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Um brasileiro em Lisboa

Erick Rosa: quatro textos

10.09.10

o adoçante de bolinha e o esquema do café.


em portugal, adoçante existe no formato de bolinha. não é o pó ou a gota como no brasil. até tem o pó, se você procurar. mas o esquema da bolinha predomina. imagina uma bolinha do tamanho de um arroz, só que redonda. duas bolinhas têm o poder de adoçar igual a um saquinho de adoçante do brasil. três bolinhas, umas nove gotas de adoçante. é mais ou menos por aí. o engraçado do esquema da bolinha é que o pessoal do café aqui não coloca na mesa como no brasil. você pede um café e vem sempre com um saquinho de açúcar ao lado. a moça do outro lado do balcão não coloca os dois, o açúcar e o adoçante. apenas o açúcar. bom, e aí, só se você pedir é que a moça retira o saquinho com o açúcar e coloca no lugar um saquinho com duas bolinhas. acho que a ideia, o jeito de lidar com as bolinhas de adoçante tem uma razão. com adoçante, o café realmente fica pior. os puristas argumentam até que fica uma droga. então, cheguei à conclusão de que o português que trabalha num café está apenas sendo gentil. ele espera até o último minuto para te dar um adoçante. ele tem, mas quer te dar a chance de saborear um café (que é muito bom aqui, por sinal) sem a bolinha ferrando o sabor. o adoçante de bolinha e o café português não foram feitos um para o outro. só se você insistir bastante.
 
barba por fazer e o emprego.


deixei a barba por fazer como quem quer parecer que não faz a barba desde segunda. isso, se for quarta-feira. aquela barba de dois, dois dias e meio. emagrece, alguém me disse: "vai por mim, perdi quase um quilo quando deixei a barba assim". ou pelo menos é o que algumas pessoas acham. bom, e lá estava eu hoje andando pelo bairro do chiado aqui em lisboa, depois do almoço com a minha mulher, quando ela encontrou um conhecido. me apresentou. aperto de mão. olá. olá. tchau. tchau. e, quando estávamos nos despedindo mesmo, nos finalmentes, cada um para um lado, ele para a direita da rua e nós dois para a esquerda, ele comenta baixinho, educadamente, com a minha mulher: "é, o seu marido está precisando de um emprego. eu conheço algumas pessoas". ela agradeceu e disse que não, que eu estava empregado e tal. e foi aí que descobri que a barba de dois, dois dias e meio tem dois efeitos. primeiro, como meu amigo disse: tira quase um quilo da sua fisionomia. esconde as bochechas. e, como fui informado hoje, a barba por fazer me deixou com aparência de quem passa o dia, como diríamos no brasil, coçando o saco. num estado de férias permanente. 


as cabras e o queijo.


as cabras de portugal sabem de alguma coisa que as outras não sabem. o queijo daqui é muito, muito, muito, tipo assim, quatro muitos mais saboroso do que em outros lugares.
o queijo amanteigado, por exemplo, está ali, encostado no primeiro lugar, colado com aquele quarteirão com queijo que existe apenas e somente na memória de quando você tinha 11 anos. e depois da escola.
e o mais legal é quando você pede, sem querer, presunto, achando que vem presunto como no brasil, e vem o presunto que em portugal é o equivalente ao nosso presunto de parma. é um dos melhores erros do mundo. você, sem querer, come o queijo de cabra português com o presunto.
em alguns supermercados, é possível ver as pessoas que entendem, cheirando, apertando, levando queijo perto do olho. queijo é um negócio sério aqui. já vi pessoas brigarem por um pedaço zambers. uma tiazinha olhava para a outra e, com olhos marejados, falava em câmera lenta: "é meuuuuuu!" e, se você já comeu um dos bons, pode entender isso.
 
como investir o seu dinheiro.


aqui na leo, cada funcionário ganha um din din no fim do ano. é uma espécie de tradição. cada ano da empresa equivale a um dólar. 72 anos, 72 dólares. cada ano que passa, mais um dólar. uma tradição muito bacana se você pensar. e que acontece na véspera do natal. bom, e como os 72 dólares chegaram meio assim de presente, não sabia o que comprar. compro um presente? guardo embaixo de um colchão? alguém teve uma ideia. não sei quem foi. mas alguém teve a ideia: "e se todos juntarem o din din e comprarmos uma máquina de tirar chopp pra gente colocar na agência?" meio milésimo de segundo depois, todos concordaram com a ideia. todos. a máquina chegou. foi colocada em uma das salas de reunião. só o fato dela estar numa sala de reuniões tem um impacto psicológico impressionante. em outras palavras, se você me perguntar no que investir o seu dinheiro, eu não diria ações da petrobras ou da vale do rio doce. muito menos euro, ouro ou dólar. também não diria para você colocar em um fundo de investimento. nunca. diria que o melhor e único lugar para se colocar o seu suado dinheiro é numa máquina de tirar cerveja no trabalho. que, mesmo antes de funcionar, consegue deixar você com a estranha sensação de que não está no trabalho, por mais que tudo ao redor indique que sim.


 Erick Rosa é diretor de criação da Leo Burnett Ibéria, em Lisboa [erick.rosa@leoburnett.pt]

Um brasileiro em Lisboa

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