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O Espaço é Seu – João Nuno

'Só havia uma pessoa no mundo para fazer este filme: eu'

02.10.15

Fazia 4 dias que aquele pequeno ser tinha chegado em casa. O que ele tinha de frágil tínhamos nós de insegurança. Tudo na casa respirava amor e confusão e nós, pais de primeira viagem, ainda tentávamos entender a real dimensão da bela encrenca em que nos tínhamos metido. E foi no meio desse delicioso caos metafísico que meu celular tocou. Do outro lado estava Mari, atendimento da Delicatessen, me pedindo desculpa por interromper esse momento tão sagrado, mas tinha um roteiro que gostava e queria que eu lesse. Não sei como vou explicar a sensação que vivi naquele momento: eu estava nas nuvens, flutuando em redor do pequeno recém-nascido, quando aquela chamada me trouxe de volta à Terra como a descarga de um raio que nos cai na cabeça. Mari teve a paciência de me ouvir durante um tempo, mas no final aceitei que me enviasse o dito roteiro. Ah, se eles pensam que vão me arrancar de casa num momento destes, pensei eu. Nada me fará abandonar o meu pequeno Sebastião! Mande lá o roteiro, Mari, que o devolverei com a mesma rapidez e alegria com que vou à farmácia comprar fraldas para o pequeno cagão que mora em casa!

E foi então que o li. E nesse momento percebi que só havia uma pessoa no mundo para fazer esse filme, e essa pessoa era eu. Me identifiquei totalmente com o roteiro: um filme que falava da renovação, de fazer do velho novo e de cada dia um novo começo. Saber que nada é perfeito mas tentar enxergar o belo, o lado bom da vida, e acreditar no futuro. Eu estava vivendo esse momento. Sebastião me trouxe essa energia, essa renovação e vontade de fazer melhor. Ele nasceu num dia que não era 31 de dezembro, mas para mim foi como se o Ano Novo tivesse chegado a meio do ano. Me sentia renovado e com um sentimento inexplicável de querer fazer bem, fazer melhor. O roteiro falava desse sentimento passado para o écran, no formato de uma campanha de publicidade. Não havia coincidência: o universo me colocou esse roteiro nas mãos para eu ter oportunidade de partilhar com as pessoas o que eu estava vivendo e com isso ajudá-las a acreditarem num futuro melhor. Tinha que ganhar essa concorrência!

E ganhei. E nesse momento me transformei no homem polvo, tentando dar todo o apoio em casa e fazendo tudo para produzir uma campanha inesquecível. Não é fácil assumir a pele de um cefalópode, mas a paternidade dá-nos de fato superpoderes, como pude confirmar em mais do que uma ocasião durante todo processo. Estes filmes tinham que ficar irrepreensíveis. Não só pela responsabilidade da mensagem, nem apenas pelo desafio de estar à altura da extraordinária visão de criativos ousados e exigentes - mais do que isso, estes filmes eram o legado que eu queria deixar para o pequeno Sebastião e para todos os Sebastiãos e Sebastianas que tinham nascido e mereciam um futuro melhor. E foi assim que abracei o projeto, com a força de quem abraça uma causa, acompanhado por criativos parceiros e uma equipe talentosíssima e dedicada.

O grande desafio do roteiro era o de como passar essa energia da renovação, esse novo olhar sobre as mesmas coisas e encontrar o tom certo para passar a mensagem. Se o texto carregava consigo a parte racional da campanha, tinha de encontrar a forma de tocar emocionalmente nas pessoas. E isso só o conseguiria através de imagens lindas, poéticas e verdadeiras. Foi um processo de constante descoberta durante as filmagens, da sensibilidade com que a câmera olha para a cena, da escolha do elenco certo, não por ser o mais bonito ou estereotipado, mas por ser o mais verdadeiro. Foi nesse processo de descoberta e constante troca, que chegamos à decisão de, no segundo filme da campanha, usar só retratos de pessoas, pois a dignidade e esperança de nossa mensagem estavam cravadas naqueles olhares tão incisivos para a câmera. Era o complemento perfeito que buscávamos para a mensagem do primeiro filme.

E depois havia os fogos. Muitos fogos. Queríamos fazer algo grande, inesquecível, para fechar com chave de ouro nossa campanha e celebrar esse Ano Novo, que se quer todo o dia. E foi de fato uma produção épica filmar aqueles fogos. Mais de 1000 fogos lançados em duas noites, chegamos a ter sete câmeras filmando em simultâneo - uma delas uma Phantom, rodando a 500 quadros por segundo, e dois drones no ar, filmando simultaneamente. Apenas por curiosidade, o apelido de um dos drones começou por ser o de drone Kamikaze, pois ele voava perigosamente no meio dos foguetes, e terminou como drone Ninja, quando chegou ileso ao final das filmagens. Era esse o nosso grau de envolvimento com o projeto, uma equipe ninja que deu tudo para fazer o melhor filme possível, pois todos acreditávamos na importância desta mensagem.

Durante mais de um mês me dediquei a este projeto, carregando simultaneamente a culpa de estar trabalhando num momento que deveria estar mais em casa, cuidando do meu filho e ajudando minha mulher. Mas, enquanto homem apaixonado pela vida, há filmes que simplesmente fazem sentido e temos de fazer. E este era um deles. Minha mulher segurou as pontas lá em casa e hoje tento ser o pai mais presente do mundo. E tenho a certeza que um dia, o Sebastião, o garoto mais incrível do planeta Terra, ficará orgulhoso do trabalho do papai e dos seus colegas.

João Nuno, sócio e diretor de cena da Delicatessen Filmes

Assista ao filme "Todo dia é Ano Novo", criado pela Africa para Brahma, aqui.

 

O Espaço é Seu – João Nuno

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