arrow_backVoltar

Cannes: e agora?

Mercado avalia caminhos frente à crise pós-festival

10.07.25

Era para ser uma festa: quilos de troféus na bagagem e o Brasil como "Creative Country of the Year". Mas não foi bem assim. Apesar do total de Leões recebidos (95) e do recorde de GPs amealhados (cinco) - já subtraídos os 12 prêmios cancelados -, a edição 2025 do Cannes Lions vai ficar na história por uma marca negativa, que impacta todo o mercado e empobrece a imagem da indústria brasileira de publicidade e comunicação, nacional e internacionalmente.

Depois dessa esbugalhada histórica, sofrida por conta de parâmetros falhos de moral e ética, será que ao menos uma busca legítima por maior transparência e veracidade em todo o processo de participação das agências brasileiras em prêmios acontecerá? Processo esse que começa com a criação e produção das campanhas, que passam pelo aval dos anunciantes, se transformam em cases e podem ser coroadas em festivais. Velhas práticas e atalhos, o vale-tudo rumo à uma sacolada de troféus, serão um dia extintos da cartilha do mercado?

Há quem não acredite em mudanças quando o assunto é Festival de Cannes. "Todas as partes envolvidas parecem ter se contaminado de tal forma nesse jogo de faz-me rir - que envolve montantes estratosféricos de dinheiro e vaidade - que é difícil imaginar essa estrutura sendo desconstruída ou revista por iniciativa dos grupos, redes, agências, criativos, anunciantes ou da organização do evento", destaca um líder criativo de agência multinacional, que preferiu falar em off.

É inegável, porém, que as distorções e manipulações descobertas em videocases, neste ano, estejam provocando incômodo e reflexões. Isso porque um passo além do digerível a seco foi dado. Fantasmas, scan ads, truchos existem e são produzidos e premiados há décadas por brasileiros, alemães, colombianos, indianos etc. Mas se valendo do uso da Inteligência Artificial para alterar ou criar frases ditas por pessoas públicas, ainda não se tinha visto. E aí a coisa complicou e mudou de figura, porque passou para a esfera jurídica e criminal.

O fato é que a DM9 usou IA para alterar vídeos reais na campanha Efficient way to pay”, para Consul, na tentativa de "convencer um pouco mais os jurados" sobre a repercussão do projeto. A estratégia estava dando certo, foi agraciada inclusive com um Grand Prix, até que um "vídeo anônimo", indicando as distorções, começou a circular pelos “corredores” do Palais des Festivals, ainda em Cannes. Deu-se início a uma investigação, que culminou na retirada dos prêmios dados para a agência e no afastamento imediato de Icaro Doria, ex-copresidente e CCO da DM9. Acenderam-se também discussões que extrapolaram o mercado de comunicação e reverberaram até mesmo em portais de notícias cujo foco nada tem a ver com o mercado publicitário, como Leo Dias e Metrópoles. 

Outras “inconsistências”- expressão usada pela DM9 para justificar a retirada do festival de outros dois cases "leonados", contendo dados distorcidos - surgiram. Uma delas se refere ao projeto “Followers Store”, da Le Pub para New Balance. E a mais recente é sobre “Ads Cover Rentals”, da Africa Creative para Brahma e Housi. E sobrou até para um GP conquistado pela Índia (leia box sobre esses trabalhos, abaixo).

Sistema viciado

Sócio-fundador e CEO da Santa Clara, Fernando Campos recuperou um artigo que escreveu 13 anos atrás e publicou aqui mesmo, no Clubeonline. O título: Brasil, a Amy Winehouse de Cannes. A análise dizia que o mercado estava drogado, precisando de detox. Ele comentava como as agências brasileiras reservavam uma fatia absurda de seu timesheetpara fazer Cannes, ou seja, criar sem ter “as amarras desagradáveis do briefing, do budget, do business”. Em sua visão, o texto se mostra bastante atual – e isso alimenta um pessimismo em relação a mudanças. Afinal, depois de 13 anos, essa prática nociva não foi extinta. Pelo contrário, ganhou contornos perigosos pelo fato da própria indústria exercer cada vez mais pressão por prêmios.Bem no passado, já fui mais otimista. Mas agora, não. Nada do que está acontecendo hoje é diferente do que ocorria antes; a questão é que a escala ficou maior”, avalia.

Para Campos, "criou-se um sistema em que agência e cliente ganham projeção com prêmios conquistados, mesmo quando o projeto nasce de uma ideia sem briefing. Todos comemoram os Leões, inclusive os organizadores do festival, exceto quando é descoberto que o case não é aquilo que se apresentou". Segundo ele, o GP de Creative Data seria celebrado mesmo anos depois, se as manipulações não tivessem sido apontadas por terceiros.

Fernando lembrou de seus tempos como dirigente do Clube de Criação, contando que, para o Anuário, há muito rigor na inscrição de peças, justamente para inibir a prática das “campanhas fantasmas”. A medida até joga contra a sobrevivência financeira da entidade: menos inscrições, menos dinheiro. Mas é preciso ter mecanismos para impedir esse tipo de manobra. “Não acredito que Cannes tenha essa preocupação. Tem de ser muito inocente para achar que o festival tem interesse em moralizar a premiação”, completa.

Há caminhos para que a indústria passe a premiar de fato campanhas reais, executadas com foco no negócio e não em prêmios? “Cada um tem de fazer sua análise. Acho que o sistema está viciado. É como disputar uma Olimpíada em que o doping está liberado, com os organizadores fazendo vista grossa para isso. Se você é um atleta e se recusa a se dopar, não terá vantagem real sobre os outros. É uma competição desleal. Mas se você vai competir, é sua a escolha”, diz.

Pressão das redes

Para Martin Sorrell, fundador da S4 Capital e do WPP, há uma “pressão enorme para que as redes ganhem o maior número possível de prêmios”, um recado que vai para os criativos e também para os CEOs, passando pelos clientes. Como ser “Rede do Ano” ou “Holding do Ano” é muito valioso, as agências farão “de tudo para colocar qualquer trabalho criativo na frente dos jurados”. Sorrell afirma ainda que o caso da DM9 não é isolado. Acontece em outros mercados. “E vai acontecer de novo”. Para ele, "é preciso reforçar os mecanismos de verificação dos trabalhos, tanto pelos organizadores quanto pelos jurados. Afinal, a reputação do festival está em jogo, junto com a da indústria". Essas declarações estão em entrevista concedida às jornalistas Andrea Assef e Luana Dandara, no Valor Econômico.

Ecoando o artigo de 13 anos atrás, Campos salienta que trabalhar sem briefing não é publicidade. Não dá para comparar um projeto que nasce sem ter de seguir regras estabelecidas pelo anunciante, e restrições orçamentárias, com um que foi para a rua depois de todo um longo e dolorido processo de desenvolvimento e aprovação. Campanhas fake são aquelas em que, depois de prontas, se “encaixam” supostos briefings e até anunciantes.

No mercado, nos meses que antecedem o festival, parte das equipes das agências deixa de trabalhar para os clientes e centra foco em desenvolver ideias, buscar quem possa produzi-las (em geral, de graça) e assinar o projeto (muitas vezes ONGs e afins).

Ainda segundo Campos, existe uma ganância corporativa dos grupos e redes que faz com que se estabeleçam metas. Se num ano foram conquistados X Leões por tal agência, quantos serão desta vez? “Entre viciados, quando se pergunta quanto você quer desta vez, a resposta será ‘mais’. Sempre mais”, compara. E com tanta pressão, começa-se a “roubar no jogo”. Contratações de criativos são realizadas não só tendo como base o número de prêmios que fulano tem, mas também com a promessa de X troféus para a próxima temporada de caça. Sim, há metas envolvidas na contratação dos líderes criativos. E não apenas no Brasil.

Para aquele líder criativo citado anteriormente, que preferiu falar em off, o motivo pelo qual Cannes ganhou tanta relevância e, por consequência, gerou esse afã desenfreado por Leões, se explica assim: "Os prêmios antigamente eram muito fechados, cada um focado no seu mercado, e Cannes era o único de fato com abrangência global. One Show, Clio, Art Directors, D&AD não tinham esse perfil aberto. A globalização chegou mais forte, ali na virada dos anos 1990/2000, e agências multinacionais, consideradas menos criativas, começaram a contratar, mundo afora, nomes reconhecidos por sua criatividade, muitos deles brasileiros, porque viram nos prêmios um potencial gigante, um asset que as valorizariam. Passaram a estimular trabalhos melhores e contabilizar prêmios, porque isso se reverteria em valor para o grupo e para os acionistas, e aumentaria seu poder em concorrências e na prospecção de clientes". E ele continua: "O festival rapidamente percebeu esse movimento e criou os prêmios de Holding do Ano e Rede do Ano. Quantidade de prêmios passou a interferir no resultado do negócio, não apenas na reputação. Passou a fazer parte do orçamento das redes investir em prêmios. E aí os prêmios deixaram de ser resultado natural de bons trabalhos e viraram uma meta que precisa ser cumprida".

E houve um novo dado nessa equação, de uns anos para cá: os clientes se envolveram e hoje os CMOs também cobiçam os Leões em busca de realização profissional, promoções, bônus, propostas, assim como os criativos. "As coisas mudaram, na minha opinião, depois da entrada em cena do brasileiro Fernando Machado, que se projetou com o premiadíssimo case de Dove, 'Beauty Sketches' (GP de Titanium em 2013). Ele tem mais de 200 Leões e virou uma espécie de benchmark entre os CMOs. Cannes, depois do Machado, passou a ser também uma celebração para o mercado de marketing".

Independentes estão livres disso?

Com quase 35 anos de propaganda, Wilson Mateos, sócio-fundador e CEO da 11:11, também faz referência ao doping em Jogos Olímpicos, dizendo que praticamente ninguém está “puro” no mercado. No passado, buscava-se com recorrência um determinado perfil de publicação  para encaixar e "validar" a veiculação de um anúncio. Perto de Cannes, as revistas - algumas tão nichadas que nunca se tinha ouvido falar delas - ficavam cheias de campanhas. Dava-se um jeito. “Hoje a coisa se sofisticou. Estamos na era dos videocases. Agora, imagens são distorcidas com IA. Quando alguém é pego no doping, vem o discurso de que ‘isso não se faz’. Mas todos já fizeram algo irregular, de algum modo”, sublinha.

Sobre a pressão dos grandes grupos, Mateos afirma que ela é conhecida de todos, a ponto de alguns CCOs serem contratados e escalados, em nível global, apenas para organizar os trabalhos da rede com foco em premiações. “Ter muitos prêmios melhora o preço da ação dos grupos. Então, quem consegue fazer isso parar? Ano que vem vai ter doping de novo. Para mim, é um ciclo que não se rompe mais. E a gente está sempre atrasado nesse combate. A picaretagem surge e só é descoberta duas Olimpíadas depois”. Isso quer dizer que as independentes seriam menos propensas a tais práticas? Em tese, sim, já que não sofrem pressões vindas de cima – exceto as determinadas por seus líderes. Nesse caso, Leões não mexem no preço da agência na bolsa. E tem a questão financeira também. “Temos menos dinheiro para premiações. A gente tem que ter consciência de onde colocá-lo. Não dá para ir atrás de uma ONG para validar um projeto e pagar uma inscrição cara sem nem ter a certeza do retorno do prêmio”, analisa. Mas as independentes também querem conquistar troféus.Quando eu tiver um baita case, vou inscrevê-lo. Isso pode fazer diferença para mim e para o meu cliente”.

Cofundador e CCO da Gana, Felipe Silva conta que, no Círculo das Agências Independentes, o tema tem sido discutido. “A gente não tem a pressão dos grandes grupos. Somos líderes das nossas empresas e criamos nossas próprias metas”, explica. "Ok, não há a loucura de perseguir troféus. Porém, também queremos reconhecimento. Mas, concorrer pelos prêmios é difícil, na comparação com o poder de fogo das redes", acrescenta.

E o problema se revela maior do que isso, ante as recentes revelações. A gente tenta fazer uma ideia, colocar na rua, executar e se inscrever. Ficamos desiludidos quando vemos que as grandes redes, apesar da vantagem financeira e de toda a estrutura que têm, ainda manipulam cases e saem vencedoras. São coisas para a gente discutir”.

Valor dos prêmios

Para Felipe, o papel dos prêmios na indústria tem de ser considerado.Eles são importantíssimos”. Em seu entender, não se trata de mera vaidade de criativos que querem "subir no palco". Não é uma aventura. “Isso tem a ver com o valor da nossa indústria, que é uma indústria criativa. Ela precisa desses reconhecimentos para se tornar ainda mais relevante. É importante ter essa percepção de valor em cada empresa”, defende. Por isso, sustenta, "é essencial debater esse tema com muita seriedade para que o mercado não se fragilize e tenha avanços"E continua: “Fazem piadas, brincadeiras. Mas isso não é a crise de uma agência. É de uma indústria. A gente chegou a um modelo que não é mais sustentável nesse ponto. Quanto mais relevantes são os resultados destacados nos cases, mais premiadas são as peças. Isso leva a uma inflada. Há uma disputa interna: você é levado ao extremo para conseguir mais prêmios. E vem o que aconteceu com este GP da DM9: manipulação por meio da IA, que é quase uma nova era, com a qual teremos de aprender a lidar. São problemas um pouco diferentes porque a IA manipula algo que não existiu. E há os casos em que pequenos dados são alterados, mas a ideia está lá, existiu de fato. Foi para a rua”, comenta.

Felipe propõe que se busquem meios de premiar as ideias reais, aquelas que efetivamente impactam as pessoas. “O mercado precisa discutir com maturidade e rever como as premiações são feitas”. Ele ainda defende uma valorização dos prêmios nacionais, que são comprometidos com o que atinge de verdade o brasileiro. “A gente tem de valorizar o Anuário do Clube, por exemplo, como registro legítimo do que aconteceu”.

O líder criativo citado em off, mais acima, pensa de forma parecida: "os prêmios são fundamentais para nossa indústria, porque são um reconhecimento, nos guiam e nos balizam. Quando você está começando sua carreira, eles te ajudam a entender e construir critérios, eles também dão confiança para as equipes, embora não signifique que uma campanha só é boa se ganhar prêmio. A gente vive num mundo cheio de métricas e os prêmios são uma métrica da indústria criativa, apesar dessas distorções que acontecem há muito tempo".

Abap se pronuncia

Frente à dimensão que o pós-Cannes tomou, a Associação Brasileira de Agências de Publicidade (Abap), se pronunciou: “Estamos diante de situações que colocam em xeque a credibilidade das nossas práticas e da nossa representação como mercado e afetam diretamente a confiança que todos nós – agências, clientes, produtoras, jurados e entidades – depositamos nesses espaços de reconhecimento criativo. A posição da Abap é clara: defendemos a ética, a transparência e a responsabilidade como pilares inegociáveis da nossa atuação”, destacou Marcia Esteves, atual presidente da entidade.

A Abap anunciou que estuda adotar medidas para resguardar essa credibilidade. “Estamos trabalhando em um novo código de conduta voltado especificamente para participação em premiações, incluindo um processo claro, com etapas mínimas que devem ser seguidas. Nosso objetivo é propor critérios, mecanismos preventivos e, sobretudo, espaços seguros de diálogo, para evitar que situações como essas se repitam”. Outra decisão é revisar seu Código de Ética e incluir novas tecnologias, caso da IA. Em nota pública, a entidade havia afirmado: “Somos contrários à desinformação e defendemos o uso responsável das novas tecnologias, como a inteligência artificial. Mesmo sem legislação específica no país, acreditamos no potencial das agências para liderarem esse uso de forma consciente, ética e inovadora”. Marcia pretende ainda acionar lideranças do mercado, nacionais e internacionais, “para garantir que qualquer ação seja coletiva e representativa”. Ela defende a mobilização de mais agentes, para que a indústria saia da situação em que se encontra agora. “Estamos articulando com agências associadas para buscarmos cada vez mais a união do nosso mercado, com participação e compromisso de todos”, reforça.

Há luz no fim do túnel?

Na opinião de Fernando Campos, o mercado pode enfrentar esse cenário se houver uma mudança de atitude por parte dos anunciantes. É nesse caminho que enxerga saídas. "Quem paga a conta das campanhas é o cliente", pondera. E é com o dinheiro que as agências ganham dos trabalhos prestados aos anunciantes que são feitas as inscrições. Para esses clientes, ver situações questionadas do ponto de vista legal, como distorções nas falas de uma senadora dos EUA e de uma jornalista brasileira, é chegar ao extremo. “Eles podem refrear suas agências, já que o dinheiro vem deles”.

Para o criativo que preferiu anonimato, a solução também precisa vir do cliente: "acho que mudaria com o envolvimento do próprio anunciante, com sua assinatura como 'entrant' em todas as inscrições realizadas. Porque a responsabilidade seria dividida, e a vergonha também, em caso de adulterações ou trabalhos fakes. Não adiantaria mandar comunicado depois dizendo que não tem nada a ver com a inscrição e com o videocase".

Campos exemplifica: “imagine uma empresa que trabalha com seriedade nas áreas de ESG, que faz coisas para transformar a sociedade. Ela não vai querer se expor a isso. Ela vai odiar esse jogo”. E ele vai além: seguindo na analogia do vício, o festival é o ‘traficante’ e as agências estão viciadas, buscando mais e mais. Quem paga a droga? É por aí que se pode parar com o vício”.

Wilson Mateos parte para outra comparação, agora com o universo da moda.Se Cannes é um showroom de ideias, então que pare de cobrar resultados. O festival passa a ser como um desfile. Vale o freestyle.

Marcia Esteves afirma que o que aconteceu este ano em Cannes precisa ser um ponto de virada. Não de ruptura, e sim de evolução. “É hora de parar de olhar para os lados buscando culpados e começar a olhar para dentro com responsabilidade. As lideranças do mercado têm o dever de transformar indignação em ação. De abandonar o ‘cada um por si’ e adotar um espírito de reconstrução coletiva. Precisamos resgatar o valor da criatividade com propósito, da competição com integridade e do reconhecimento com verdade”, salienta.

Por isso, reforça Marcia, a Abap está convocando um encontro entre lideranças de agências para construção de caminhos práticos e éticos, com o intuito de “proteger não só as premiações, mas a reputação de todo o nosso setor”.

E a organização do Festival de Cannes anunciou que irá adotar medidas mais rígidas para a inscrição de cases. De acordo com comunicado oficial, elas serão aprimoradas "para garantir que os prêmios permaneçam robustos na era do conteúdo sintético, da mídia e da IA ​​generativa". As medidas foram detalhadas aqui.

Informações complementares:

Número de peças inscritas no Cannes Lions em 2025: 26.900.

Número de peças inscritas pelo Brasil: 2.736.

Proporção entre número de peças inscritas por categoria e número de peças leonadas: aqui.

Valor das inscrições: entre 675 euros e 2.765 euros por trabalho.

Valor do passe como delegado do evento: clássico a partir de 4.295 euros e premium 10.945 euros.

Box 1


O ano das “inconsistências”

Depois da repercussão da manipulação do videocase de “Efficient Way to Pay”, da DM9 para Consul, outras histórias de dados distorcidos em projetos premiados surgiram, deixando o pós-Cannes agitado. Suspeitas pairaram não apenas sobre trabalhos brasileiros.

O GP de PR, "Lucky Yatra", da FCB da Índia para Indian Railways, o serviço ferroviário do país, teve seus dados contestados. Na Índia, os resultados destacados no case inscrito foram questionados e a duração da ação também. Procurada pelo Clubeonline, a organização do festival respondeu que recebeu do governo indiano a confirmação de que a campanha foi realizada como foi descrita no videocase. E, com isso, Cannes concluiu essa investigação.

A DM9 devolveu 12 prêmios que tinha conquistado nesta edição. Foram cancelados os prêmios concedidos para o projeto feito para a Consul. E foram retirados da competição pela agência as campanhas Plastic Blood” para a OKA Biotech e Gold = Deathpara Urihi Yanomami. Como consta no comunicado divulgado pelo Cannes Lions,todas as partes reconhecem que o nível de legitimidade não atendia ao padrão necessário”. A agência emitiu um comunicado em que pediu desculpas: "Após uma investigação conduzida pelo nosso board, constatou-se que três dos cases inscritos pela DM9 no Festival de Criatividade Cannes Lions deste ano apresentavam inconsistências graves relacionadas à veracidade ou legitimidade. Os fatos culminaram no afastamento imediato de Icaro Doria, ex-copresidente e CCO e líder da produção desses cases, responsável direto pelas falhas”.

Outra campanha que levantou discussões por conta das inconsistências foi “Followers Store”, da LePub para New Balance, que ganhou Bronze em Outdoor. Ela teve questionada, em especial pelo jornalista Demétrio Vecchioli, em seu LinkedIn, uma série de informações colocadas como verdadeiras no videocase do projeto – entre elas uma citação em reportagem da Fox Sports, que teria ocorrido meses depois do fechamento do canal no Brasil. Em comunicado, a New Balance afirmou que “todos os materiais relativos à inscrição foram feitos pela LePub, sem ciência ou aprovação da marca. Não validamos o material levado ao evento". A esse respeito, a organização do festival respondeu ao Clubeonline que foi informada sobre uma divergência entre agência e cliente. Mas não entraram em mais detalhes, não confirmando nem mesmo se foi aberta uma investigação sobre mais esse Leão. A LePub emitiu o seguinte comunicado: “Temos zero tolerância para esse tipo de situação e iniciamos uma investigação minuciosa para tomar medidas disciplinares necessárias. Na LePub, construímos nossa reputação junto aos clientes com trabalhos reais e impactantes, e estamos comprometidos em manter esses valores no mais alto padrão”.

Outros dois questionamentos envolvem a Africa Creative. Um sobre a campanha “Ads Cover Rents”, criada para Brahma e para a startup Housi durante o Carnaval, que teve números inflados. Ganhadora de um Leão de Ouro em Brand Experience & Activation, a agência confirmou ao Clubeonline que "errou na apuração e divulgação” dos dados apresentados em Cannes, o que conferiu uma “dimensão maior do que realmente aconteceu”. A Africa assume “total responsabilidade pelas informações contidas no case, elaborado por nós sem aprovação da cliente". A outra campanha da Africa que gerou um pedido de desculpas por parte da agência é One Second Ads, criada para Budweiser, que conquistou nada menos do que um GP em Audio & Radio. Ela usava apenas um segundo de canções icônicas. Ao que consta, havia duas versões do videocase, uma que citava que não haviam sido pagos direitos autorais e outra que não trazia essa informação. Não pagar direitos autorais é bastante desrespeitoso para com músicos e compositores.

Mais um caso exposto na mídia é o da campanha “Lessons of Shame”, criada pela Havas Costa Rica para a World Vision Costa Rica, que conquistou Ouro e Prata em Brand Experience & Activation. De acordo com a Campaign, o videocase do trabalho traz informações, números e resultados que não puderam ser verificados por fontes oficiais. Na campanha, 20 estudantes de diferentes escolas transformam uma galeria do congresso do país em uma sala de aula, no mesmo dia em que os parlamentares discutiam um possível corte no orçamento da Educação. O protesto teria dado tão certo que impedira a redução da verba e teria levado os legisladores a aprovarem, no mesmo dia, um aumento de US$ 73 milhões no orçamento da área. Três fontes anônimas procuraram o veículo para contestar os dados. Uma delas salientou, inclusive, que as imagens utilizadas no vídeo não correspondem à sessão em que haveria o tal corte. Não há prova nem de que o citado aumento de verba para Educação foi aprovado. A organização de Cannes não se pronunciou em resposta à reportagem da Campaign.

Box 2

Cannes Lions: quem te viu e quem te vê

O Festival de Cannes nem sempre foi um jogo de “ganhar a qualquer custo”. Ele nasceu em 1954, fundado pela Screen Advertising World Association (SAWA), grupo de empresas internacionais de publicidade para cinema. Os idealizadores se inspiraram no Festival Internacional de Cinema, que passou a ser realizado em Cannes no final da década de 1940.

A proposta da associação era reconhecer e premiar também os comerciais – a exemplo do que já acontecia com as equipes que trabalhavam no desenvolvimento de longas-metragens. A partir desta perspectiva, o primeiro Festival Internacional de Cinema Publicitário foi realizado em Veneza (Itália), em setembro de 1954. Os Leões, na identidade visual dos troféus do festival, têm como inspiração o Leão da Praça de São Marcos, da capital da região de Vêneto.

A segunda edição com foco na premiação da indústria da publicidade ocorreu em Monte Carlo (Mônaco) e a terceira em Cannes, em 1956. Posteriormente, o festival passou a se alternar entre Veneza e a cidade do sul da França. Somente em 1984, Cannes se tornou a sede permanente do que se transformaria no Cannes Lions.

Os filmes da competição eram divididos, inicialmente, nas categorias TV e Cinema. Em 1967, cada uma delas ganhou duas subcategorias: produto e serviço. Em 1983, o festival decidiu unir TV e Cinema, surgindo o Film Lions.

Em 1987, o empresário francês Roger Hatchuel, ex-membro da SAWA, assumiu a gestão do festival. Após a Guerra do Golfo, em 1990, o mercado mundial da publicidade enfrentou uma crise e o evento passou a trazer alguns nomes da indústria para realizar seminários.

Em 1992, cinco anos após Hatchuel ter assumido a liderança da operação, o nome do evento mudou de Festival Internacional de Cinema Publicitário para Festival Internacional de Publicidade, com o objetivo de refletir a abordagem multimídia - áudio, filme e mídia impressa - das campanhas publicitárias. No mesmo ano, a categoria Press & Outdoor foi adicionada à lista.

Em 1993, foi lançado o prêmio Agency of the Year. A categoria Cyber surgiu em 1998. Nesse mesmo ano foi criado o Cyber Agency of The Year.

Em 1999, foi lançado o Media Lions, a fim de avaliar o uso criativo da mídia. Em 2002, o festival adotou a categoria Direct e, no ano seguinte, Dan Wieden, cofundador da Wieden+Kennedy, falecido em setembro de 2022, criou o Titanium Lions, para homenagear conceitos “disruptivos” em publicidade e marketing. Em 2005, o prêmio foi relançado agora incluindo campanhas integradas.

No ano de 2004, a empresa de eventos e publicações Emap Communications comprou o festival. A partir daí, diversas novas categorias foram lançadas nos anos seguintes: Radio (2005), Promo (2006), Design (2008), PR (2009), Film Craft (2010) e Grand Prix for Good (2010), essa última destinada a premiar inscrições que não eram elegíveis para os demais GPs, por serem destinadas a ONGs ou a serviços públicos. O prêmio Network of the Year surge em 2007.

Em 2008, a Emap foi adquirida pelo Guardian Media Group e Apax Partners. Quatro anos depois, adotou o nome de Top Right Group e, em 2016, mudou sua marca para Ascential.

Em 2011, o Cannes Lions foi novamente renomeado, dessa vez para Festival Internacional de Criatividade de Cannes. O objetivo era refletir a transformação do evento, que, com a adição de inúmeras categorias, ao longo dos anos, passou a englobar outras formas de comunicação – e a mudança do termo “Publicidade” para “Criatividade” buscou dar conta dessa ampliação no escopo. 

Ainda em 2011, foi criado o prêmio de Holding Company of the Year.

Naquele mesmo ano, Cannes introduziu o Creative Effectiveness Lions, que premia a criatividade que demonstra um impacto mensurável nos negócios do cliente. As categorias não pararam de se multiplicar: Branded Content & Entertainment (2012), Mobile (2012), Innovation Lions (2013), Product Design (2014), The Glass Lion: The Lion for Change (2015).

Em 2014, o festival apresentou o Health & Wellness Lions e o Pharma Lions. Em 2016, foi lançado o Lions Entertainment, inicialmente como um evento de dois dias dedicado a marcas e à indústria do entretenimento. Também naquele ano, o festival apresentou a categoria Digital Craft. Dois anos depois, a organização do evento decidiu reestruturar e extinguir Cyber, Promo & Activation e Integrated Lions, bem como remover mais de 120 subcategorias. Por outro lado, lançou Creative eCommerce e Social & Influencer. Em 2019, Product Design foi incorporada a Innovation e Design. Além disso, foram lançadas as categorias Creative Strategy e Entertainment Lions for Sports.

A pandemia de 2020 causou o cancelamento do Cannes Lions, e, no ano seguinte o festival ocorreu de maneira totalmente remota. A premiação retornou ao presencial em 2022, quando foi lançada a Creative B2B.

Em 2023, o festival introduziu Entertainment Lions for Gaming e renomeou o Titanium Lion para Dan Wieden Titanium Lion. No ano passado, foi introduzida a categoria Luxury & Lifestyle e Mobile Lions deixou de existir.

Em julho de 2024, a empresa de eventos Informa, sediada em Londres (Inglaterra), fez um acordo para comprar a Ascential, com valor de compra de aproximadamente US$ 1,6 bilhão.

Em 2025, a categoria Social & Influencer passou a se chamar Social & Creators.

Lena Castellon - Reportagem

Laís Prado - Reportagem e Edição 

Valéria Campos - Box 2

Siga o Clube nas redes sociais: InstagramFacebookXLinkedInTikTok YouTube (TV Clube de Criação).

Clube de Criação 50 Anos

 

Cannes: e agora?

/