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Um brasileiro em Lisboa

Há Caracóis e Playmobil

10.07.09

É complicado reclamar do cardápio português. Os caras capricham em tudo, do pão do couvert até a sobremesa. Mas tem um negócio que é no mínimo estranho. Não é ruim, é estranho. Também não é delicioso ao ponto de você ignorar o fato da bagaça ser estranha.

São os caracóis. E não estou falando do escargot ou de um primo dele. Ok, os caras devem ser primos de oitavo grau. Não, os caracóis de que eu estou falando são amigos do filho de um tio de consideração por parte de uma meia-prima que o escargot escutou que tinha na antiga União Soviética. Algo por aí.

Estamos na época dos caracóis. Em qualquer bar típico, quaquer tasca, você encontra uma folha A4 deitada rabiscada com uma Bic Cristal que diz: "Há Caracóis." E aí, você sabe, de tanto ver os avisos, fiquei curioso. E num belo dia de sol com a mesa cheia de latinhas de cerveja Sagres, pedi uma porção.

E é aqui que a parte do "estranho" fica mais clara. Ao chegar na mesa, um fera me ensinou como se comia: "Coloca o negócio na boca, segura a concha e suga". Imagine o esquema da ostra, só que em proporções bem menores. O caracol é bem pequeno. Para você visualizar melhor, pense no caracol do tamanho de uma falange de um dedo mindinho de uma criança cheinha.

E como é o sabor? Meio aguado, meio sabor de frutos do mar desses que você não sabe o nome, então diz que é mexilhão, normalmente servidos com algum molho morno cheio de manteiga. Com goles grandes de Sagres é tranquilo. Nojento, nojento, acho que só se você deixar o negócio esfriar. Quente, se for consumido no instante que caiu na mesa, é bacana.

Um petisco interessante. Com certeza a história do caracol tem muito a ver com a cultura. Você tem que crescer com o hábito de ver o adulto na tasca comendo caracóis com cerveja para ficar tentado fazer o mesmo quando já estiver na idade de tomar a sua.

Porque não é como o bacalhau, as ameijoas e o tamboril. Não é nenhum prato típico do cardápio que ultrapassa fronteiras. É um negócio bem local mesmo. O caracol também tem o drama da folha A4 deitada que gera a demanda. O fato de existir a temporada do pequeno molusco deixa os portugueses numa espera de alguns meses. Uma espera que coincide com o verão.

Então é aquela coisa: bateu o sol, pediu a cerveja e uma porção de caracóis. E aquele barulhinho de "shhnufjjjjj...", das bocas tentando capturar os caracóis, invade o bar.

Mas é o Playmobil do título deste textinho que me deixou mais cafuso. E a razão pela qual pedi caracóis uma única vez. É, o caracol tem olhinho e boquinha de Playmobil. Aquele sorriso meia-lua que não se defaz. E comer qualquer comida que tem sorriso de Playmobil não é para qualquer um.


Erick Rosa - diretor de criação da Leo Burnett Lisboa


Leia os textos anteriores do Erick aqui.


Comentários

Ângelo Souza - IADE - Lisboa - Tenho que concorda contigo quando diz que isso é estranho, porque é mesmo estranho. Mas tenho que realçar, o caracól não tem gosto de nada, o gosto é do têmpero, que são bem feitos.. Comer frio? muiiiito difícil, ninguém fica a espera que esfrie... lool. Abraços de + 1 brasileiro em Lisboa


 

Um brasileiro em Lisboa

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