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SxSW 2022

Como desmantelar a economia da desinformação

13.03.22

O Sleeping Giants é uma das mais populares iniciativas que atuam contra a proliferação de sites com discursos de ódio ou que propagam fake news. A maneira que encontrou para combatê-los foi agir sobre a monetização, o que fez ao pressionar as marcas, questionando-as pela publicidade veiculada nesses endereços. Mas há outros trabalhos sendo desenvolvidos contra a crise de desinformação em que vivemos. É o caso do Check My Ads Institute, um esforço independente lançado por uma das fundadoras do Sleeping Giants e que ganhou palco no SxSW 2022, Nandini Jammi.

Ela juntou a visibilidade e a experiência adquirida com o projeto à expertise de Claire Atkin, especialista em brand safety e publicidade digital, para iniciarem uma desafiadora jornada contra o que chamam de economia da desinformação. E elas encampam essa batalha por meio do Check My Ads, que pretende fazer com que o mercado de adtech seja reformulado com um novo padrão de publicidade digital, trazendo mais transparência e eficácia para as campanhas.

Antes, Nandini contou sobre o trabalho feito com o Sleeping Giants, que era para ser um projeto de duas semanas, em 2016, e se transformou em um movimento que se ampliou para outros países, inclusive o Brasil. Já o Check My Ads surgiu em 2020. E já veio com uma missão ambiciosa: desmantelar a cadeia econômica que sustenta desinformação no mundo digital. “Nós acreditamos que a maior crise de nossa geração tem solução”, disse Nandini.

De acordo com ela, essa crise tem nos quebrado, das nossas relações às nossas comunidades. E ameaça a democracia. “Mas esta coisa assustadora está instalada sobre algo que está diante de nós: a publicidade digital. Neste ano, anunciantes vão investir cerca de US$ 700 bilhões em campanhas e uma parte desse dinheiro vai para o bolso dessas operações ligadas à desinformação”. Nandini ponderou que esses montantes trafegam por meio de adtechs. Daí porque consideram importante atuar sobre esse segmento.

Claire, por sua vez, observou que muita gente pode pensar no Facebook pagando para esses sites, mas a questão está nas ad exchanges. Como disse, são elas que têm relações com essas empresas que publicam conteúdo nocivo. Por que isso acontece? “É uma maneira muito fácil de ganhar dinheiro”, afirmou. Esses sites – que não funcionam como redações jornalísticas e não têm responsabilidades sobre o conteúdo veiculado – costumam apoiar seus semelhantes e desse modo eles têm construído seus negócios com campanhas que circulam em suas páginas.

Para demonstrar que a luta contra a economia da desinformação pode ser difícil, mas traz resultados para a sociedade, as cofundadoras do Check My Ads apresentaram um caso envolvendo o apresentador Dan Bongino, da Fox News. Nandini contou que, dias após uma lei antiaborto ser aprovada no Texas, ela escreveu um tweet para a Warby Parker, e-commerce de óculos. Tinha visto uma campanha da marca ser veiculada em um site controverso e de conteúdo extremamente conservador. Nandini perguntou para a Warby Parker se ela queria mesmo estar naquele lugar. A resposta foi “não”. O anúncio tinha parado lá por uma decisão de terceiros. E a veiculação da campanha no site foi bloqueada.

Bongino reagiu, apelando a seu público. Ele disse que quem fosse “a favor da vida” não seria desejado como cliente pela Warby Parker. E incentivou seus seguidores a escrever repetidamente para a fabricante de óculos, a tuitar a respeito, a inundar de queixas os serviços da marca. Era a maneira de mostrar seu poder.

Mas o discurso de ódio e as atitudes do apresentador, que, entre outros assuntos, transmitia informações erradas sobre a covid-19, também começaram a ser salientados para as marcas, o que fez com que Bongino passasse a perder anunciantes. Mas a decisão mais impactante foi a suspensão de seu canal no YouTube por ele persistentemente violar as diretrizes da empresas em relação à veiculação de conteúdo enganoso sobre a pandemia, dizendo que máscaras não protegiam contra o vírus, por exemplo. Mas anúncios continuavam gerando dinheiro para o apresentador por meio de publicidade em seu site. As ativistas questionaram o Google a esse respeito. Se no YouTube, um de seus produtos, Bongino estava banido, como poderia continuar validado em outros produtos da companhia? Depois disso, o Google resolveu suspender a monetização do site do apresentador.

A ilusão das palavras

Nandini e Claire observaram que, para dar segurança às marcas, as adtechs criaram soluções que prometiam controlar a veiculação de campanhas em sites com conteúdo que fosse prejudicial para as marcas. Assim, foram geradas blocklists, baseadas em palavras-chave, e controle de contexto. Muitas palavras se relacionavam com violência, terrorismo, sexualidade, sangue, armas.  Depois que o Sleeping Giant passou a atuar, as empresas de publicidade digital passaram a sugerir para seus clientes que a lista de conteúdo bloqueado incluísse histórias tristes e ruins.

Um caso verídico mostra como esse controle para supostamente garantir a segurança das marcas é uma ilusão. Segundo Claire, em 2018, após o assassinato em massa em uma escola de Parkland, na Florida, em que morreram 17 pessoas, anunciantes e suas agências passaram a bloquear palavras como Parkland, Florida, escola. Campanhas não seriam veiculadas em nenhum site que tivesse esses termos. “Mas quem precisava usar essas palavras eram os jornalistas. Por isso, por causa dessa prática de bloqueio de termos em períodos de crise, as marcas estão bloqueando anúncios da cobertura jornalística”, alertou.

Claire deu outro exemplo de como a estratégia de bloqueio por palavras pode ser prejudicial para a população. No início da pandemia, com uma notícia ruim de amplitude global começando a assustar muita gente, entraram para a lista de bloqueios das campanhas as palavras coronavírus, pandemia e covid-19. “Mas as notícias ligadas a isso eram para ensinar à população como se proteger”, emendou. Isso impediu que o dinheiro da publicidade fosse mais dirigido para os veículos jornalísticos.

Como se vê, o tema traz diversos desafios para os anunciantes. Um deles é que eles não conseguem checar suas campanhas, como apontam as ativistas. São fornecidos dados como impressões e CPMs, mas relatórios mais detalhados ainda faltam, afirmou Claire. Mas, já que essa é uma luta que vale encarar para desmantelar a economia da desinformação, é preciso insistir em mudanças na maneira como o mercado de adtech atua, acreditam as cofundadores do Check My Ads. E as marcas podem insistir em saber para onde, afinal, está indo seu dinheiro.

Clubeonline está no SxSW 2022 por conta do patrocínio de Africa; Arena; Beats; Chucky Jason; Live; Mutato; Netza&cossistema; New Vegas; 99; Publicis Brasil; Smiles e Soko.

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