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O Espaço é Seu

Pessoas com deficiência não estão nas campanhas (Ana Clara Schneider)

29.11.23

Criatividade e representatividade de pessoas com deficiência - é possível unir as duas? Spoiler: Sim.

Sabemos o quanto a publicidade é capaz de provocar emoções, conexões e mexer no imaginário popular. Seja por meio de mensagens, imagens e até mesmo personagens e slogans, nos identificamos e geramos o desejo de consumir determinado produto ou serviço. Por isso, é preciso considerar a representatividade dentro da publicidade. Há alguns anos, um movimento forte tem debatido o assunto, mas pouco ainda se fala sobre a representatividade de pessoas com deficiência.

Desde 2015, a ONU Mulheres, por meio do Aliança Sem Estereótipos, vem mapeando a representatividade dentro da publicidade. Dados divulgados na pesquisa mais recente apontam que, dos anúncios analisados, apenas 1,2% mostravam pessoas com deficiência. É um número expressivamente baixo, ainda mais considerando que 18,6 milhões de brasileiros têm algum tipo de deficiência. A publicidade ainda não percebeu o potencial de compra, o desejo e, principalmente, os direitos destes consumidores. Representá-los é socialmente justo e estrategicamente imprescindível para um bom plano de negócios.

Apesar de parecer um debate recente, a inclusão de pessoas com deficiência na publicidade não é nenhuma novidade. Ela já vem sendo discutida por especialistas no Reino Unido desde a década de 1980. A organização britânica King’s Fund promoveu há mais de 30 anos os encontros “They are not in the brief” (Eles não estão no briefing) e “Putting people in the brief” (Colocando pessoas no briefing) para debater esse tema.

They aren't in the brief” é, inclusive, o título de um artigo publicado em Londres no ano de 1989. O texto aborda exatamente a falta de representatividade de pessoas com deficiência na propaganda. O artigo, que deveria fazer parte da grade curricular nas nossas faculdades de comunicação, foi escrito por Colin Barnes, um dos fundadores do modelo social da deficiência e grande teórico sobre a inclusão dessas pessoas na mídia.

Por ter liderado essa conversa, não nos surpreende que um dos primeiros grandes cases de campanha tenha vindo do Reino Unido, quando o Channel 4, que transmitiria os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2012, lançou o filme “Meet the Superhumans” (assista aqui). Embora a abordagem de super” seja problemática por reforçar um discurso de superação considerado capacitista, o principal resultado estava na produção do filme. O comercial quebrou paradigmas, com cenas, trilha, locações e edição dignas de campanhas de marcas esportivas – e, com isso, conquistou o GP de Film Craft no Cannes Lions.

A campanha foi um investimento desproporcional - na época - para os Jogos Paraolímpicos, historicamente vistos como uma “versão menor” da Olimpíada. Naquele ano, Londres comercializou 2,8 milhões de ingressos para os Jogos Paraolímpicos, recorde da competição e primeira vez que alguns ingressos esgotaram. Isso mostra como a publicidade tem o poder de mexer ponteiros reais na construção de uma imagem na sociedade.

Mas sabemos que ainda são muitos os estereótipos e falta de informação. Ainda há um longo caminho a ser trilhado. Muito do que é mostrado em campanhas dos Estados Unidos, por exemplo, associam as pessoas com deficiência apenas ao mercado de saúde, farmácia e cuidados, sem considerar que são indivíduos que consomem todos os tipos de produtos.

A verdade é que poucos são os debates sobre a inclusão e representatividade das pessoas com deficiência na mídia. Já percebeu que, normalmente, ao se discutir representatividade de grupos minorizados, as pessoas com deficiência são muitas vezes excluídas?

Qual a última campanha brasileira que você lembra com uma pessoa com deficiência? Percebo que são poucas as agências e anunciantes que pensam essa representatividade no planejamento. Mas é preciso entender que, a partir do momento que os profissionais da comunicação passarem a considerar a representatividade nas campanhas, vocês ganharão oportunidades incríveis de alcançar ainda mais consumidores e chegar a lares, famílias e pessoas de todas as classes sociais e lugares.

Ao incluir a representatividade no planejamento, é possível gerar conexão e reconhecimento de marca para mais pessoas. Aqui no Brasil, por exemplo, o BK lançou um comercial com uma pessoa cega como protagonista (leia e assista aqui). A campanha foi um marco na TV brasileira, porque, além da representatividade, a marca se preocupou com a acessibilidade, sendo esse o primeiro filme publicitário com audiodescrição aberta na TV. Com isso, pessoas cegas foram impactadas e tiveram acesso ao conteúdo do comercial. Esse é um case de sucesso, porque, além de ser acessível, ele traz a representatividade de pessoas com deficiência.

Um fato curioso e que gerou ainda mais valor para a marca foi que as pessoas me perguntavam o que significava a “coroado BK mencionada no filme (por conta da acessibilidade). Um símbolo tão conhecido, mas que ainda não havia sido apresentado para pessoas com deficiência visual. Percebem? Eles podem até conhecer a marca, mas não há uma conexão. Ao considerar a representatividade, a marca cria essa relação ainda mais próxima.

No dia 03 de dezembro é celebrado o Dia Internacional das Pessoas com Deficiência. Que tal tornar essa data um ponto de partida para começar a fazer algo que as represente de verdade? Busque por palestra e debates. Se for da sua alçada, ofereça essa oportunidade para o seu time, procure levar a conscientização sobre o tema durante todo o ano, para que isso se reflita em mais e mais campanhas que ofereçam a representatividade de que tanto falamos aqui. Lembrando que esse não deve ser o único momento do ano a se pensar nisso. De acordo com o IBGE e a Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (SNDPD/MDHC), 8,9% da população brasileira é formada por pessoas com deficiência. São os 18,6 milhões de pessoas que mencionei anteriormente.

Além de te convidar para considerar a representatividade, vou além: convido às agências e empresas a considerar uma parcela do budget de 2024 para investimentos relacionados à acessibilidade - principalmente para consultorias e produção. Quanto maior antecedência, menor a resistência sobre o assunto. Mas não faça isso apenas por fazer, ou de qualquer jeito. Procure uma consultoria especializada no tema. Conte com profissionais que já possuem conhecimento sobre o assunto e pessoas com deficiência envolvidas durante todo o processo: desde a concepção da ideia até a publicação. Que a representatividade de pessoas com deficiência aumente na publicidade brasileira.

Ana Clara Schneider, fundadora e diretora executiva da Sondery

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