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Festival do Clube 2021

Inclusão e criação de espaços com + equidade

23.09.21

Histórias de vida que se cruzam em um lugar incômodo para se estar: a percepção da inadequação aos padrões estabelecidos pela sociedade. Histórias de preconceito, seja pela cor, gênero, tamanho, idade, deficiência e origem, que carregam em comum a vontade genuína de quebrar padrões ao se tornarem ícones de representatividade.

Este foi o tema do painel “Viva a diferença: zerando espaços para prejulgamento, repelência e repulsão”, que trouxe para o debate personagens marcantes discutindo inclusão e criação de espaços com mais equidade.

Moderado por Maria Ribeiro, fotógrafa e ativista pelos direitos das mulheres, o painel contou com a presença de Rosa Saito, modelo sênior que estreou sua primeira campanha aos 68 anos; Nabillah, modelo de origem senegalesa; Hellô/Bielo Pereira, criadora de conteúdo e apresentadora; Luíze Tavares, relações públicas e cofundadora do PerifaCon; além de Leo Castilho, arte-educador e criador de conteúdo.

Para Bielo Pereira, o processo de desconstrução começou na fase adulta, quando percebeu que como trans não binária, não tinha espaço na sociedade e passou a questionar o porquê de precisar da validação dos outros. “Estamos tão acostumados a preencher as caixinhas de felicidade que a sociedade criou, que a gente esquece de seguir a nossa métrica de felicidade” conta. Ela destaca que, embora já se mostrasse de forma inata, começou a perceber a importância do seu papel, ao conferir humanidade e existência, não só como pessoa, mas também como mercado. “Se não estamos nas pesquisas, nas métricas, tendências ou contabilizadas para o mercado, é como se não existíssemos”, destaca.

Sob essa ótica, Luíze ressalta a importância que é ser enxergado pelo mercado e percebido como um consumidor, do ponto de vista de quem veio da favela. Justamente por não se sentir representada em conferências de comics e conteúdos voltados para geeks, é que ela, junto com apoiadores, criou a PerifaCon, que teve origem como um evento em Capão Redondo, mas que acabou se desdobrando em uma plataforma para diversos canais. “A PerifaCon surge para ser uma feira de quadrinhos que decidimos fazer pelo fato de nunca termos tido essa experiência em feiras maiores de comics, seja pelo fator mobilidade urbana, o valor dos ingressos e também pelo consumo em si, porque muitas vezes eu posso até chegar nesses lugares, mas não consigo consumir”.

O evento foi um sucesso e encontrou espaço para crescer em outras comunidades em São Paulo, e rapidamente a plataforma ganhou atenção das marcas. “Tinha muita gente precisando dessa convenção nerd nas periferias. Hoje, a PerifaCon faz projetos de conteúdo para marcas e curadoria. Não é só criar um evento, é mostrar para marcas que o valor das coisas na periferia não é o mesmo preço que se aplica em uma feira comum. Entretanto, temos uma economia efervescente”, acrescenta.

Já Rosa Saito, quebrou o padrão da etarismo ou ageismo, ao posar para sua primeira campanha de moda aos 68 anos. Mãe e ceramista, ela conta que sempre teve vontade de ser modelo, mas só após os 60 resolveu seguir seu sonho e fez o seu primeiro book. Demorou um ano para que uma marca a convidasse, mas agora faz trabalhos com frequência. “Eu costumo desafiar os 'nãos' da vida. Então eu resolvi tentar. Hoje acho gratificante pois acabo representando muitas mulheres. Me pergunto o que é idade realmente, porque minha alma continua jovem”, diz Rosa. A frase é ecoada por Maria Ribeiro, que complementa: “A sociedade é muito etarista. Costumam achar, por exemplo, que quando envelhecemos, perdemos o valor, e justamente com a idade é que temos mais oferecer”.

Nabillah, modelo de origem senegalesa, mas que cresceu na Guiné Bissau, demorou menos para conseguir seu primeiro contrato na profissão de modelo, entretanto, teve que superar outro desafio: o racismo. “Qualquer estrangeiro, principalmente africanos, têm uma experiência estranha ao chegar ao Brasil, porque a gente sabe que a gente é negro, mas não faz diferença, porque lá todos são. No Brasil, eu descobri o que é o racismo. Foi aqui que eu sofri o racismo sem saber que eu estava sofrendo”, conta. Apesar do impacto, a vontade de se expressar por meio de símbolos e roupas de sua origem foi justamente o que permitiu a ele ocupar um lugar diferenciado no mercado da moda.

A busca por expressão é o que definiu a trajetória de Leo Castilho, artista e performer surdo, que não só usa linguagem dos sinais, mas principalmente a linguagem do corpo para se expressar. “Sempre me interessei por conteúdos musicais, cresci fazendo dança, ballet, jazz, já aprendi por meio dos movimentos a lidar com os surdos, mas como ator e performer surdo, nunca tinha visto ninguém como eu”, afirma. Ele explica, que em um passado não tão distante, os surdos não tinham autorização para falar sua língua, eles eram amarrados quando tentavam sinalizar. “Foi um tempo perdido que eles passavam na escola, mas graças aos antepassados que lutaram por nossos direitos, é que conseguimos ser visíveis novamente”, afirma.

Essas histórias abrem caminho para pessoas que têm corpos como o de vocês, que são da cor de vocês, possuem a mesma orientação sexual, a mesma idade e assim por diante. Um debate para que pessoas se enxerguem e se percebam nesses espaços que vocês estão criando e possamos desenvolver oportunidades para todos”, finalizou Maria Ribeiro.

Uma realidade bem próxima

O Repique fez um debate sobre representatividade nas empresas e ambientes de criação logo após o encerramento da mesa “Viva a diferença” e contou com a presença de Heitor Caetano, diretor criativo da Surreal Hotel Arts; Joana Mendes, diretora de criação e fundadora - ygb.black; e Thiago Lins, diretor de criação da CP+B.

Ao trazer exemplos sobre como agências e empresas de marketing ainda tratam a questão das diferenças dentro de seus espaços de trabalho, é possível entender porque o discurso da equidade não se aplica na prática.

Fazendo um paralelo com uma história do painel anterior, Thiago Lins, que é de Recife, comenta que assim como o senegalês Nabillah, a sensação de se sentir um estrangeiro também acontece para pessoas que vieram de fora do eixo Rio-São Paulo para trabalhar em publicidade. “O curso de publicidade por si só já é elitista e quando você vai para um almoço com seus colegas onde as pessoas estão discutindo qual o melhor restaurante da Disney, perto de alguém que nunca saiu do país, cria um ambiente de exclusão, é como se a nossa realidade não existisse”, explica.

Para Joana, foi interessante ver como as histórias se cruzam nesse tipo de discussão. “Em 2015 escrevi um texto em que eu contava uma história em formato de crônica, intitulada 'A única negra da criação'. E é engraçado que isso ainda acontece, esses espaços de repulsa ainda existem e muito. São micro agressões, mas são agressões”, avalia.

Heitor Caetano destaca que os mesmos lugares que se preocupam em contratar e dar acesso às pessoas das chamadas "minorias", também devem se preocupar em criar um ambiente para que elas permaneçam e principalmente em dar ferramentas para que essas pessoas tenham a oportunidade de ascender em suas carreiras. “Criei a ilusão de que quando eu chegasse no lugar de criação eu ia ser quem eu sou. Mas quando a gente chega lá, precisamos ser ponderados, não podemos errar, continuamos solitários. Quanto mais você ascende, mais hétero e branco vão ficando esses espaços. Parece que é um movimento sempre de afrontamento”, relata.

Joana também destaca o perigo das narrativas em torno do tema diversidade ao ter que responder sempre às mesmas perguntas. Apesar de ser um assunto urgente, Joana gostaria de ser lembrada para falar sobre outros assuntos além do racismo. Ao que Heitor Caetano complementa: “Nosso mercado está em um momento de capitalização da nossa existência e as pessoas negras e LGBTQIA + precisam se colocar em um lugar de equidade. As agências querem fazer campanha sobre questões de gênero para ganhar prêmios, mas não tem ninguém na ficha técnica que é negro. Isso está errado”, conclui.

Beatriz Lorente

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Quando22 e 23 de Setembro de 2021
OndeGloboplay
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