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Um Brasileiro em Tóquio

Em busca de um sorriso (Erick Rosa)

07.07.20

Em busca de um sorriso.

Na parede, um só quadro.

Pequeno, desproporcional ao espaço todo.

Logo descobri que não é decoração. É história e respeito.

Hanami Sushi é o nome. Pequeno. Não pequeno de oito lugares. Mas pequeno de doze.

O sushiman não fala inglês. E eu, como um dia escrevi aqui, não falo japonês. Mas desde o primeiro dia em que passei pela porta, nos entendemos bem. Eu sei falar saquê. E saquê é igual em qualquer língua. Quando quero sashimi, falo sashimi. Com sushi, a mesma coisa. Três palavras. Saquê, sashimi ou sushi.

Dito isto, não existe mais qualquer troca de palavras. Mas existe uma troca de sorrisos.

Sorriso dele quando eu entro. Sorriso meu quando ele me surpreende com algum peixe especial. Sorriso dele quando sinaliza para me servirem saquê antes mesmo de eu dizer qualquer coisa. Sorriso meu quando vejo ele descrever, para quem vai me servir, onde encontrar uma garrafa especial. Sorriso nervoso meu quando como algo que nunca comi na vida. Sorriso feliz dele por me fazer experimentar algo que não sei pronunciar. Sorriso meu quando indico que já estou satisfeito. Sorriso dele de volta, de satisfação. Sorriso meu e sorriso dele quando me despeço.

Pausa para contextualizar esse texto.

Escrevo ele numa terça-feira, 7 de julho.

Hoje Tóquio levou um quase susto. O número de casos subiu.

Ainda é completamente diferente de outros lugares do mundo.

Mas subiu. Hoje foram 106 casos. Corro para o G1 para ver o número de casos no Brasil e encontro 65.631 mortes confirmadas e 1,6 milhão de infectados / EUA 132 mil mortes e 3 milhões de casos. Mas, mesmo com essa diferença toda, o país está um pouco nervoso pois existe o receio de que mais um estado de emergência seja anunciado. Não é e nunca foi um lockdown, mas quando um anúncio desses é feito, existe a forte recomendação para que restaurantes e bares deixem de abrir as portas, comércios mudem os horários e por aí vai. Portanto, escrevo ainda num Japão aberto. Pós estado de emergência.

Volto para o dia anterior ao fim do estado de emergência. E prometo que esse texto volta em breve também para o restaurante. Bom, no dia seguinte seria o meu primeiro dia presencial no trabalho em quase três meses. Fui dormir com aquela sensação de primeiro dia de aula numa escola nova. Ansioso. Mal consegui pregar os olhos. Me antecipei ao alarme e fiz o café antes mesmo das seis da manhã daquela segunda-feira. Afinal, eu sabia que lá fora me esperava o tal do novo normal. Que de normal, agora eu sei, não tem muito.

Naquele dia fui recebido por uma maquininha que espirra gel nas minhas mãos logo na entrada do meu andar. Ao lado, instruções para utilizar uma mini pistola que mede a temperatura com um só botãozinho. Abro a porta com meu crachá e encontro uma agência praticamente vazia. Eu diria que 80% das pessoas continuam até hoje trabalhando de casa para evitar aglomerações nos trens. Resolvo então copiar um restaurante francês que vi no Twitter, e coloco dois bonecos de pelúcia sentados nas cadeiras ao meu redor para fazer companhia. Vou atrás do Spotify e um daqueles playlists intitulados "Have a great day!" e tento navegar o novo normal tentando enxergar apenas o lado positivo.

Faço uma, duas, três reuniões por Teams e Zoom, sempre com o telefone ligado na tradução simultânea. Aceno de longe para duas pessoas que eu tenho dificuldade de identificar por causa da máscara. E, no final do dia, corro para o 7-11 do prédio para comprar cervejas e celebrar, com as três pessoas que restam no andar inteiro, o retorno para esse quase normal.

Dos três, um deles mal termina a cerveja e corre para pegar o trem antes do horário de pico. Termino então o meu micro happy hour e vou para casa.

Ou não. Não vou. Vou em busca de um sorriso.

Depois de três meses em casa escutando apenas e somente notícias tristes de um mundo só em quarentena, tinha fome de simpatia e doçura.

Então, naquele primeiro dia de volta ao mundo, mudo o trajeto. Vou atrás do normal. Atravesso duas, três ruas e vejo a pequeno porta quase escondida do Hanami Sushi.

Abro, passo pela cortina e, quando saio do outro lado, o sushiman sorri - e eu sorrio de volta.

O quadro.

Nele tem a foto de um senhor saindo do mar. Água pelos joelhos.

É o avô do sushiman - que fundou o restaurante, quase cinco décadas atrás.

Ao lado do avô está um pequeno barco de pesca.

E no rosto, um sorriso grande que - assim como o restaurante - o neto também herdou.

Erick Rosa, chief creative officer do Publicis Group, em Tóquio

Leia coluna anterior deste mesmo autor aqui.

Um Brasileiro em Tóquio

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