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Festival do Clube 2021

E se não cuidarmos da Amazônia?

27.09.21

Apesar do desmatamento crescente, mais de 80% da floresta amazônica continua de pé. Não deixa de ser uma boa notícia, mas não significa que podemos ficar de braços cruzados, pois ela só “funciona” se estiver em bloco, não fragmentada. Além de todos os benefícios ecossistêmicos de se manter a mata nativa, há inúmeras vantagens econômicas pouco exploradas, sem contar os aspectos sociais e culturais. Para quem estamos perdendo esse patrimônio todo? Quem ganha com o desmatamento da Amazônia?

A questão foi foco de um debate no Festival do Clube 2021 cheio de reflexões sobre o passado e o futuro do país se atingirmos um ponto de não retorno na degradação da maior área florestal do planeta. A discussão contou com a participação do professor Raoni Rajão, pesquisador da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), que se dedica a estudar o desmatamento; da especialista em desmatamento e queimadas Ane Alencar, diretora do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam); e com uma participação especial de Carlos Nobre, climatologista e pesquisador sênior do Instituto de Estudos Avançados da USP.

Uma das preocupações de Nobre é com as políticas públicas que deveriam ser implementadas para barrar a destruição da floresta e estimular mudanças nas práticas agrícolas. “É preciso tornar a agricultura – principalmente no cerrado – mais produtiva, reduzir a área utilizada para plantio e caminhar para o desmatamento zero. Trata-se de uma meta importantíssima, tanto para evitar o colapso climático quanto para salvar a biodiversidade do local com maior diversidade de espécies do planeta”, alertou.

Em termos de legislação ambiental, nossa tradição remonta aos tempos do Império, como lembrou Rajão. Em 1965, em pleno regime militar, já se havia estabelecido que, para desmatar, era necessário ter autorização do governo e a área máxima de retirada da cobertura florestal, na região Amazônica, seria de 50% da propriedade.

O Código Florestal de 2008 estabeleceu anistia para as multas por desmatamento até aquela data se o produtor aderisse ao Programa de Regularização Ambiental. Com isso, 58% do desmatamento ilegal foi perdoado e até hoje existe pressão para novas anistias.

Desmatamento, um negócio lucrativo

Isso acontece porque tem um incentivo econômico forte – ou seja, desmatamento como forma de enriquecimento – e pela falta da presença do estado para coibir essa prática”, analisou Rajão.

Segundo ele, o negócio de quem desmata é produzir títulos de terra para vender a área e lucrar com isso. E é um negócio muito lucrativo: estudos mostram que o retorno é cinco vezes maior do que o valor investido para limpar o terreno, o que custa centenas de milhões de reais. “Esta é a questão chave”, afirmou.

Um estudo liderado pelo pesquisador da UFMG (“Rotten Apples”, publicado em julho de 2020 na revista Science) mostrou que 90% dos produtores não desmataram após a promulgação do Código Florestal. Dos que o fizeram, o grosso está concentrado em apenas 2%. “São grandes grupos, que mobilizam recursos substanciais para desmatar, trazendo grande prejuízo para a sociedade”, apontou Rajão.

Os pesquisadores calcularam os efeitos econômicos a longo prazo do crime: até 2050, quem está desmatando vai ganhar US$ 20 bilhões. Já a agropecuária terá, só com a alteração do regime de chuvas, um prejuízo de US$ 180 bi.

Tipping point

A combinação de mudanças climáticas globais, que geram secas extremas, mais a fragmentação da mata, que vem aumentando rapidamente, traz riscos sérios para a sobrevivência da floresta, lembrou Nobre, ao questionar Ane Alencar sobre o quão perto estamos do ponto de não-retorno.

Algumas áreas da região já ultrapassaram esse ponto, como o Sul da Amazônia, onde a estação seca está três ou quatro semanas mais longa. As espécies de árvores amazônicas de clima úmido têm taxas de mortalidade maior e estudos recentes mostram até áreas de floresta que já são fontes de carbono”, alertou.

Acontece que florestas úmidas não queimam espontaneamente. Segundo Ane Alencar, só com uma seca muito extrema se atingiria um ponto de ignição natural de fogo para queimar uma floresta tropical. “Nos últimos 36 anos, 41% da área queimada no Brasil foram na Amazônia. Como se explica isso se floresta úmida não queima? É porque são as pessoas que estão queimando, esclareceu.

A Amazônia tem de ser pensada como um bloco que presta serviços ecossistêmicos. Todas as ações que o Brasil fizer têm de ter em primeiro lugar a redução do desmatamento, porque ele representa 44% das emissões de gases do efeito estufa do país.

Reduzir a devastação da floresta não é impossível. Entre 2005 e 2012, a diminuição do desmatamento foi de 80%, segundo a especialista. Para ela, podemos fazer muito, começando por limitar o uso do fogo como recurso na agricultura e pecuária.

Faz todo o sentido, para o Brasil, reduzir as emissões de carbono. Além de contribuir em escala global para combater a mudança climática, garantimos chuva para nós mesmos e preservamos uma verdadeira arca de Noé de recursos de biodiversidade que podem gerar muita riqueza no futuro. São benefícios que fazem com que desmatar seja prejudicial ao próprio país”, finalizou Rajão.

Repique

Ao comentar as questões levantadas pelos especialistas, os participantes do Repique – formato que permite a troca de ideias a respeito de um painel – enfatizaram o papel da comunicação e da mobilização da sociedade para forçar as lideranças do país a se comprometerem com a preservação da floresta.

Precisamos desse poder de mobilização. Em comunicação, às vezes, ficamos distantes de divulgar a necessidade de envolvimento. Não é só doação ou ação pessoal, mas aderir a movimentos que realmente consigam trazer grandes ganhos, pontuou Rui Branquinho, sócio e CCO da GiveBack.

A falta de envolvimento do brasileiro com questões coletivas é um dos problemas, na visão do copresidente e CCO da LBTM, Marcelo Reis, que participa de um movimento pela recuperação do rio Pinheiros, em São Paulo. “Quando começamos o movimento para colocar o rio na mídia, percebemos que não temos essa relação coletiva. Está enraizada na sociedade a incapacidade de trabalhar com o coletivo. Muitas marcas atuam em diversas causas conectadas com sua atividade, mas não dá para pedir a elas que sejam porta-vozes de um grande movimento a favor do meio ambiente quando a própria população não se engaja”, criticou.

Para o diretor-executivo de criação da Talent Marcel, Otavio Schiavon, é possível reverter a situação se houver empenho e vontade. Usando como exemplo o home office, Schiavon lembrou que, quando a prática se tornou inevitável, as pessoas fizeram acontecer – e rápido. “O mesmo acontece com o tema da economia circular e colaborativa, que já está em pauta há algum tempo. Temos de entender que todos devem participar para melhorar o meio ambiente.”

Uma grande contribuição do mercado publicitário nesse sentido é a educação para um comportamento de consumo consciente. “Não dá mais para fazer campanha estimulando o consumo pelo consumo. Temos de dar voz às empresas que fazem um trabalho confiável, que vão atrás da origem do produto, de onde vem a energia que elas usam, que cuidam da comunidade em seu entorno. Não é apenas ganhar dinheiro. As empresas têm de construir algo mais”, defendeu a diretora de criação da Africa, Sibely Silveira.

Eliane Pereira

Todos os painéis do Festival do Clube 2021, realizado entre os dias 22 e 23 de setembro, foram transmitidos pelo Globoplay. O evento deste ano foi gratuito.

Reveja a programação completa aqui.

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