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Elas Perguntam, Elas Respondem

Adriana Couto (TV Cultura) e CeGê (Modernista)

12.03.21

Clubeonline abriu um espaço para a troca de experiências, ideias, dúvidas e reflexões sobre a mulher no mercado de comunicação.

Para isso, montamos duplas formadas por profissionais que nunca trabalharam juntas antes. A experiência visa mostrar o que evoluímos e discutir para onde vamos. Afinal, se tomarmos como base que a mulher “chegou lá”, o que vem a seguir?

O mais importante nesta proposta é a troca entre as profissionais convidadas. Para isso, elas tiveram liberdade de estabelecer três perguntas para sua “dupla”. E responderam às três encaminhadas por ela.

Para fechar a série, que começou no Dia Internacional da Mulher, convidamos a jornalista Adriana Couto, apresentadora do programa "Metrópolis", da TV Cultura, e a dupla CeGê, da Modernista Creative Producers.

Confira as trocas de experiências e ideias das duplas formadas para este projeto:
- Ilca Sierra (Via Varejo) e Lica Bueno (Suno);
- Gláucia Montanha (Convert) e Nathalia Cruz (Porta dos Fundos);
- Débora Nitta (Facebook para América Latina) e Thamara Pinheiro (Soko);
- Day Rodrigues (cineasta) e Mariana Albuquerque (MediaMonks+Circus).

ADRIANA COUTO

Na TV Cultura desde 2007, Adriana apresenta o “Metrópolis”, um dos mais tradicionais programas de arte e cultura da televisão brasileira. Está na atração desde 2009.

A jornalista comandou também a bancada de telejornais e fez parte da equipe do programa "Faixa Sustentável". Sua experiência na cobertura de educação e cultura foi construída por passagens pela Rádio CBN, TV Sesc e Canal Futura.

É diretora do curta documental O Fervo”.

As questões enviadas pela dupla CeGê e respondidas por Adriana Couto são as seguintes:

CeGê - Olá Adriana, somos a CeGê, Camila e Gabiru. Tudo bem? Estamos aqui, muito honradas em poder trocar vivências com você. Esperamos muito que elas possam aprimorar e incentivar mais mulheres pretas e mães a se impulsionarem no mercado de trabalho. Falando sobre o ancestral e a formação do futuro, como movimentar a presença e potencialidade de mulheres pretas e mães no mercado de trabalho?

ADRIANA - Sou uma mulher preta e mãe que está na luta no mercado de trabalho. Minha situação vai ser diferente de outras profissionais pretas com filhos. Nós temos que ser entendidas como uma força que tem vários braços diferentes. Mas o que a sociedade e o mercado de trabalho fazem é anular nossas subjetividades. Numa estrutura racista é muito difícil que as mulheres negras tenham sua trajetória individual reconhecida e valorizada. O nosso jeito de estar no mundo, de vestir, de arrumar o cabelo, de criar nossos filhos, de se conectar com as pessoas, de produzir conhecimento, não podem ser anulados para que a gente faça parte de uma experiência corporativa de branquitude. O mercado precisa ser sensível e respeitoso para usufruir de uma representação de mundo mais diverso. Muitas de nós temos uma caminhada de superação que traz experiências importantes sobre afeto e coletividade. Quem está fazendo a roda girar são as próprias mulheres negras que reconhecem suas potências e de outras mulheres negras. São mais do que exemplos inspiradores. São representantes de um verdadeiro empoderamento.

CeGê – Ao ser chamada de guerreira, batalhadora e forte, se presume que uma mulher vai dar conta de todos os contratempos que aparecem em sua vida. Assim há uma desumanização de sua existência. Isso não anula o fato de que mulheres sejam potentes. E esse peso recai com muito mais força sobre as mulheres pretas. Em recorte mais sensível e humanizado, o que te fez persistir em seus caminhos profissionais?

ADRIANA Eu sempre me achei muito fraca em relação a minha mãe, uma mulher que saiu de uma fazenda isolada para São Paulo com a esperança de ter uma vida melhor. Só com o tempo e na terapia, fui construindo um outro lugar. É bonito perceber que - de certa forma – eu sou a realização do sonho da minha mãe. Agora, o orgulho dessa resiliência não pode ser romantizado. É preciso reconhecer que minha mãe sofreu muito. Ela venceu, mas tem cicatrizes profundas. O recado dessa luta é: nós resistiremos, mas não queremos viver no limite das nossas forças. Na minha trajetória profissional, o exemplo de força da minha mãe e do meu pai fez com que eu superasse muitos obstáculos. Mas acho também que temos de aceitar nossas fragilidades. Até para fugir do perfeccionismo que impacta a vida de muitas mulheres negras que sabem que precisam ser duplamente boas para quebrar barreiras de preconceitos. Todas essas pressões e exigências podem nos deixar doentes. Para mim, a busca pelo equilíbrio é constante.

CeGê - Sua rede de comunicação é acessível estando num canal de TV aberta. Consequentemente, é super importante para o nosso avanço cultural e educacional. Vivenciando esse lugar, como você sente que essa aspiração atinge vidas, sob trajetórias femininas?

ADRIANA - Como mulheres negras numa sociedade racista travamos uma luta interna para combater o auto ódio, a insegurança, a falta de perspectiva. A gente tem de resistir para existir. A falta de representatividade no cinema, na televisão, nas comunicações em geral é um apagamento do nosso jeito de estar e ver o mundo. É por isso que a trajetória vitoriosa de outra pessoa negra nos comove e pode ser um gatilho de cura. Fico muito emocionada quando tenho conversas com garotas que me reconhecem como uma inspiração nesse processo de se enxergar no mundo. Nesses mais de 20 anos de profissão, o que eu percebi é que ser essa figura negra solitária numa redação ou programa não basta. Queremos mais pois somos muitas. E mais: queremos contar nossas histórias e queremos construir narrativas que contemplem nosso povo e todo o mundo. Vocês são parte dessa história.




CEGÊ

Na Modernista desde a abertura da produtora, em fevereiro de 2020, a dupla CeGê é formada Camila Tuon e Gabiru, duas artistas visuais independentes. Elas atuam na direção de cena, criação, fotografia, moda e direcionamento de identidade. Foram premiadas pelo selo Genius: Melhor Videoclipe Brasileiro de 2019, com “Dollar Euro”, de Tassia Reis.

Camila e Gabiru afirmam que têm a responsabilidade de abrir oportunidades para mulheres e homens pretos ao projetarem uma visão de portas abertas. Isso para que outros sejam reconhecidos e valorizados pelo seu intelecto. O lema da dupla é manter sua rede de apoio e estar rodeada por “pessoas que entendam nossa identidade e se sintam encorajadas a conquistar o que almejam”. Elas contam ainda que suas principais referências, construções estéticas e intelectuais surgem da vivência e do entendimento de identidade nacional.

As questões enviadas por Adriana Couto e respondidas pela dupla CeGê são as seguintes:

Adriana - Que bagagens, vontades e vantagens vocês trazem para um mercado audiovisual ainda machista e racista?

CEGÊ Pensando em ancestralidade e construção social, nossas bagagens vêm muito das histórias de mulheres potentes anteriores a nós. Damos uma importância inteligente para externar nossos caminhos futuros, reciclando princípios e lutando para que cada vez mais nossas vidas sejam humanizadas como pretas e mulheres e mães. A CeGê confronta a estrutura convencional, estabelecendo prioridades por melhores posições a partir do intelecto de cada mulher. Consequentemente, surgem melhores relações nos processos de criação. Assim, nosso objetivo, além do fortalecimento dessa rede, é traçar um panorama evolutivo sobre as dimensões identitárias e estruturais.

Adriana - Quero que vocês me contem sobre a experiência em trabalhar conjuntamente. Por que vocês resolveram formar uma dupla?

CEGÊ - Primeiramente, por recortes de criações diferentes, a soma de nossas perspectivas nos traz ainda mais embasamento para enfrentarmos o peso da indústria, que é ainda mais agressiva individualmente. Escolhemos enfrentar juntas o desafio de difícil entendimento do mercado, para nosso direito de pertencer a ele. O nosso direito de acessá-lo e fazê-lo fluir pelo nosso intelecto. Quando temos uma dupla voz nesse universo, é possível acessar espaços e, a partir daí, ampliar as oportunidades para que mulheres pretas se potencializem profissionalmente, criando uma rede aspiracional.

Adriana - Sabemos que a conscientização da negritude pode ter caminhos muitos diferentes para cada pessoa negra. Eu queria que vocês falassem sobre a relação existente entre a construção de negritude de vocês e o trabalho desenvolvido pela dupla?

CEGÊ - Diante dessa busca constante identitária, nossas histórias se interligam num mesmo propósito. Nos vemos uma na outra, a partir de perspectivas cotidianas. ‘’O feminismo negro nasce na vida cotidiana, não é ideologia” (Patricia Hill Collins). Temos nossa experiência como base legítima para a construção do conhecimento, enfatizando o ângulo particular de visão do eu singular, da comunidade e da sociedade.

Elas Perguntam, Elas Respondem

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