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Pobreza menstrual/ Always e Maria Ribeiro

Uma imagem que fala por si

08.10.21

Quando o presidente Jair Bolsonaro vetou, na quinta-feira, 07, a distribuição gratuita de absorventes femininos a estudantes de baixa renda e pessoas em situação de rua, medida que estava prevista no Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual (que foi aprovado), uma foto começou a ser compartilhada pela internet em sinal de protesto: a imagem de folhas de jornal aparecendo sob a calcinha de uma jovem, como forma de reter a menstruação.

A foto faz parte de um ensaio que compõem a campanha “Menina Ajuda Menina”, de Always, lançada em maio (reveja o que publicamos aqui). A autora é Maria Ribeiro, fotógrafa que desde 2014 tem feito ensaios sobre mulheres se reencontrando com seu corpo, sem preconceitos, quebrando estereótipos. Maria foi também mediadora de um painel no Festival do Clube de Criação 2021: “Viva a diferença: zerando espaços para prejulgamento, repelência e repulsão” (leia mais aqui e confira aqui, no Globoplay).

Para a campanha de Always, ela teve contato com meninas em comunidades de São Paulo, registrando pela primeira vez o tema “pobreza menstrual”. A ação da marca contou ainda com uma pesquisa que trouxe dados alarmantes sobre o problema.

De acordo com o estudo, uma entre cada quatro jovens não se sente confortável em falar sobre a menstruação. E, apesar de o absorvente ser considerado um produto de primeira necessidade, 29% das jovens revelaram não ter tido dinheiro para comprá-los em algum momento de suas vidas. Nas classes DE, o índice chega a 33%. No mundo, informa a ONU, 1 em cada 10 meninas falta a escola durante a menstruação. No Brasil, uma em cada quatro estudantes já deixou de ir à aula por não poder comprar absorventes.

Always, marca da P&G, tinha se comprometido a doar um milhão de absorventes na época do lançamento da campanha. Mas ela ampliou seus esforços e fez nova doação agora. Em comunicado enviado ao Clubeonline, ela esclarece: "Always tem dentre suas prioridades o combate à pobreza menstrual, seja em campanhas de conscientização ou doação de absorventes. A doação que acabamos de fazer para o Instituto Educadoras do Brasil, feita em parceria com o Atack Solidário e Dunorte Distribuidora, faz parte das ações que a marca tem feito para atuar na luta contra a pobreza menstrual.

Ao todo já foram doados mais de 3 milhões de absorventes.

Always continuará seus esforços nesse caminho, uma vez que é parte do propósito da marca suportar a jornada das garotas e mulheres na construção de sua confiança e continuar contribuindo para que meninas não deixem de ir à escola pela falta de absorvente durante a menstruação."

A marca informou, via post nas redes sociais, que sabe “quanto esse problema afeta a educação de muitos jovens, como revelou a nossa pesquisa com o Instituto Toluma”. E reforçou: “O combate à #pobrezamenstrual e a busca pela dignidade íntima das pessoas que menstruam é um dever de todos”.

Maria conversou com o Clubeonline sobre o trabalho que fez para Always e contou como foi sua reação ao descobrir a foto que fez sendo altamente compartilhada em virtude do veto presidencial a uma medida que ajudaria muitas meninas.

Clubeonline Como foi fazer o ensaio para a ação da Always?

Maria RibeiroAlways tinha feito uma pesquisa sobre pobreza menstrual e o resultado foi muito alarmante. A pobreza menstrual é um problema que está do nosso lado. A gente tende a pensar que é algo do interior do Brasil, de uma comunidade distante. Mas isso acontece muito mais perto do que se imagina. Eu já tinha ouvido falar de “period poverty” no mundo, porém esse tema não era muito levantado no Brasil. Acabei pensando muito no assunto quando fui fazer as fotos. Por aqui, as meninas têm muita vergonha de falar de menstruação. Elas não se abrem muito. Não falam nem com a professora. Infelizmente, isso é muito tabu no Brasil.

Clubeonline Onde foram feitas as fotos?

MariaNuma escola de uma comunidade perto de Interlagos [na zona sul de São Paulo]. E em uma instituição no centro. Conversamos com famílias, com professoras, com as meninas. Conversamos para saber como é o assunto e vimos como é um tabu. Não levei assistente. Na hora de fotografar, só estávamos eu e uma pessoa da equipe de Always para que as meninas ficassem à vontade. Precisava retratar o tema de forma sensível, mas chamando atenção para a pobreza menstrual. O sangue que aparece [na foto com as folhas de jornal] é cenográfico. Foi um trabalho incrível. Eu não tinha consciência da extensão do problema. As meninas aceitaram participar do projeto e se engajaram mais na causa. Foi gratificante ver que iniciamos essa conversa com a sociedade e que teve uma resposta positiva.

Clubeonline Como reagiu ao saber do veto?

Maria Você vê um trabalho gerando consciência e aí vem uma pessoa e veta a distribuição de absorventes. O que faz uma pessoa vetar isso? É tão desumano e cruel, que não aguento.

Clubeonline E ao ver sua foto sendo compartilhada?

MariaFoi um sentimento contraditório. Enquanto artista, é legal ver a imagem circulando. Mas por esse motivo? Pelo veto? Se fosse pela vitória do projeto, eu seria só alegria. Mas como foi por esse motivo eu queria só chorar. Vi a foto primeiro na Mídia Ninja, que me marcou [o perfil de Maria no Instagram é @mariaribeiro_photo ]. Depois na Folha. Aí, dezenas de pessoas começaram a me mandar.

Clubeonline Como é seu trabalho com mulheres?

MariaEm 2014, fiz o projeto “Nós, Madalenas: uma palavra pelo feminismo”, em que mulheres selecionavam uma palavra que representasse o feminino. Ela era escrita com batom. As fotos mostravam as mulheres bem naturais, com suas celulites, suas cicatrizes [o trabalho foi transformado em um livro com cem retratos e um depoimento de cada uma das mulheres que participou do projeto]. Fui muito xingada. O projeto foi exibido no Facebook e eu comecei a ser cancelada ali. A partir daí, fiz outros trabalhos desse tipo. Em 2017 fui premiada pela ONU Mulheres e fui para Nova York receber o prêmio. Acabei morando o ano inteiro na cidade. Hoje tenho o projeto “Vivências fotográficas”, sobre as experiências de cada mulher se reencontrando com seu corpo. Fotografo mulheres de todas as idades.

Pobreza menstrual/ Always e Maria Ribeiro

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