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Festival do Clube 2018

Branded content: autocrítica é necessária

26.09.18

Um jargão desgastado para descrever um comercial com mais de 30 segundos de duração. Essa era a associação natural que vinha à cabeça de Guga Ketzer, fundador da Suno United Creators, ao pensar no termo “branded content”.

Na tentativa de melhor explicar o conceito, ou como as marcas devem se associar a conteúdos de maneira mais legítima e efetiva, Ketzer entrevistou Rodrigo Teixeira, produtor e fundador da RT Features, produtora de cinema que ganhou os holofotes mundiais este ano ao ser indicada a quatro Oscars pelo filme “Call me by your name”, drama sobre o amor entre dois homens, ambientado na Itália dos anos 1980.

Com vivência internacional e distância crítica tanto do Brasil quanto do mercado publicitário, em sua primeira consideração Teixeira já deitou por terra a premissa da associação de produtos e serviços a conteúdos por meio da inserção de marcas em filmes. "Acho difícil colocar marca num filme, fica parecendo um comercial longo. Acredito mais em marcas que têm relação com temas específicos produzindo filmes comerciais dentro desse território".

Para Teixeira, o futuro da associação bem-sucedida entre marcas e o cinema pode ser resumido por outro termo - curadoria - tanto do ponto de vista de produção, quanto da compra de conteúdos. "O futuro para as marcas é o de se tornarem um canal de exibição. E por meio de uma cuidadosa curadoria, selecionar e botar debaixo de seu guarda-chuva conteúdos cinematográficos que expressem os valores da marca, respeitando sua integridade artística". Mas para que isso aconteça, Ketzer ponderou que é preciso que a marca se disponha a abrir mão do controle absoluto sobre o processo, pautado por polices que acabam tolhendo a construção dessa associação.

Segundo Teixeira, falta vontade das marcas em correr riscos nos conteúdos aos quais querem se associar. Houve dificuldades para se encontrar anunciantes que quisessem apostar em "Call me by your name", tendo apenas a Sony a seu lado antes de estrear.

Soma-se ao desafio cultural junto aos clientes o fato de muitas agências também não terem uma relação tranquila com os produtores de conteúdo. “Em 20 anos de carreira, só consegui fazer um projeto de branded content, envolvendo o Chico Buarque. Isso porque as agências me viam como competidor”.

Autocrítica e sandálias da humildade

Ao comparar as diferentes realidades da produção cinematográfica entre Brasil e EUA, Teixeira considerou que, enquanto no primeiro a subvenção estatal acaba por gerar filmes que não têm a obrigação de dar retorno aos cofres públicos, no segundo a relação dos produtores com o mercado dos compradores é de risco e, portanto, o foco no resultado de bilheteria é muito maior. "Primeiro é preciso desenvolver o projeto, até o ponto dele tornar-se bom o suficiente para atrair um diretor e, depois, o elenco. A partir desse pacote é que o produtor consegue dinheiro, que é um adiantamento. A despeito do seu glamour, os festivais nada mais são do que plataformas de venda. Os compradores estão na plateia e fazem oferta a partir de uma análise de potencial do filme no mercado. É uma compra de risco, e o risco final é do cliente, se o público não for assistir ao filme", explicou.

Na opinião de Teixeira, entre os elementos de atratividade de um filme, além do elenco, está sua capacidade de conectar-se com o espírito de época, através de um conteúdo relevante e reflexivo. E o cinema nacional viveria o dilema entre gerar produtos com esses aspectos, capazes de provocar interesse por parte dos curadores internacionais, e o risco de produzir narrativas que não encontrem eco nas audiências nacionais, em busca de filmes mais escapistas, que lhes ofereçam na tela o descanso que buscam da realidade que confrontam no cotidiano.

Segundo Ketzer, esse escapismo da audiência brasileira explicaria em parte a persistência nas produções audiovisuais de uma estética distante do Brasil real. Perguntado sobre o que seria necessário para o brasileiro criar sua própria cultura audiovisual, Teixeira resumiu de forma contundente: "autocrítica". Para o produtor, a ausência dessa autocrítica e da capacidade de “vestir as sandálias da humildade” estariam na raiz de grande parte das tentativas frustradas de migração de roteiristas e diretores do mercado de publicidade para o de cinema, e vice-versa. “Há uma diferença muito grande entre roteiristas de cinema e publicidade. O tempo de escrita é muito diferente. Publicitário escreve comercial alongado. É clipado, editado, não há respiros. Saber se comunicar em 30 segundos é brilhante. Mas é muito diferente escrever para 30”, 60”, 2’, e para uma história de cinema de 30’, 60’, 90, 120’, 150’".

Exercendo a autocrítica, Ketzer encerrou a conversa com uma provocação: "Não é porque nós, publicitários, roteirizamos e filmamos muito que sabemos fazer entretenimento maior. A construção do ego no mercado faz com que não estudemos mais o cinema, achando que podemos fazer com o que já sabemos. Temos que ter a humildade de estudar constantemente e não cair na armadilha de achar que o mundo começa quando a gente nasce."

Mônica Charoux

 

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