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O Espaço é seu

Do Ercílio (Tranjan) para o Vinicius (Gagliardi)

28.03.20

Vinicius

Como o Tom dizia daquele outro Vinicius, o de Moraes, o nosso Vinicius não era um só. Senão, seria Vinício. O Vinicão era muitos, plural como o nome pede: de músico, pianista de gosto e toque refinados, a jogador da seleção paulista de vôlei (ofícios de resto incompatíveis), passando por criador, roteirista, apresentador, ator, amigo. Haja Vinicius pra se contar.

Assim, eu o conheci de conhecê-lo. Pela televisão. Era o comercial de lançamento da Variant, perua da Volkswagen. Ele era o ator. O Diretor era o Julinho Xavier. O filme brincava com o fato sabido de que o Fusca tinha motor atrás. Filme de ideia. Roteiro simples, vendendo as qualidades, o excepcional espaço da Variant no porta-malas. Mas o motor, “onde está o motor?” perguntava o aparvalhado apresentador, com aquela cara de pasmo que só o Vinicão sabia fazer. Inesquecível.

Anos depois, trabalhamos juntos na MPM de tantos talentos. Foi logo depois de ele, de novo ator, fazer o personagem de um outro genial comercial do Fiat 147. Neste, ele, na porta de casa fica assistindo à sua mulher, que retira incontáveis malas de um enorme carrão e as coloca no Fiat. Ele, de novo, o olhar aparvalhado, sem dizer palavra. Ela está indo embora de casa, e faz um discurso sobre a sua indiferença. Ela (depois que colocou todas as malas no Fiat): “E você não vai dizer nada?” Ele: “Como é que coube tudo isso aí dentro?”. Criação imortal do imortal Sylvio Lima. E neste, o plural Vinícius dirigiu Vinícius.

Começa nossa parceria, com toda uma equipe, que está em vários Anuários, e que resultou em outros tantos leões. Mais por culpa dele. Criávamos juntos, ele dirigia sozinho. Lembro de alguns: comercial para Anador, em que o menino pergunta à mãe se ela está com dor de cabeça. Ela diz que não. O menino dá a ela um Anador e fala: “Mas se ficar, toma um Anador”. E ele entrega para a mãe o boletim. Outro, para a coleira anti-pulgas da Bayer: o orgulhoso dono de um cão vai exibir seu cachorro para a câmera. Ele ordena ao cão: “Deita”. O cachorro, nada. “Pula”. Nada. Mais ordens. O cachorro não se abala. O dono vira para a câmera, desafiador, não se dando por vencido: “Em compensação, ele não tem pulga”. No papel do dono, lá estava Vinícius, que também assinava a direção.

Tem mais. Ele de novo, criando comigo, dirigindo, interpretando. É um quartel. O corneteiro (ele) toca o “toque de despertar”. A soldadesca segue dormindo. O corneteiro faz expressão de “Ah, é?” e muda o toque. Agora, ele toca a música que já era famosa do Café Seleto. A soldadesca acorda rápido. Curioso é que esse filme ganhou leão de prata e foi muito aplaudido em Cannes. Ou seja: a ideia era clara mesmo pra quem não conhecia a música (que, à época, era o chamado “chiclete de ouvido”, aqui no Brasil).

São histórias sem fim, que inventamos e vivemos juntos. E continuamos a vivê-las na Almap dos anos 1980. Fomos pra lá em turma: nós dois, Gibinha e Helio. Todos saídos da MPM. Juntou-se a nós o Adilson Ferrari, vindo da DPZ.

Habitávamos a mesma sala. Criávamos em quadrilha. Vinícius era um repentista. Roteirista dos melhores que eu conheci, criador de dar inveja. E insuperável na arte de contar histórias. E de contar roteiros para os clientes. Aqui vai uma história que ilustra isso: filme para o novo Passat. Vinicão tem a ideia, conta pra nós. A gente aprova na hora, acrescenta uma coisa aqui, outra ali. E pronto. Vinicão apresenta ao cliente. Que morre de rir e também aprova na hora. Vinicão filma. Vamos ver na velha moviola. Decepção total. Nossa (Giba, Hélio, Adilson, eu) e, logo depois, do cliente. Recusado por unanimidade. Tem que refazer. Nós e o cliente: “Você contando era muito mais engraçado”. Quer dizer: estava dada a ordem: refaz, com você de ator.

O filme, pra quem não se lembra: Vinicão vai mostrando o novo Passat para um cidadão, que está passado, com ar de culpa: “Vem cá, dá uma olhada na frente desse carro...agora,. vem ver o interior...que beleza de painel” e por aí vai, vendendo a nova estética do carro. Até ir para a parte de trás, onde ele conclui, mostrando um leve arranhão: “E você vem e me bate?”. Nisso, chega um guarda, quer saber o que houve. Vinicão recomeça: “Seu guarda...dá uma olhada na frente desse carro...”.
Assina.

Nova moviola. Cliente aprova, às gargalhadas.

E vida que segue: mais roteiros, mais risadas, mais prêmios. Outro em que ele atua, desta vez para o Gol com novo motor 1.8. O Gol ao lado de um Fórmula 1. Entre os dois carro, Vinicão. Que faz uma comparação entre os dois, mostrando as vantagens do Gol. Até concluir: “Ah, pra correr? Pra correr esse aqui é imbatível...” mostrando o F1.

Mas como eu dizia, são histórias sem fim, são Vinícius sem fim. Vinícius está, de um jeito ou de outro, em dezenas de comerciais premiados. Intencionalmente, eu privilegiei comerciais em que ele, além de participar da criação, ou de dirigir, também interpretou.

Porque o Vinicius, que era tantos, era único na hora de contar uma história. E de alegrar uma sala. Não só a do amigo telespectador. Mas a de quem estava ao lado dele. O inesquecível Vinícius nosso de cada dia.

Mas isso é outra longa história que fica para outra vez.

Ercílio Tranjan

Leia sobre o falecimento de Vinícius Gagliardi aqui.

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