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Oscar 2019: streaming e cinema

Roma e Oscar + Fernando Meirelles e João Daniel Tikhomiroff

22.02.19

O Oscar 2019 entregará suas estatuetas neste domingo, 24. Dentre os competidores, existe uma grande expectativa em torno de Roma, do mexicano Alfonso Cuarón. Em que pese o sucesso em outras competições - em muitas delas o longa conquistou o principal troféu -, uma pergunta que se faz é se a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, organização responsável pela mais famosa premiação do cinema, dará pleno reconhecimento a Roma, uma produção da Netflix. A obra em preto e branco de Cuarón está na disputa de dez categorias, como a de Melhor Filme (veja todos os indicados ao Oscar aqui). E está no meio de um debate que ainda reverbera na indústria e nos festivais e premiações, apesar de ter sido deflagrado dois anos atrás.

“Enorme paradoxo”

No Festival de Cannes de 2017, dois filmes da Netflix entraram na competição, Okja, do sul-coreano Bong Joon-Ho, e The Meyerowitz Stories, do americano Noah Baumbach. Mas o fato de serem produções vistas unicamente no streaming gerou revolta entre puristas do cinema e representantes do circuito exibidor francês. Diante da polêmica, decidiu-se que a partir de 2018 só teriam direito a disputar a Palma de Ouro os filmes que tivessem passado no cinema. Na ocasião, o presidente do júri do Festival de Cannes, o espanhol Pedro Almodóvar, afirmou que seria “um enorme paradoxo que a Palma de Ouro ou qualquer outro prêmio fosse entregue a um filme que não possa ser assistido nas salas de cinema”.

Desse modo, a Netflix deixou de participar de Cannes. Porém não abriu mão de participar de outras competições, como o Festival de Veneza, que conferiu seu grande prêmio ao filme de Cuarón. Além disso, a empresa mudou sua estratégia. Começou a exibir suas produções em salas de cinema, não como tradicionalmente faz a indústria. No caso de Roma, por exemplo, foram programados 12 dias no Brasil para que o público pudesse ver de graça o longa em algumas poucas salas. Interessados escolhiam data, local e horário da sessão em um site. Rapidamente os ingressos se esgotaram. Ao mesmo tempo, assinantes da Neflix podiam ver o filme pela plataforma (recentemente ele voltou a ser exibido em salas, mas com cobrança de ingressos).

No Festival de Berlim, mais críticas

O sucesso de Roma lança a perspectiva de que outras boas produções podem vir pelas plataformas de streaming, como a Amazon. Afinal, as empresas estão investindo em nomes e projetos - às vezes parados pela falta de interesse dos grandes estúdios - que possam alavancar o interesse do público por seus serviços. Mas isso ainda provoca reações contrárias, mesmo com o crescimento das assinaturas de VOD.

Recentemente, na estreia do espanhol Elisa y Marcela, de Isabel Coixet, no Festival de Berlim - a Berlinale -, houve novas manifestações contrárias à participação de filmes vindos do streaming. Esse é o primeiro longa financiado por uma plataforma a entrar na disputa alemã. Na noite de exibição, o tapete vermelho da Berlinale se encheu de cartazes em que se lia “No Netflix films in Berlinale competition” e “Kino statt Stream Festival” (ou “Cinema, não um festival de streaming”). Uma carta assinada por 160 exibidores foi encaminhada à organização e à ministra da Cultura da Alemanha, pedindo a retirada do longa da competição sob o argumento de que a Berlinale defende os telões de cinema e a Netflix, as pequenas telas.

A controvérsia levou o diretor do evento, Dieter Kosslick, a pedir que os festivais internacionais encontrem uma posição comum para que os organizadores saibam como lidar no futuro com as produções feitas para o streaming. Cannes, no entanto, não dá sinais de alterar sua postura. Questionada pelo Clubeonline se um filme produzido por uma das plataformas pode competir caso seja feito lançamento simultâneo nos cinemas e no streaming, a organização do festival alegou que segue regras determinadas pelo governo.“A legislação francesa sobre a cronologia da mídia é muito específica e não permite lançamentos simultâneos”, foi a resposta.

Por essas regras, as atuais janelas de exibição na França estabelecem uma diferença de 36 meses entre a estreia de uma produção nos cinemas e seu lançamento nos serviços de streaming. Essa cronologia, entretanto, vem sendo questionada, e outras propostas estão em negociação. O acordo validado pelo governo se estende até julho deste ano. Se não houver consenso até essa data, as partes estarão livres para determinar, por contrato, como serão essas janelas.

Qual o caminho?

O Clubeonline buscou a Netflix no Brasil para analisar o cenário e para saber que passos devem ser dados por aqui em relação à produção de filmes - e para checar suas expectativas sobre o Oscar. Mas a empresa preferiu não responder nossas perguntas. Também procuramos o mercado de produção, que, em alguns casos, por determinações contratuais, não pode discutir projetos abertamente. De todo modo, entre conversas on e off the records, está claro que é preciso, de fato, encontrar um consenso entre os players da indústria já que o consumo de conteúdo via streaming é um caminho sem volta.

Para Francesco Civita, produtor-executivo e sócio da Prodigo Films, ainda não há uma resposta certa para esse cenário. “Existe um incômodo porque este é um mercado em transformação”, diz Cesco, como é conhecido. Isso, aparentemente, não chega a perturbar muito os grandes estúdios - e sim as distribuidoras. Ele pondera que, se as produções de streaming estivessem aborrecendo tanto Hollywood, a Academia não teria dado dez indicações para Roma.

Outra parte da questão envolve a importância da experiência do cinema. E esse valor é inegável. Segundo Cesco, há também muito de “romantismo”. Lançar uma obra em salas de cinema mexe com esse lado. Mas isso demanda um bom investimento. Para atrair público, é essencial contar com uma campanha de marketing agressiva. Em 2016, O Roubo da Taça, de Caito Ortiz, venceu o prêmio do público na categoria Visions no SXSW. “Foi incrível”, recorda-se Cesco. Para o cinema, foi destinada uma alta verba para colocar o filme em evidência. Mas no Brasil o público não tem sido bom.  “Você investe alto e consegue 60 mil pessoas nas salas. Na plataforma, você alcança o mundo inteiro”, diz, indicando um fator que pende em favor do streaming.

A Ancine divulgou no início de fevereiro seu relatório sobre o cinema. Em 2018, o público das salas exibidoras foi de 161 milhões de pessoas, número 12,6% menor do que o do ano anterior, resultado que está mais atrelado aos ingressos de filmes estrangeiros. Isso porque os longas brasileiros tiveram aumento de público de 25,3% no ano passado sobre 2017. O filme que mais arrecadou com a bilheteria foi Nada a Perder, cinebiografia do bispo Edir Macedo (Igreja Universal), que vendeu 11,2 milhões de ingressos. Sobre ele, no entanto, pairam dúvidas sobre a real audiência já que veículos como Folha de S. Paulo e O Globo reportaram diversos casos de salas vazias e farta distribuição de ingressos a frequentadores da igreja por parte de bispos.

Abrangência e facilidades

Cesco acredita que blockbusters têm lugar cativo nos cinemas. O público gosta de viver essa experiência nas salas - muitas vezes com sessões lotadas. Em sua opinião, com filmes “mais intelectuais” as pessoas podem se sentir mais à vontade de ver em casa. E isso mostra que há multiplicidade de opções para se apreciar um longa. Do shopping ao on demand da TV paga. “Tem muito filme que o produtor vai avaliar se vale a pena fazer um investimento para colocar no cinema”.

Os argumentos de Cuarón, ao comentar com a imprensa seu prêmio de Melhor Diretor no Globo de Ouro, chamam atenção para isso. Ele perguntou em quantas salas do circuito comercial um filme mexicano em preto e branco, falado em espanhol, com atores desconhecidos, seria exibido? E por quanto tempo? E disse que poucas obras estrangeiras atingem tantos países como Roma tem conseguido (leia aqui o que publicamos a respeito).

No Brasil, o cinema é caro. Isso já é um limitador. E tem o estacionamento, a bebida, a pipoca. O esforço que a pessoa faz é muito grande. É mais fácil apertar um botão”, comenta Cesco. Ele acredita que logo o país passará a ter mais produções de longas, o que ganha impulso com o sucesso de Roma e de outras obras financiadas pelas plataformas de streaming (Manchester à Beira-Mar, por exemplo, foi financiado pela Amazon, mas teve exibição em circuito comercial. Ele foi indicado a Melhor Filme no Oscar 2017). Foi o que aconteceu com as séries. Elas explodiram nos Estados Unidos e tempos depois o Brasil entrou no circuito. A Prodigo está produzindo a série Coisa mais linda, que deve estrear este ano na Netflix (saiba mais sobre as produções originais da plataforma em 2019 aqui).

Duas entrevistas com diretores: Fernando Meirelles e João Daniel Tikhomiroff

O Clubeonline conversou com dois diretores brasileiros para conferir a visão deles sobre esse novo capítulo que se descortina na indústria do entretenimento. Fernando Meirelles, cofundador da O2, é o diretor de The Pope, longa produzido e financiado pela Netflix, que deverá também ter exibição em cinemas, como aconteceu com Roma. O filme deverá ser lançado no segundo semestre, entre final de outubro e início de dezembro. O diretor quer trazê-lo para a Mostra de São Paulo. João Daniel Tikhomiroff, sócio-fundador da Mixer, está às voltas com projetos já fechados com plataformas, mas não pode dar mais detalhes a respeito.

Foram feitas sete perguntas aos diretores. Veja as respostas abaixo.

Clubeonline - A indústria vem debatendo cinema e plataformas de streaming. No Festival de Cannes de 2017, o então presidente do júri, Pedro Almodóvar, afirmou que não faz sentido um filme que não passou nos cinemas ganhar a Palma de Ouro. Steven Spielberg, mais um renomado diretor, disse em outra ocasião que produções de plataformas de streaming deveriam concorrer apenas ao Emmy. Qual sua opinião? A indústria do cinema está encampando os projetos da plataforma ou ainda há muita resistência?

FERNANDO MEIRELLES - Filmes para plataforma são menos filmes dos que os feitos para salas? Essa é uma pergunta sem resposta. O Festival de Cannes não aceitou o filme do Cuarón, mas em Veneza, festival que venceu,  além de Roma havia mais dois filmes da Netflix em competição: 22 de Julho, do Paul Greengrass, e A Balada de Buster Scruggs, dos irmão Cohen [Nota da Redação - o longa dos irmãos Cohen concorre ao Oscar em três categorias]. Antes disso, Beast of the Nation já havia recebido um prêmio lá. Este ano também vou tentar uma vaga em Veneza com The Pope, que acabei de mixar. Sei que Martin Scorsese está correndo para terminar a tempo seu Irishman, também para lançá-lo lá. Ambos são da Netflix. Veneza é um festival tão tradicional quanto Cannes mas não se importa com essa distinção. Respeito opiniões de ambos os lados, mas são mesmo apenas opiniões.

JOÃO DANIEL TIKHOMIROFF - Mesmo respeitando as opiniões de alguns renomados diretores, discordo. A tecnologia sempre vem fazendo mudanças de hábitos. Em nossa atividade não seria diferente. As plataformas também têm alterado a experiência de assistir séries, por exemplo. Quando House of Cards criou a possibilidade de fazer uma “maratona”, disponibilizando todos os episódios inéditos da temporada, o mundo mudou. As séries passaram a ter muito mais ousadia e originalidade que o cinema, pois o compromisso comercial mudou para “fidelização/assinatura”. O fim da “grade” que norteia a TV fez que se multiplicassem as produções, e os riscos passaram a ser considerados normais e necessários, para que obras que conquistem os assinantes, ávidos por novidades, trouxessem mais e mais assinantes. Jovens só assistem plataformas de exibição. Os filmes no cinema cada vez mais comerciais e com compromisso de retorno de bilheteria imediato “mediocrizaram” a criatividade. Ainda temos alguns poucos exemplos de filmes rompedores ou ousados, mas a maioria se apoia em super produções, efeitos, etc... pois o que move o público ir ao cinema é o “espetáculo”. Já em casa, ele busca também outras experiências com a dramaturgia e o documentário, com muito mais ousadia e criatividade. Imaginem se Breaking Bad conseguisse ser um filme para o cinema? Seria um total fracasso. Possivelmente não haveria investidores, produtores ou distribuidores que entrariam no filme [NdR: nesta semana foi revelado que está em desenvolvimento um filme que dá sequência à série com foco no personagem Jesse Pinkman (Aaron Paul), com exibição primeiro na Netflix]. E o longa documentário, ganhador do Oscar [em 2018], Icaro? Exibido no Festival de Sundance, foi adquirido pela Netflix por US$ 5 milhões para ser um original. Teve enorme audiência. Jamais teria isso se tentasse o cinema... O mundo mudou. E pra melhor, nisso

Clubeonline - Para credenciar Roma a disputar premiações, o filme foi exibido em alguns cinemas. Mas teve um caráter mais de promoção e estratégia de marketing do que uma ação de distribuição nos cinemas brasileiros. Como avalia a pendenga entre as plataformas de streaming e as salas de cinemas?

MEIRELLES - As projeções em salas seriam apenas uma maneira de qualificar os filmes, mas no lançamento de Roma pela primeira vez a Netflix colocou o filme em cartaz em salas semanas antes de ir para TV. Em algumas cidades, Roma continuou em cinemas mesmo depois de já estar na  plataforma. Talvez estejam reconsiderando a estratégia de prioridade para a plataforma, torço para que seja isso. Usando The Pope como exemplo novamente, em princípio ele seria lançado em poucas salas no mesmo dia do lançamento na plataforma.  Agora, com o sucesso da estratégia de Roma, já estão considerando lançá-lo  antes em salas e levá-lo para alguns festivais. Fico feliz por isso. Gostaria que assistissem o filme em salas, claro, mas, por outro lado, a plataforma vai multiplicar sua visibilidade por mil. É esta a escolha a ser feita. Para mim, não tem nada de Sofia nessa escolha: fico com a plataforma, afinal estou fazendo um filme para ser assistido.

TIKHOMIROFF - Essa bobagem de pendenga entre as salas de exibição e as plataformas de streaming vai terminar logo. Para cumprir “regulamento” precisar de exibição em meia dúzia de salas de cinema soa demasiadamente burocrático e medíocre para a capital do cinema, Hollywood.

Clubeonline - Questionado no Globo de Ouro, depois de receber o prêmio de melhor diretor, Cuarón ponderou que, se não fosse pelo streaming, muito provavelmente um filme estrangeiro e com artistas desconhecidos do público não chegaria normalmente a muitas salas de cinema – uma crítica à distribuição dos filmes. Com a Netflix, seu filme alcançou um público maior do que poderia atingir se fosse exibido nas salas, como sugeriu. Cuarón tem razão de alguma forma? Ou isso só se aplica a seu filme?

MEIRELLES - Ele está certo. Que estúdio daria o caminhão de dinheiro que ele teve para fazer um filme em P&B e falado em espanhol? A Netflix está fazendo altas apostas e tem de fazer mesmo e rápido, antes que outras plataformas pesadas como a da AT&T, que terá conteúdo da HBO, Warner, Turner etc., entrem no mercado, coisa que deve acontecer este ano ainda.  O Cuarón é o cara certo, com o filme mais do que certo na hora certa. É o diretor do ano, sem dúvida e o fato de Roma estar na plataforma não tira dele nenhum mérito. É filme e dos bons.

TIKHOMIROFF - Concordo plenamente com Cuarón! Exatamente como eu disse na pergunta anterior. Irmãos Coen também fizeram com Netflix o longa em 6 partes, The Ballad of Buster Scruggs, e ainda venceu o prêmio de “melhor roteiro” do Festival de Veneza, além de estar nomeado ao Oscar deste ano. Foi a mesma coisa com Cuarón. Como Ícaro, e muitos outros que surgirão daqui pra frente, cada vez mais.

Clubeonline - É preciso repensar a distribuição dos filmes, as janelas de exibição, prazos mais curtos entre essas janelas (Cannes alega seguir a atual legislação na França, que determina uma diferença de 36 meses entre a estreia no cinema e a exibição no streaming para que uma obra produzida pela plataforma possa entrar na disputa da Palma de Ouro)?

MEIRELLES - Mesmo? Não sabia dessa janela. Os franceses são muito engraçados. Do jeito que vão, talvez este ano passem a aceitar só formulários de inscrição datilografados e enviados pelo correio. Mas entendo o espírito, a intenção de preservar a idéia de uma viagem compartilhada numa sala escura. Salas proporcionam uma experiência mais imersiva e eles não querem que isso se perca. São meio cri-cris, mas têm um ponto.

TIKHOMIROFF - Sem dúvida! Hoje em dia 36 meses são uma eternidade… Já envelheceu. Na verdade, se Cannes não aceitar a realidade de hoje - que plataforma de streaming é uma nova janela de exibição, que já dominou a audiência - vai desaparecer.

Clubeonline - Que tipo de impulso as plataformas de streaming dão ao mercado de produtoras? Como vocês têm trabalhado com isso? Há mais projetos? Essas plataformas representam hoje, de fato, um campo a ser explorado pelas produtoras?

MEIRELLES - As leis do audiovisual aprovadas durante o governo FHC ressuscitaram o cinema brasileiro. Durante o governo Lula foi criada a lei de obrigatoriedade de produção brasileira nas TVs a cabo e isso fez com que o mercado explodisse e que escolas de cinema e produtoras se multiplicassem pelo Brasil. A entrada das plataformas nesse mercado representa outro salto tão grande como estes anteriores. No momento, só a Netflix está produzindo 18 ou 19 séries no Brasil - vale checar o número [NdR: a Netflix não informa seus números; mas um executivo da empresa disse, em evento no Brasil, que seriam dez neste ano no país]. A Amazon vem com o mesmo apetite e logo a Hulu chega. Com essa pressão, a Globo também começou a produzir direto para streaming. Mas a revolução que estas plataformas estão fazendo na verdade não é no volume, mas na qualidade de programas. Fazem isso ao elevar o patamar de orçamentos. Um episódio de série de 50 minutos vale entre R$ 250 mil a R$ 400 mil. Na HBO, que busca produções mais bem acabadas, esse valor pode triplicar. As plataformas estão chegando e investindo o dobro disso. Qualidade de produção é sinônimo de quantidade de dinheiro investido. Então isso é boa notícia não só para as produtoras, mas para os espectadores também. Um problema para o mercado é que os padrões de controle e aprovação destas séries brasileiras nas plataformas são os mesmos usados internacionalmente. Muitas produtoras que têm condições de disputar esse mercado não conseguem entrar por não saberem atender as plataformas dentro de seus parâmetros. Como a O2 Filmes sempre fez muita coprodução internacional, para nós foi mais fácil nos adaptar a estes sistemas gringos de acompanhamento de produção. As planilhas de orçamento [para as séries] têm um padrão próprio com nomes específicos nos quais são feitos lançamentos de valores. A prestação de contas também tem um padrão a ser seguido com  formatos e linhas que não usamos no Brasil. Tudo é mais controlado, os compromissos assumidos são menos flexíveis do que o que estamos acostumados. Como disse, não é nada que tenha relação com qualidade ou capacidade de realização, mas sim um aspecto de adaptação a uma outra cultura mesmo.

TIKHOMIROFF - Um impulso extraordinário. O público assinante exige novidades. Isso obriga a plataforma a lançar um original constantemente. Ao mesmo tempo, muitos tabus caíram. No mundo inteiro, inclusive no Brasil, é preciso produzir obras nacionais para atender ao público. O crescimento da Netflix na França, por exemplo, se deu com isso. No Brasil não é diferente. Mas o mais incrível não foi isso. Netflix descobriu que, ao contrário do cinema e da TV, as séries ou filmes falados em outras línguas ou culturas - que nunca funcionaram em cinema ou TV com real sucesso de público - também atraiam espetacularmente os assinantes! O sucesso de Dark, série alemã falada em alemão, e La Casa de Papel, série espanhola falada em espanhol, são claros exemplos disso! Não posso deixar de citar a série produzida pela nossa Mixer Films, para a HBO Original, O Negócio, falada em português, que é o maior sucesso da história da HBO Latin America. Ela foi lançada mundialmente, atualmente na HBO GO. Estamos neste momento com alguns projetos já em desenvolvimento com algumas das principais plataformas, e outras sendo negociadas.

Clubeonline - Há quem diga que a maioria dos filmes produzidos pelas plataformas é fraca – e com isso a barra da qualidade estaria baixa também. Uma exceção seria Roma. Como avalia a qualidade do conteúdo das plataformas?

MEIRELLES - Quando os estúdios pararam de vender produções para as plataformas, de fato pode ter havido uma queda na qualidade de produção. Elas ficaram com poucas opções, se seguravam com séries. Mas os caras são ligeiros, trouxeram  um executivo de estúdio para tocar a área de filmes e estão investindo cordilheiras de dinheiro para fazer filmes bons que entrem em festivais e sejam indicados a prêmios. A lista de diretores consagrados que estão filmando para as plataformas inclui de Wim Wenders até aquela lista que mencionei antes. O cenário está mudando rapidamente.

TIKHOMIROFF - Isso acontecia mais na era das TVs, quando telefilmes eram produzidos com baixa qualidade criativa e de produção, já que todos eram de baixo custo. Como mencionei antes, já há ganhadores de Oscar e Veneza. Esse preconceito vai terminar este ano, quando Roma vencer algumas estatuetas do Oscar. A qualidade do conteúdo das plataformas está melhor que dos cinemas, pelas razões que já comentei.

Clubeonline - Você considera justo o longa de Cuarón ser laureado com o Oscar de Melhor Filme? Por que? Se ele conquistar o prêmio, o que muda para as plataformas de streaming, na sua opinião?

MEIRELLES - Acharei injusto se não levar. É puro cinema, rodado em 70mm, com o som mais extraordinário que já ouvi, desenhado para salas ou para headphones. Se quiser chamar Roma de produto para TV, não faça isso na minha frente. Estou pelas tampas de papinho ideológico.

TIKHOMIROFF - Roma vai ganhar ao menos três estatuetas do Oscar. Se não ganhar de Melhor Filme no geral, vai ganhar Melhor Filme Estrangeiro, Melhor Direção e Melhor Fotografia. O que acha de um filme para exibição em streaming ganhar Melhor Fotografia? Cheio de planos gerais, cheio de longos planos sequências e travelling, sem closes, para “tela pequena”. Tudo isso era “proibido” pela “velha TV”. E agora? Um novo capítulo já está aberto ao cinema.

 

Lena Castellón

 

Oscar 2019: streaming e cinema

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