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Festival do Clube 2017

Como se fazer ouvir quanto o assunto é desigualdade de gênero?

03.10.17

Cinco mulheres no palco. Profissionais com carreiras bem sucedidas. Todas conscientes e com histórias para contar sobre as barreiras enfrentadas até chegarem ali, esbarrando, muitas vezes, no fato de terem nascido mulher.

No painel "Revolução pós-gênero: novas identidades e espaço para diferenças”, que aconteceu no Festival do Clube de Criação e foi mediado pela chief creative officer da FCB Brasil, Joanna Monteiro, na sala Globosat, se fez representada a força feminina ativa do mercado. Mulheres que acreditam na transformação pela ação e mudança de atitude, diariamente. Mulheres que sabem que às vezes será preciso gritar para fazer ouvir a voz silenciada há anos pela opressão invisível e sem nome que está em toda a parte. E que defendem a união e o respeito às diferenças.

Entre os líderes mais influentes da propaganda brasileira, com reconhecimento mundial, Joanna lembrou o quanto a indústria é injusta. “Existe uma questão do poderio econômico que só piora. Tudo bem a mulher trabalhar na área que ela quiser, desde que ela não esteja ocupando o lugar que supostamente seria o de um homem, que são os cargos mais altos”.

É muito difícil falar de igualdade de gêneros em um país do tamanho do Brasil, segundo a diretora do GNT, Daniela Mignani. Sem falar em questões como a ausência de educação. Durante o painel, ela citou que o canal, parceiro de mídia da ONU para o movimento He for She (aqui), teve que adaptar a campanha pois as pessoas entenderam que era sobre identidade de gêneros. “Parece absurdo, mas em alguns lugares, pelo histórico familiar, contexto e realidade, as pessoas não sabem por exemplo que bater em mulher não pode”, ressaltou ela. “É difícil entender isso, eu sei. Mas aí é preciso se colocar também no lugar do outro, exercer a empatia”. Segundo ela, “a ignorância leva à intolerância.

É preciso ter cuidado para que a gasolina desses movimentos não seja o ódio”, disse a atriz Denise Fraga. Ela usou o exemplo matemático do ponto de intersecção para falar de complementariedade. Dois diferentes que se unem em um ponto para se complementar, mas continuam sendo diferentes. “As pessoas duvidam da capacidade de sentar numa mesa, discutir diferenças, entender e potencializar. Lutamos muito pelo ponto comum porque a vaidade é o empecilho para gente somar”. Segundo ela, se perde o discurso pelo radicalismo. “O movimento dá menos trabalho que a conversa”. Joanna concordou: “sem o diálogo a gente não consegue mudar nada. Mas é preciso, de algum jeito, abrir as portas para ele”, disse a líder criativa, sobre a necessidade de ‘gritar’ para se fazer ouvir sobre a desigualdade de gêneros.

Cineasta e roteirista, Laís Bodanzky, autora de “Como nossos pais”, explicou que escolheu contar a história de Rosa, mulher contemporânea vivida por Maria Ribeiro, de uma família de classe média de intelectuais, pessoas esclarecidas, para mostrar que justamente no lugar mais improvável a opressão de gênero existe. “A opressão de gênero pode ser invisível, sem nome, sem que se perceba, dentro de casa, de uma mulher com outra mulher, da gente com nós mesmas. Sim, muitas vezes nós nos oprimimos”.

Segundo ela, que se declarou a favor de cotas, a Ancine (Agência Nacional do Cinema) fez um levantamento que apontou que na indústria do audiovisual apenas 15% das posições de liderança, e que têm voz para o discurso, são ocupadas por mulheres. E não há mulheres negras. “Elas não têm voz”, destacou. “Como mulheres, somos metade da população, mas vivemos como 'minoria'”. Para a roteirista “a questão de gênero é como compartilhar cobertor curto. É curto, mas o homem sempre ficou com a maior parte. Quando a mulher resolve pegar mais para ela e se sente confortável, ele se incomoda. E a verdade é que a divisão tem que ser por igual”.

Deborah Vasques, redatora da Lew’Lara\TBWA e uma das escolhidas do programa "See It Be It", do Cannes Lions 2017, em apoio às criativas do sexo feminino (saiba mais aqui), lembrou que não precisamos esperar chegar aos cargos de liderança para começar a mudança. “Se o número de estupros está aumentando e somos criadores de conteúdo, vamos trazer o tema para a propaganda. Vamos mudar as narrativas das campanhas. No dia a dia, vamos chamar a atenção quando ouvirmos piadinhas machistas. Vamos indicar mais mulheres para as vagas disponíveis”. Segundo ela, inclusão não é permitir que o outro participe, mas “criar uma cultura que nos permita contar histórias diferentes”, disse.

Daniela citou o exemplo da Globosat para mostrar como existe a repetição dos padrões. “Temos 86 mulheres dirigindo o GNT, o que torna o ambiente desequilibrado também. Já nos canais de esportes a maioria é sempre de homens”.

Outra questão levantada foi a falta de respeito profissional no ambiente de trabalho.“Os homens não percebem que nos interrompem nas reuniões. Precisamos de muita inteligência emocional para lidar com isso”, disse Daniela. Mesmo no teatro, um ambiente que parece ser mais aberto, Denise Fraga relatou a impaciência masculina diante das colocações femininas. “É corporal, eu vou mostrar”, comentou a atriz, que se levantou para imitar. Mas lembrou que de nada adianta ficar debatendo o assunto se não partirmos para a ação.

Segundo Joanna, isso vale também para as marcas. “Não adianta criar uma campanha baseada na igualdade de gêneros porque está na moda, se isso não tem conexão com o que a empresa pratica. Ainda mais em tempos de redes sociais, onde as verdades e as críticas acontecem o tempo todo”.

Por isso também, segundo a diretora do GNT, o canal filtra as causas que abraça, dentro das colocações que são feitas em diálogos abertos. “Tem que ter verdade”, defendeu.

Rita Durigan

 

Festival do Clube 2017

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