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O Espaço é Seu

É o fim das produtoras de som? (David Bessler)

30.08.24

Depois do título apocalíptico e do ponto de interrogação para amenizar, é hora de trazer o assunto da vez como se fosse novidade: a inteligência artificial vai passar o rodo em geral. Dá para fazer locução direto no ElevenLabs, uma música no Udio e correr pro abraço.

Na roda de debates sobre áudio do último Festival do Clube de Criação, senti muito esse tom fatalista e não resisti. Quando abriu para interação do público, pedi o microfone e coloquei a seguinte questão: a IA pode gerar mil músicas parecidas com as do Jimi Hendrix. Mas, antes de existir Jimi Hendrix, a IA nunca seria capaz de inventar um som como o dele. O mesmo com João Gilberto, Tame Impala ou Nicholas Britell (já puxando a sardinha pros trilheiros). Isso porque a IA parte sempre daquilo que já existe, gerando novas opções a partir de prompts, que por sua vez são criados por humanos.

Então, ainda que a ferramenta de produção de som seja em IA, só um ser humano muito genial seria capaz de criar um prompt que gerasse sonoridades como essas pela primeira vez. E mesmo assim só talvez.

A IA também não parece ser capaz de olhar para um filme ainda sem som e pensar:

A cena de abertura fica melhor sem música, com sound design abafado e reverberação exagerada. Aí, entra o grito de um moleque fanho lá de longe e, exatamente uma semicolcheia depois, em 113 BPM, imitando o grito do moleque, entra a primeira nota de um violino tocando um harmônico artificial em pianíssimo. Na sequência, a música abre num sintetizador distorcido e vai ganhando momentum, chegando a uma pausa completa a partir do plano nº 39. Quando o ator diz ‘ui!’, a música passa a ficar gigante, com trombones, sintetizadores e um coral de barítonos que vai crescendo, crescendo e... Tum! Acaba.

Ok, me empolguei. Mas o ponto é: a mera execução pode sim ser substituída em grande parte. Já o pensamento criativo, estético, narrativo e a visão do compositor, do produtor musical e do sound designer, ainda mais quando feitos em alto nível, são e sempre serão completamente insubstituíveis.

Se é esse o caso, por que tem tanta gente intranquila? Bom, algo que sempre me incomodou na forma como o mercado publicitário costuma tratar as produtoras de som é encará-las como uma espécie de prêmio de consolação. Ah, queria uma música tipo Beatles. Pra Beatles a gente não tem budget, mas faz tipo Beatles. “Tipo”, “que nem”, “no estilo de”, tudo isso pra dizer que deve ser quase tão bom quanto. Quase.

Perceba que, num mercado que se diz essencialmente criativo, existe toda uma categoria dedicada a quase imitar. Imitar bem. Imitar com maestria. Imitar com a malandragem de quem consegue passar tudo o que precisa sem cometer plágio. E essas produtoras, incríveis na habilidade de copiar sem copiar, são muitas vezes consideradas as melhores: “Uau, ficou incrível! Que nem o ___”.

Essa alfinetada toda é pra dizer o seguinte: precisamos nos transformar em CRIADORAS DE SOM. Produzir bem produzido é uma arte e tem seu valor. Mas é na criação que a gente gera valor real para uma campanha, um filme, uma marca.

Se isso não for feito naturalmente por princípios, que seja artificialmente. Por inteligência.

David Bessler, sócio e diretor musical da Halley Sound

Para você não esquecer: vem aí o Festival do Clube de Criação com um lineup incrível. Os ingressos já estão disponíveis. Adquira o seu por meio da plataforma Sympla. O atual lote, com desconto, é limitado. Portanto, garanta sua participação o quanto antes, clicando aqui. Agências, produtoras, anunciantes comprem também seu lote de ingressos o quanto antes (aqui). Nos vemos no Memorial da América Latina nos dias 12 e 13 de outubro, sábado e domingo. Interessados em patrocinar o evento procurem o washington@clubedecriacao.com.br. Até lá.

Dúvidas, sugestões, palpites, comentários? clubedecriacao@clubedecriacao.com.br ou mensagem para o Whatsapp do Clube: 11 - 93704-2881.

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