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Festival do Clube 2018

Minorias, intolerância e mais: um papo sério sobre humor

26.09.18

A promessa era a de fazer um papo "sério", mas a mesa “Tá rindo de quê?” arrancou gargalhadas do público do começo ao fim, com direito a pequenas amostras de imitações de políticos como Jair Bolsonaro, Cabo Daciolo e Lula. O tom cômico, no entanto, não comprometeu os mergulhos profundos das reflexões dos participantes da mesa, que expuseram sua linha argumentativa sobre os limites do humor, inclusive com embasamentos teóricos inspirados em obras como “Mulher, Raça e Classe”, de Angela Davis, e “O Riso: ensaio sobre o significado do cômico”, de Henri Bergson.

A discussão buscou abarcar, entre outros pontos, como o cômico interfere nos negócios e na publicidade nos tempos atuais e como o humor se tornou diferencial para vender produtos. Mediando o debate, o humorista e apresentador Mauricio Meirelles prometeu fazer o papel do “provocador” durante a discussão. Entre as "cutucadas", ele questionou como funcionaria o “humor para o oprimido”. “Se o Conar (Conselho de Autorregulamentação Publicitária) recebe umas poucas ligações - não é uma maioria reclamando, mas uma 'minoria histérica' -, isso é suficiente para que haja um movimento contra aquela determinada criação?”, questionou.

Eduardo Martins, diretor de criação da Talent Marcel e membro do conselho do Conar, ponderou que ninguém se manifesta a favor de nada, mas as pessoas se movem mais para reclamar de algo. Ele destacou que a agência para qual ele trabalha costuma criar campanhas bem humoradas e citou uma delas que foi alvo de queixas no Conselho. "Era um filme para tubos e conexões Tigre, que mostrava uma reunião de condomínio que saiu pancadaria (assista abaixo). Foi uma situação exacerbada, cômica. Mas teve gente que achou que incitava a violência", afirmou.

"O humor só tem graça quando tem pertinência. É claro que tem muita gente chata que se incomoda por pouca coisa. Mas as pessoas que trabalham nisso no Conar - advogados, gente de associações de consumidores, profissionais de marketing -, sabem discernir o que passa do limite da responsabilidade”, opinou Martins.

Na seara da responsabilidade, a atriz e humorista Marianna Armellini se autodeclarou a mais “socialmente preocupada” entre os integrantes da mesa. “A propaganda propaga uma ideia, vende a ideia de que aquele produto ou aquela maneira de ser é uma coisa interessante. E propagar uma ideia é algo muito sério. Por isso, quando a publicidade personifica algum preconceito é algo grave demais”, lamentou. “Mas há uma clara diferença entre se sentir ofendido por algo sem importância e resvalar em crime ou discurso de ódio, que é outra coisa”.

Na avaliação dos debatedores, o advento das mídias sociais tornou o assunto ainda mais complexo. Ao mesmo tempo que o Twitter, o Facebook, o Instagram e outras deram voz às minorias, viraram palco para a intolerância. "As redes sociais também deram voz aos imbecis. Colocaram holofotes sobre aquelas bobagens que todo mundo dizia no recreio quando tinha 12 anos e praticamente ninguém iria ver ou ouvir, mas hoje estão lá publicadas”, declarou o humorista e redator Bruno Motta, citando o caso do comediante Julio Cocielo, que teve mensagens antigas com conteúdo racista e machista de seu Twitter resgatadas por internautas. Isso ocorreu depois que Cocielo publicou, no último mês de julho, um tuíte que relacionava o jogador francês Mbappé à prática de arrastões. Apesar de publicado um pedido de desculpas, diversas marcas romperam com o comediante.

"Acho que tem que tirar o dinheiro dele mesmo. Com 'grandes poderes vêm grandes responsabilidades'", posicionou-se Marianna, citando o personagem tio Ben, do longa Homem-Aranha. "Ele fala a milhões de pessoas, então, se disse algo de forma preconceituosa, tira o dinheiro. Só se aprende com punição. As pessoas que praticam esse tipo de 'humor' pararam para pensar, depois desse episódio. Evoluir é isso", arrematou.

"Concordo com a visão da Mari, mas vivemos um momento de intolerância. Algumas pessoas podem estar certas em sua opinião, mas perdem a razão por causa de seu discurso de ódio”, ponderou o humorista e imitador Rudy Landucci.

Em relação aos limites do humor, Rafael Castro, diretor de criação do Canal Parafernalha, defendeu que essa fronteira está, para ele, relacionada à empatia e à responsabilidade. "Eu poderia fazer uma piada com um político e quem é contra ele vai achar que eu fui sutil, mas quem é a favor não vai achar nem que foi uma piada. Por isso, eu prefiro não fazer. Responsabilidade, esse é o meu limite."


Já para propaganda, o limite do uso da comicidade é um pouco anterior do que para quem trabalha com humor, na avaliação de Martins. "Para publicidade, o limite está sempre nuns degraus antes que em um show de comédia, por exemplo. No espetáculo, a pessoa vai lá querendo assistir aquele tipo de conteúdo, que já é esperado", defendeu.

Ainda sobre até onde pode ir a comédia, Marianna opinou: "o humor fala com a razão. Toda vez que tem emoção envolvida a pessoa não vai rir. Se você vir uma pessoa tropeçar na rua, você ri, mas se é sua mãe quem tropeça e pode quebrar a perna, você não vai achar graça nenhuma. Nessa lógica, se eu sou mulher e vejo o cara falar sobre dar porrada na mulher, não acho engraçado, porque tenho amigas que já foram espancadas, ou seja, isso mexe com minha emoção".

Valéria Campos

 

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