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Tecnologia barrada

Prêmio da World Press Photo é + um a banir a IA

23.11.23

A Inteligência Artificial está na mira de importantes premiações. Por aqui, enquanto a organização do Prêmio Jabuti, referência entre as mais prestigiadas distinções literárias no Brasil, decidiu desclassificar uma ilustração pelo uso da tecnologia, a World Press Photo resolveu mudar as regras de sua concorrida competição. Com isso, imagens feitas por IA não poderão participar da edição 2024.

Inicialmente, a entidade sem fins lucrativos, que seleciona anualmente as melhores obras de fotojornalismo no mundo, havia definido que trabalhos que envolvessem ferramentas de IA generativa, como Dall-E e Midjourney, poderiam ser inscritas na categoria Open Format, que contempla técnicas inovadoras, apresentações não tradicionais e diferentes abordagens para contar histórias.

Na primeira versão das regras para o prêmio, os organizadores se justificaram, alegando ser importante ter espaço para projetos desse tipo para estimular debates a respeito do tema na indústria, que está em rápida transformação. O regulamento determinava que seriam aceitas inscrições de fotografias com IA, desde que estas tivessem as lentes como parte central do trabalho e que explicassem como a tecnologia foi aplicada. Ou seja, imagens puramente geradas pela máquina não seriam qualificadas.

Nesta semana, a história mudou. A organização recebeu diversos comentários negativos a respeito da regra para IA. As críticas fizeram com que alterassem o regulamento. Mesmo que a imagem tenha sido apenas preenchida em um processo generativo, ela não poderá concorrer na categoria Open Format, a única que tinha permitido o uso da tecnologia até essa alteração – nas demais (Singles, Stories e Long-Term Projects) ela já estava proibida.

A diretora-executiva da World Press Photo Foundation, Joumana El Zein Khoury, declarou, em post da entidade na mídia social, que fotógrafos ajudam as pessoas a compreender o mundo que compartilhamos por meio de um trabalho “fundamentalmente humano, difícil e muitas vezes realizado com grande risco individual”. E continuou: “Estamos totalmente empenhados em apoiar fotojornalistas e fotógrafos de documentários e levar suas histórias ao maior número possível de pessoas”.

As inscrições para o World Press Photo 2024 abrem em 1º dezembro e se encerram no dia 11 de janeiro. Os vencedores regionais serão anunciados em março e os ganhadores mundiais, em abril.

Desclassificação no Jabuti

Na mesma semana, a Câmara Brasileira do Livro, que organiza o Prêmio Jabuti, apresentou os cincos finalistas em cada uma das categorias que compõem sua 65ª edição (veja a lista aqui). Dias antes, houve uma polêmica em torno da desclassificação de um dos trabalhos semifinalistas.

Na lista de dez candidatos ao prêmio de Ilustração, estava o livro “Frankenstein”, de Mary Shelley, publicado pelo Clube de Literatura Clássica no ano passado. O responsável pelo projeto gráfico dessa edição é o designer Vicente Pessôa. Parte do júri da categoria não havia percebido que a obra trazia, na referência de autoria das ilustrações, junto do nome de Pessôa, o Midjourney.

Descoberto o uso da tecnologia, a curadoria do prêmio entendeu que isso desqualificava o trabalho – ainda que a inscrição citasse a ferramenta. Nas regras para esta edição do Jabuti (cujos ganhadores serão conhecidos no dia 05 de dezembro), nada havia a respeito da adoção de IA generativa. A decisão de desclassificar o projeto gráfico foi tomada naquele momento.

Em artigo publicado na Folha de S. Paulo, a artista Giselle Beiguelman, autora do livro “Políticas da Imagem”, escreveu que a polêmica sobre o 65º Prêmio Jabuti indica a urgência de se aprofundar o debate sobre os aspectos éticos e legais dos processos de criação com essa tecnologia. Ela lembrou que a relação artista-máquina não é nova. No entanto, a IA generativa trouxe novos desafios e é preciso entendê-la para melhorar a transparência das plataformas de criação.

Giselle observou que “sistemas de geração de imagens, textos e áudio baseados em IAs estarão cada vez mais disponíveis, mais fáceis de trabalhar”. Por isso, é essencial compreender que essa é uma tecnologia “a partir da qual é possível fabular novas relações criativas entre humanos e não humanos, para além da instrumentalidade das ferramentas e da autoria tal qual (ainda) a conhecemos”.

O debate que não houve

Em abril deste ano, a IA generativa já tinha causado barulho em uma famosa premiação de fotografia. “Pseudomnesia | The Electrician", um retrato de duas mulheres que parecia ter sido feito em outra época, foi anunciado em março como um dos trabalhos ganhadores do Sony World Photography Awards, vencendo na categoria Creative.

Na hora de receber seu prêmio, o fotógrafo e artista alemão Boris Eldagsen subiu ao palco para recusá-lo e fazer um alerta para a necessidade de um debate. Quando inscreveu seu trabalho, ele alegou que tinha a intenção de avaliar se as competições de fotografias estão preparadas para a IA.

Eldagsen entrou na disputa porque as regras da categoria em que se candidatou permitiam fotografias feitas com qualquer dispositivo. Não havia mais detalhes. O fotógrafo não mencionou na inscrição que o retrato tinha sido gerado por IA generativa.

Assim que soube que receberia o prêmio, ele escreveu aos organizadores explicando o caso, pensando que isso serviria de base para um debate sobre IA e fotografia, o que não aconteceu, apesar de sua insistência, salientou. No palco, ao recusar o prêmio, Eldagsen disse: “Nós, do mundo da fotografia, precisamos de uma discussão aberta. Uma discussão sobre o que queremos considerar fotografia ou não. O guarda-chuva da fotografia é grande o suficiente para permitir imagens feitas por IA ou isso seria um erro?”, provocou.

Pelo que se viu recentemente, ainda há muito debate a ser travado no universo das premiações.

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