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Festival do Clube 2021

Burnout, um problema coletivo, não individual

18.10.21

A expressão “se matar de trabalhar” nunca fez tanto sentido. Não é apenas impressão geral: segundo especialistas, a síndrome de burnout (que é quando a pessoa adoece por conta do excesso de trabalho) prosperou durante esse ano e meio de pandemia. Estamos mais doentes e, o que é pior, romantizamos a exaustão. Ela deixou de ser um sinal de alerta e passou a ser uma espécie de símbolo de prestígio. O recado foi dado em painel do Festival do Clube de Criação 2021.

Nós nos acostumamos a achar bonito falar ‘nossa, estou tão sem tempo, ando tão ocupada, o dia está uma loucura’. Até o adoecimento ganhou um tipo de status – virou burnout. Precisamos dar nome às coisas: é exploração, falta de limite, adoecimento social”, apontou a psicanalista e escritora Elisama Santos, participante da mesa “Na boca do burnout: comunicação não-violenta e códigos pós-pandêmicos”.

Burnout é uma doença, um conjunto de sinais e sintomas que não se curam com alguns dias de folga, e sim com mudanças reais na forma de se levar a vida e de gerir nossa relação com o trabalho. “Sobretudo, temos de aprender a valorizar o que não é trabalho”, disse o psicólogo Alexandre Coimbra Amaral, autor do recém-lançado “Exaustão no topo da montanha”.

A romantização do cansaço extremo como símbolo de sucesso está presente nas organizações, confirmou a diretora de recursos humanos da Wunderman Thompson, Adriana Massari. Lidando com uma equipe cuja idade média gira em torno dos 27 anos, ela contou estar vendo como os jovens estão adoecendo pelo excesso de informações, de obrigações e pelas limitações impostas pelo isolamento social.

As pessoas não estão entendendo o que é o burnout. Acham que é só ficar uns dias em casa e depois voltar à rotina. Temos de trabalhar na raiz da questão, que está ligada a problemas organizacionais, de liderança, de gestão do tempo”, analisou.

Para o cientista social Dominic Barter, a pandemia colocou em destaque um desequilíbrio, que já vinha se fazendo sentir, entre o tempo dedicado às atividades pessoais e profissionais. “O tempo relacional foi ‘comido’ pelo tempo produtivo, que exige cada vez mais de nós. Parte disso tem a ver com o modo como administrarmos nossa disponibilidade perante o mundo”, afirmou.

Os recursos tecnológicos à nossa disposição podem agravar o quadro pois, graças a eles, muitos encontram dificuldade em distinguir quando estão disponíveis para o trabalho e quando não estão. Para Barter, a pandemia nos proporcionou uma oportunidade para dar uma pausa e nos perguntarmos se é essa a vida que queremos e se é sustentável viver assim.

A exaustão e o burnout são como os novos deuses da nossa época. Somos regidos pela obsessão por produtividade e pela nova palavrinha da moda, que é engajamento”, afirmou Coimbra. Na sua leitura, vivemos em um ambiente cultural que considera a pausa como um demérito, uma desvantagem competitiva, em vez de um direito do ser humano.

Causa e consequência

Embora empresas e profissionais, individualmente busquem soluções para o problema, ele continua causando vítimas. “A origem do burnout está na sociedade, no todo, ou está dentro de nós, como reação a essa sociedade?”, questionou o jornalista Felipe Turlão, moderador do painel.

Para Dominic Barter, dizer que o burnout é o problema é correr o risco de imputar a falha à pessoa que adoeceu. Ele acredita que a melhor abordagem é as empresas voltarem o olhar para o ambiente interno e se perguntarem o que podem fazer para melhorar a qualidade de conexão e entendimento entre seus colaboradores.

Segundo ele, aumentar salários, além de um luxo reservado para poucos, não é suficiente para nos compensar por aquilo que estamos passando. “É um momento crítico e potencialmente muito proveitoso, em que começamos a entender que o burnout é o reflexo de um desequilíbrio. A responsabilidade de responder a esse desequilíbrio não é só de cada um, mas do todo.”

Individualmente, somos capazes de pensar em estratégias que reduzam a “contaminação” por um sistema viciado. Mas não há como fazer isso se não nomearmos os problemas que estamos vivendo como sociedade, afirmou Elisama. “Quando o indivíduo falha, é porque a sociedade falhou com ele antes. Estamos adoecendo porque a sociedade falhou conosco há muito tempo”, apontou.

Eliane Pereira

Todos os painéis do Festival do Clube 2021, realizado entre os dias 22 e 23 de setembro, foram transmitidos pelo Globoplay. O evento deste ano foi gratuito.

O conteúdo do Festival já está disponível na plataforma de streaming. Até o dia 27 de outubro - acesse a partir daqui.

Reveja a programação completa aqui.

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