velhinho da Vitroooola. Nem personal trainer gordinho é tão execrado quanto publicitário antigo. E muita gente ganha dinheiro ao posar como arauto da revolução. Ok. Isso faz parte do business negócio. Infelizmente, um nome rebuscado e uma definição complicada do que você faz ajudam a valorizar o seu trabalho. Só que enquanto uns ganham, o ofício como um todo perde. Perdemos horas valiosas do nosso trabalho escrevendo bullshits porcarias para justificar campanhas que vão ser esquecidas mesmo antes de serem vistas.

Nós tiramos sarro do raio gourmetizador que transforma o arroz com feijão em riz aux haricot rouge. Mas o que fazemos não é nada diferente. Quando o marketing do Uber se vangloria de, em uma ação inédita, ter usado midia buy, ele só está jogando o raio bullshitizador na compra de mídia.

O André Kassu diz que storytelling pode ser resumido como ideia boa. A diferença é que o termo não impressiona. Ninguém vai dizer numa reunião que “a construção da marca depende da utilização de ferramentas de ideias boas”. O raio bullshitizador encanta.

Por diversos motivos, a propaganda vem ficando cada vez mais pasteurizada. São milhares de manifestos sem gosto embalados em garrafas de Veuve Clicquot. É claro que a bullshitização não é a responsável pela nossa perda de relevância. Mas, ao maquiar o problema, ficamos todos ao som daquele samba do Nelson Sargento: os clientes fingem que amam, as agências fingem que acreditam.

Enquanto eu escrevo, minha caixa de mensagens avisa sobre um evento imperdível de Storyplanning. Eu me sinto como o Galvão, lá pelo quinto gol da Alemanha: “olha que absurdo, lá vem eles de novo.

Germany Scores.

Manuel Rolim, diretor da criação da Filadélfia 

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