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Inteligência artificial urbana

Mark Van Der Net mistura redes sociais e tecnologia

17.05.16

Um dos pontos bacanas de eventos como o Festival Path, que aconteceu neste final de semana em São Paulo, é aproximar pessoas de diferentes expertises e vivências para discutir temas que são tanto de interesse do mercado de comunicação e marketing quanto da sociedade como um todo, podendo, por exemplo, apontar caminhos para a melhoria da qualidade de vida.

Em palestra promovida pela organização do festival (O Panda Criativo), o holandês Mark Van Der Net, arquiteto e programador, discutiu inteligência artificial urbana, um assunto que, por si, desperta curiosidade. Pensar em robôs e máquinas modificando uma cidade pode soar ameaçador para alguns. Mas não se trata disso. “Não é preciso ter medo. Com o social e a tecnologia, formamos uma inteligência coletiva”, explica.

Criador da Oscity (oscity.nl), empresa que desenvolve projetos de planejamento urbano por meio de análise de dados, Van Der Net afirma que mesmo a mídia social é capaz de ajudar na transformação de um bairro, de uma comunidade, de uma metrópole. E isso não se limita à capacidade de mobilizar pessoas em torno de uma causa. Com uso de softwares e ferramentas de monitoramento e coleta de dados, a Oscity consegue apontar eventos, tendências e problemas mais falados pelos moradores de uma determinada região. Por meio de visualização de dados, é possível até criar uma versão virtual da cidade e, desse modo, perceber com mais clareza o que vem impactando mais decisivamente a vida dos moradores.

Foi o que sua equipe fez com duas metrópoles chinesas: Hong Kong e Shenzen. Em 2015, a Oscity montou instalações interativas, que se dividiam por cores (classificadas pelo horário diurno e noturno), e que registravam a comunicação dos moradores em duas redes: Weibo e Twitter. Uma cidade virtual “crescia”, erguendo-se a partir dos dados agrupados. Uma das visualizações revelava a movimentação ao longo do dia dos habitantes de Shenzen entre as áreas mais ocupadas para trabalhar e as para moradia. “Temos um grande fluxo de dados”, diz o arquiteto holandês, referindo-se as informações que as pessoas costumam disponibilizar na mídia social (confira o vídeo abaixo).

Esses dados alimentariam uma inteligência artificial, porém focada na vida urbana. “Podemos explorar mais esses dados e fazer um planejamento melhor das cidades”, acredita Van Der Net. Com isso, ele toca no conceito de cidade inteligente, que coleta dados sobre a vida da metrópole para torná-la mais viável, como acontece com o Centro de Operações Rio, que monitora dados de 30 órgãos públicos e concessionárias do Rio de Janeiro, graças a um projeto com a área da IBM conhecida como Smart Cities.

Apreciador de mapas antigos, Van Der Net afirma que a representação das cidades do passado lembrava muito a maneira orgânica como a metrópole se desenvolvia. Isso mostra, segundo o arquiteto, como a cidade faz parte de um organismo. Mas hoje, vivemos uma nova cultura, a impulsionada pela web. Na nossa realidade, o car sharing ganha força. E o Airbnb também, indicando que o compartilhamento é um valor urbano. Com a ajuda da tecnologia, pode-se estabelecer uma nova organização da sociedade, porém é preciso que ela esteja centrada nas pessoas. “Os cidadãos é que são as cidades. Eles decidem o que vai bem ou não”, pondera Van Der Net. A ideia é fazer uso da inteligência artificial que já existe e também considerar o que sentem os moradores. “Criamos diferentes maneiras de perguntar o que querem as pessoas”, conta.

Urbanismo com tecnologia

Um dos pontos levantados pelo palestrante é que a tecnologia deve ser viva. O real time permite que haja uma maior agilidade para se elaborar melhorias na metrópole. “O planejamento urbano tradicional pode levar cinco anos para realizar mudanças. Mas há problemas que estão ocorrendo naquele exato momento”, observa. A combinação de urbanismo, tecnologia e cultura web pode gerar serviços urbanos que visem identificar o que existe na cidade, que pode dar respostas a questões locais (por exemplo, a disponibilidade de água em um bairro), e que viabilize melhorias por meio da inteligência da cidade. “Combinamos dados para facilitar planos. Podemos ter maneiras separadas de gerenciar a vida”, afirma o arquiteto.

Isso quer dizer que palavras podem descrever uma realidade urbana, compreendida pelo estudo da sintaxe, da expressão do cidadão. O planejamento da vida urbana e o estabelecimento de novos serviços, no entender do palestrante holandês, seriam facilitados, portanto, pela análise dos dados postados pelo morador. E via open source. “A cidade é um espelho do cidadão”, diz Van Der Net.

Na palestra do Festival Path, Van Der Net apresentou ainda um aspecto discutível da cultura do compartilhamento, ao menos no que se refere ao Airbnb. Em Amsterdã, ele é visto como uma importante força urbana. No entanto, nem sempre é encarado de forma positiva. “Em alguns lugares, sobretudo entre os ricos, há um ressentimento em relação à quantidade de turistas que chegam. Eles não gostam do barulho que fazem”, explica o arquiteto. Van Der Net comenta que, antigamente, as cidades eram auto-contidas. Elas evoluíam, mas dentro de muros. Na nova era, segundo ele, os proprietários de imóveis ganham dinheiro com suas casas, mas deixam para o vizinho a conta do barulho e até da bagunça. “É preciso reinventar o auto-confinamento”, emenda.

De certa forma, algumas cidades europeias caminham para criar mecanismos que respondam às novas perguntas da era do compartilhamento. Se no caso do Uber, esse lado parece estar em discussão com mais evidência, no do Airbnb a polêmica não está tão clara. Em Berlim, a partir de maio, começou uma nova legislação que atinge quem aluga casas por período curto. Um apartamento inteiro disponível para locação agora não é mais possível. Aluguel de quartos, sim, mas desde que não ultrapasse 50% da propriedade. Amsterdã também estuda maneiras de limitar a locação de serviços como Airbnb. Discussões como essas estão ganhando corpo, o que mostra o quanto a cultura web e as novas demandas da sociedade e do urbanismo estão andando juntas.

Por Lena Castellón

 

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