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CCXP22

Fernando Meirelles, a história ‘que saiu do controle’ e o clima

02.12.22

Grande homenageado da CCXP22, o cineasta Fernando Meirelles abriu os trabalhos do evento em um painel que celebrou sua carreira e os 20 anos de “Cidade de Deus e ainda debateu o tema que o tem mobilizado nos últimos anos, a crise climática. Sócio-fundador da O2 Filmes, ele teve a companhia, no palco, de Andrea Barata Ribeiro, também sócia-fundadora da produtora, na segunda parte do bate-papo, quando parte do elenco e da equipe que fez o longa subiu ao palco em um encontro emocionado que lembrou bastidores dessa produção que conquistou 47 prêmios internacionais. “Menos o Oscar”, como pontuou o diretor, em tom humorado.

Meirelles foi entrevistado por Marcelo Forlani, sócio-fundador do Omelete Company, e pela atriz Maria Bopp, uma das anfitriãs do palco Thunder by Cinemark, o principal. Ele se definiu como “um curador de gente”, com capacidade de encontrar bons profissionais para montar um time. “Sou totalmente colaborativo”, emendou.

Um pouco disso se viu na revisão da história de “Cidade de Deus”, que tinha tudo para “não dar certo”, como comentaram Meirelles, Andrea e mesmo Daniel Rezende, que foi o montador. Na visão do diretor, não havia muitas expectativas quanto ao sucesso do filme para o Brasil daquela época. Claro, tinha pontos muito bons, como a fotografia, a música e a montagem, explicou. Porém, o projeto era uma ficção que mostrava violência, era ambientado em periferias, com atores desconhecidos e um diretor que se aventurava no cinema, embora tivesse uma carreira na publicidade e se aventurava no cinema. E Meirelles não era o único sem ter um currículo naquele setor, o da sétima arte. “Eu era um assistente que até então só fazia montagem em filmes publicitários”, lembrou Rezende. Ele gostava, sim, do que estavam fazendo, apenas lamentava que “ninguém ia ver”.

Cidade de Deus” foi exibido no Festival de Cannes de cinema em sessão para a imprensa. Na véspera, recordou-se Meirelles, não havia nenhum pedido de entrevistas. Depois da exibição, o diretor foi procurado pela imprensa. E recebeu 14 roteiros para avaliar. Aquela reação dava a sensação de que “alguma coisa tinha saído do controle”.

E tinha. “Cidade de Deus” foi um divisor de águas, em vários sentidos. O ator Alexandre Rodrigues, o Buscapé, contou que o filme representou um boom em sua carreira e em sua vida. Aconteceu o mesmo com outros atores. Michel Gomes, que fez o Bené criança, afirmou que nem todo mundo do elenco acreditava que a produção teria a repercussão que teve no mundo.

Os dois fizeram parte do time de jovens atores negros que foi preparado por Guti Fraga, criador do grupo Nós do Morro. Meirelles precisava de um bom elenco negro para que o projeto deslanchasse. Sem isso, não havia filme, contou. Naquele tempo, não era fácil encontrar tanta gente pronta para o desafio que seria fazer a história de Buscapé, Zé Pequeno e Mané Galinha. A decisão foi treinar um grupo.

Foi feito praticamente um intensivão. “Passamos quatro meses fazendo aulas”, disse Rodrigues. Guti teve a ajuda também de Fátima Toledo, famosa preparadora de elenco. Outro nome importante do projeto foi o de Kátia Lund, que fez a ponte com o Nós do Morro. E o resultado de todo esse empenho foi o que se viu. Um detalhe curioso é que Rodrigues, que tinha começado a fazer teatro aos 10 anos, não tinha ideia de que seria o protagonista, o que lhe foi comunicado pelo diretor no meio da fase de preparação.

Seu Jorge, que interpretou Mané Galinha, destacou outro aspecto importante do filme: “Cidade de Deus” é, para ele, uma reflexão sobre a vida nas comunidades.Ele mostra como é grande a luta para sobreviver”. Emocionado, o ator e cantor contou que o longa foi uma revolução em sua vida e que a última cena gravada, com as mortes de Zé Pequeno e Mané Galinha, provocou nele um grande vazio. Mas o ponto que gostaria de salientar é que o filme preparou e estimulou uma enormidade de atores negros, que hoje estão no ar. “Foi a primeira vez em que aprendi o que é representatividade”.

Lenny Kravitz, Denzel, Barack...

Com sua carreira deslanchada, Seu Jorge viajou pelo mundo e conheceu muitas celebridades. Numa ocasião, ele estava na casa do músico Lenny Kravitz quando chegou Denzel Washington. Trocadas as primeiras apresentações, o ator americano disse para o brasileiro que tinha visitado a Casa Branca e que “City of God” (título em inglês do longa) havia sido exibido para Barack Obama e Michelle Obama e os dois tinham gostado muito do filme. “E ele falou que eu poderia não conhecer Barack e Michelle, mas que os dois me conheciam”, declarou, rindo.

Cinema nacional

César Charlone, diretor de fotografia do filme, que também esteve no palco, ressaltou a qualidade do trabalho de cor na pós-filmagem. Um engenheiro descobriu uma maneira de permitir esse tratamento na passagem da película para o digital. Outro ponto que costumam comentar com ele é sobre a sequência das galinhas. “Passei dois dias correndo atrás de galinhas, mas quem fez a diferença foi o Daniel”, disse.

Toda a troca no palco levou a uma discussão fundamental sobretudo para os dias atuais: a valorização do cinema nacional. Rezende agradeceu a homenagem, explicando que estão trabalhando para manter o cinema brasileiro sempre vivo. Guti salientou que a arte é a grande metamorfose da vida e agradeceu aos jovens por reconhecer o trabalho dos artistas.  Seu Jorge pontuou que sofremos uma ameaça na produção cultural nestes últimos anos e é que preciso mostrar como ela é legítima, original e potente. “Tenho a oportunidade de fazer cinema no mundo, mas quero fazer as nossas histórias”.

Fora do cinema, o streaming é também um mercado que permite que mais histórias brasileiras saiam do papel. No caso de “Cidade de Deus”, há um projeto para continuar a falar da vida dos personagens, uma proposta que recebeu aval da HBO Max. Andrea disse que a Warner e a HBO vão fazer a série baseada no longa e que o roteiro está sendo escrito por Sérgio Machado (leia mais aqui). “Ela vai mostrar a potência das comunidades. Hoje há elenco negro fantástico”, explicou. Diante das câmeras e atrás também.

Crise climática

Além de “Cidade de Deus”, um dos focos do painel dedicado a Fernando Meirelles foi discutir a ameaça que paira sobre nós: a mudança climática. Esse tema tem sido o foco do cineasta. “Meu grande projeto é fazer um filme adolescente sobre a crise do clima. Pretendo que ele seja bem longo: cerca de três horas”, confidenciou. O projeto, segundo Meirelles, já era para ter sido feito, mas veio a pandemia e ele teve de esperar. Mas a ideia está mantida.

Para levar a mensagem com mais contundência para o público da CCXP, Meirelles não economizou palavras. Disse para os jovens que estamos todos f*didos e que o planeta está muito desorganizado. E, para dar ainda mais ênfase à urgência da pauta, ele teve a ajuda de dois convidados: o ator e ativista Bruno Gagliasso e Almir Suruí, liderança indígena e cacique do povo Paiter Suruí, de Rondônia. A ideia foi mostrar que o mundo do entretenimento pode ajudar a salvar a Amazônia.

Meirelles, que se define como ambientalista, plantou entre 45 mil e 50 mil árvores. Bruno informou que, de dois anos para cá, plantou 20 mil. Seu próximo passo é chegar a 100 mil árvores. Além disso, os dois estão juntos em um projeto de série sobre um grupo armado na Amazônia, constituído por civis. Eles se juntaram desse modo e se prepararam para defender a floresta e não permitir que ela seja destruída. Agora é esperar para ver a história nas telas.

Lena Castellón

CCXP22

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