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O Espaço é Seu

Música como classe de ativos. Bowie previu isso também

18.02.21

A noção de música como classe de ativos está cada vez mais solidificada e pode ser tão segura e lucrativa quanto investir em ouro ou petróleo. Para os grandes sucessos não há crise — uma vez que uma canção ou um grupo de canções atinge o status de hino de uma geração, seu valor é perene e resistente às flutuações do mercado que tiram o sono dos investidores em momentos turbulentos da economia.

David Bowie sabia disso há 24 anos. Sempre visionário, o artista britânico, um dos primeiros a compreender o poder da internet, criou em 1997 os Bowie Bonds - em troca dos royalties sobre 25 álbuns, vendeu títulos com rentabilidade garantida a investidores e lucrou 55 milhões de dólares, reavendo os masters 10 anos depois. Operação semelhante foi realizada pelo nosso Paulo Ricardo em outubro. O ex-vocalista do RPM vendeu por 6,5 anos os direitos sobre seus 590 fonogramas e composições para uma plataforma de investimentos brasileira.

No fim do ano passado, Bob Dylan vendeu por estimados 300 milhões de dólares os direitos de todas suas canções - incluindo clássicos lançados na década de 1960, que mudaram o mundo, como "Blowin 'in the Wind", "The Times They Are A-Changin" e "Like a Rolling Stone". O movimento foi seguido por Stevie Nicks, da Fleetwood Mac, que vendeu uma participação de 80% em seu catálogo por cerca de 100 milhões de dólares - e até por Neil Young que sempre resistiu a vender sua música para publicidade. Em "This note's for you", de 1988, ele chega a cantar: "Ain't singing for Pepsi, ain't singing for Coke" ("Não estou cantando para a Pepsi, não estou cantando para a Coca-Cola").

Esse boom da venda de direitos autorais na música pop pode mudar a relação entre artistas e o mundo da publicidade de uma forma disruptiva e rentável. Faço licensing internacional há mais de 15 anos e aprendi muito sobre essa área do ponto de vista dos meus parceiros internacionais. Em tempos de streaming, o que faz diferença no mercado de royalties é o Sync, a venda do uso de músicas para obras de entretenimento e para peças publicitárias.

A concessão de um fonograma famoso para um filme ou série pode custar dezenas de vezes menos do que para o uso em propaganda. Enfim, é a propaganda que move o setor ao fazer a ponte entre músicas consagradas e as marcas.

Com essa perspectiva de mercado, um novo cenário se abre para quem perceber primeiro: músicas e artistas que jamais liberaram suas obras para propaganda podem de uma hora para outra estar disponíveis.

Esse movimento é influenciado pelo aumento do abismo entre os lucros gerados por execução nas plataformas digitais e a receita dos Syncs, como já está acontecendo, e pela possibilidade do controle do uso dessas obras mudar de mãos, como também já está acontecendo. Além, obviamente, da pandemia que afetou profundamente os rendimentos dos artistas em todo o mundo que, desde o 'boom' da pirataria nos anos 1990, passaram a depender dos shows e apresentações ao vivo.

Mas o mais interessante, que tem borbulhado na minha cabeça nessas últimas semanas, é que se grandes grupos de comunicação podem criar uma Saatchi Gallery, também podem investir e promover catálogos de músicos consagrados, bem como apostar em quem serão os novos clássicos, comprando antes os seus royalties futuros, e assim os ajudando nesse caminho, num novo modelo de gestão de direitos autorais e carreiras.

Tudo isso se aplica também a agências e artistas brasileiros. Num momento em que tantos artistas consagrados não estão sob contrato das majors, e detêm o controle total das suas carreiras, nada os impede de negociar o catálogo de suas obras livremente. E o mais excitante de tudo isso: agências de qualquer porte podem fazer acordos de royalties futuros com artistas emergentes, o que pode mudar a dinâmica de suas carreiras e mostrar que quem aposta antes, como Mr Bowie, lucra mais e faz acontecer.

Apollo Nove, Partner / Creative Director da A9 

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