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Festival do Clube 2019

'Vale a pena lutar pela boa ideia', defende André Takeda

27.09.19

"Se eu contasse para vocês que um japonês gaúcho foi parar na Argentina - esse país louco, onde o dólar passou de três para 60 pesos em cerca de 10 anos - com o objetivo de desenvolver um trabalho criativo em uma in-house, o que você diria?", questionou André Takeda, head of creative services da The Walt Disney Company Latin America, na abertura de sua palestra “Burning Down the House - De Equipe In-House a Curadores de Ideias”, no Festival do Clube. E brincou com as possíveis respostas do público: “teria se apaixonado por uma argentina?” ou “japonês, gaúcho, Brasil, Argentina, só falta um bar aí e... é uma piada, né?” ou simplesmente “esse cara é louco”.

Para mostrar ao público que não se trata de loucura nem de piada, Takeda - que, aliás, é casado com uma brasileira - iniciou o bate-papo lembrando que existem diversas house agencies que fazem um trabalho criativo de excelente qualidade, como as da Apple, do Twitter e do Channel 4, que ganharam não somente Leões, mas inclusive Grand Prix no Festival de Cannes. “A 4 Creative, do Channel 4, já abocanhou dois GPs em Cannes”, ressaltou.

O modelo da velha agência in-house em que todos os criativos faziam só o que o cliente queria porque literalmente era o cliente que pagava, mudou, na avaliação de Takeda. Além disso, enquanto muitas agências de holdings ainda reclamam desse tipo de operação, outras tentam ser parceiras dos clientes nesta empreitada. "A Oliver é uma rede britânica especialista em montar agências in-house dentro de clientes, como Unilever e Microsoft. Outro exemplo é a The & Partnership, uma agência do Grupo WPP, que também trabalha com clientes para montar in-house nas empresas: na Europa eles têm um espaço dentro da Toyota e no grupo The Times. E um exemplo mais próximo a nós é a AB InBev, que esse ano lançou a Draftline”, enumerou.

Na avaliação de Takeda, o fato de se ter criativos dentro da empresa ajuda a transformar o negócio, uma vez que há a possibilidade de se “sentar à mesa” não só com o executivo de marketing da companhia, mas com toda a gama de profissionais que atua no local, uma “oportunidade”, segundo o executivo da Disney, de “usar a criatividade para trazer outros tipos de soluções para inovar na empresa”.

Na FOX, que em março teve seus ativos de cinema e televisão comprados pela Disney, leia aqui, a house agency nasceu como uma equipe de promos. Como os canais para TV têm necessidades diárias – são desenvolvidas entre 250 e 300 chamadas por mês - é mais barato e mais rápido fazer isso por meio de uma in-house. “Sempre fomos muito bons em criar chamadas”, admitiu sem falsa modéstia Takeda, citando alguns exemplos de promos clássicas, que trazem imagens dos próprios longas-metragens e séries, com o objetivo de divulgar dia e horário em que essas atrações são exibidas.

Uma delas imagina como seria se o filme “Rua Cloverfield, 10”, fosse dirigido por Wood Allen, e outra, se a direção fosse de Quentin Tarantino (assista ambas abaixo), destacando quando o telespectador poderia assistir à estreia do longa no canal FX. “Nós promovíamos ao telespectador o ‘appointment viewing’, o dia e o horário em que seria exibida a atração. Mas, entre 2011 e 2012, tudo mudou por conta da expansão do streaming no mercado, que modificou o hábito de consumo de mídia. O público parou de zapear entre canais e começou a zapear plataformas".

Essa transformação obrigou a in-house a se reinventar e Takeda percebeu que era o momento de mudar o perfil da equipe para ajudar a implementar uma mudança de cultura na casa. Foi quando ele trouxe para o time o redator Alex Mendes, por ocasião do lançamento do canal FOX Sports no Brasil. “Compartilhamos a mesma visão: se o consumidor mudou, a gente tem que mudar, precisamos encontrar outras maneiras de comunicar nosso produto, nosso canal. A missão era pensar além da promo”, pontuou o head of creative services.

Segundo Takeda, o “divisor de águas” para a FOX nesse sentido foi um trabalho feito em 2015 para FOX Sports. “Pensamos assim: a gente é dono da programação, porque não pedir, para a pessoa responsável, o horário com menos audiência para realizarmos uma ação de PR?”, relatou.

Assim nasceu o caseThe Lullababy Match” (veja abaixo), que sonorizou partidas de futebol exibidas durante as madrugadas com canções de ninar, de modo a incentivar que pais de recém-nascidos assistissem aos jogos enquanto embalavam os seus bebês. Foram quatro shortlists em Cannes com o trabalho, dois deles em Branded Content e, apesar de não ter levado Leão, ficou evidente para a equipe que as criações começaram a “ter outra pegada”.

Takeda exemplificou esse novo direcionamento criativo, visando que o público falasse sobre a peça e a compartilhasse, com uma promo que divulgava o filme de terror “O Exorcista”, no canal FX (espie abaixo). A chamada era protagonizada por Inri Cristo e a proposta era que ele trouxesse “uma palavra de conforto” ao telespectador durante os intervalos do longa. “A partir daí, começamos a ser reconhecidos como uma marca criativa. Passamos a participar não só de festivais de promos e chamadas, mas também de festivais de propaganda, sendo reconhecidos não apenas dentro da empresa, mas por outras agências e produtoras”, contou.

O reconhecimento trouxe influência, ou seja, os profissionais da in-house passaram a exercer o que Takeda chama de “influência criativa” dentro da companhia, trabalhando com executivos da casa e não somente criando promos. Essa influência, segundo o head of creative services, foi usada para viabilizar ideias. “Por isso digo que somos curadores. Mesmo porque, nem toda a ideia é 100% in-house. Posso trabalhar com criativos freelancers, com outras agências, mas tudo passa pela nossa curadoria”.

Nesse sentido, Takeda contou que queria reposicionar o pacote premium da FOX e foi falar com Hernan Ponce (que esteve no Festival do Clube deste ano). Como se tratava de uma empresa de entretenimento, Ponce recomendou que a comunicação usasse justamente o entretenimento: “Vamos fazer um curta”, sugeriu. Um curta protagonizado por ninguém menos do que o ator Norman Reedus (da série "The Walking Dead").

Foram dois anos brigando com o jurídico da empresa, refilmagens, brigas com chefes por ter que adiar o lançamento do projeto inúmeras vezes, muita grana envolvida... Mas vale a pena lutar pela boa ideia”, defendeu Takeda, ao apresentar o trailer do curta-metragem “Who?” ao público (assista ao filme completo, abaixo).

Foram mais de 20 milhões de views em apenas uma semana, aumento de 30% na preferência de compra do FOX Premium e inúmeros prêmios: dois Leões em Cannes, GP no El Sol, Clio, One Show, Effie, LIA, ADC, Ciclope. “O filme é muito do Hernan, ele editou cada frame, mas se não tivéssemos uma equipe criativa na FOX, que entendesse sobre os processos de uma produção como essa, o valor de uma ideia como Who?, essa ideia nunca teria saído”, argumentou.

Entre outros cases, Takeda também destacou o “Green Definition”, para National Geographic, tudo criado in-house (abaixo) e "Gender Neutral Subtitles", ideia de legendas inclusivas sugerida por criativos freelancers para o lançamento da série “Pose” (abaixo).

Em meio a tantos trabalhos com resultados positivos, Takeda não deixou de mencionar o caso do comercial da Pepsi, com Kendall Jenner (leia aqui e aqui), criado in-house pelo Creators League Studio. O filme teve uma enorme repercussão negativa e foi bastante criticado por ter apresentado a modelo branca de 21 anos como “pacificadora” entre ativistas de direitos civis e policiais (assista abaixo). "Na ocasião, muita gente disse que o problema ocorreu por ter sido uma criação in-house. Mas não foi essa a questão. As agências também erram. E isso acontece simplesmente porque as pessoas erram, errar é humano", arrematou Takeda.

Valéria Campos

Leia mais sobre o poder criativo das house agencies em nota anterior, aqui.

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