arrow_backVoltar

Festival do Clube 2017

Virar noites na agência? Nada substitui 6h de sono

20.09.17

Agências com ambiente “tóxico”, jornadas desumanas e sensação de que tudo é para ontem e não vai dar tempo de terminar. As reclamações são recorrentes e partem de todos os níveis hierárquicos, em todo tipo de agência. No painel “24/7: Como melhorar o dia a dia dos profissionais do mercado publicitário” bem que se tentou apontar soluções para esse problema. Mas a verdade é que há muito mais perguntas que respostas, e as iniciativas que existem ainda parecem poucas diante das queixas que circulam no mercado.

O fato é que o assunto chama tanta atenção que demanda uma nova forma de pensar as relações entre as agências e seus profissionais. Uma das notícias mais lidas no site do Clube de Criação neste ano é a da morte de um brand strategist na Ogilvy & Mather Filipinas, por supostamente ter trabalhado em excesso, mesmo doente (leia mais aqui). Foi com esse tema que o debate foi iniciado.

Segundo o psiquiatra Márcio Bernik, coordenador do Ambulatório de Ansiedade do Hospital das Clínicas de São Paulo, várias coisas podem levar a quadros de ansiedade, depressão e outras doenças da alma que viraram epidemia no século 21. Uma das principais é a quantidade de horas trabalhadas. “O número de horas de sono é um dos fatores mais importantes para a saúde mental. Por mais legal que seja o trabalho, nada substitui pelo menos cinco a seis horas de sono por noite”, garantiu o especialista.

O aviso é para ser levado em conta por gerações de profissionais que se vangloriavam de “virar a noite” trabalhando. O copresidente da Ampla, do Recife, Manuel Cavalcanti, pertencia a essa turma. Quando a agência instalou um relógio de ponto, ele foi contra. Mas a medida deu certo. Hoje, os funcionários trabalham as 44 horas por semana regulamentadas pela CLT, em esquema de banco de horas – podem trabalhar mais num dia, porém compensam esse extra trabalhando menos no outro ou acumulando horas para trocá-las por folgas.

Está funcionando e acho que é um dos modelos para se conseguir reter talentos. Apostamos que a felicidade e o bem-estar das pessoas se refletem na qualidade do resultado. Tem outras formas de ser mais produtivo do que o número de horas trabalhadas”, afirmou Cavalcanti. Uma evidência de que o esquema pode dar certo é que a Ampla foi escolhida a melhor agência para se trabalhar pelo Great Place to Work no ano passado, em uma das categorias da pesquisa realizada anualmente.

O papel dos líderes

Cultura da empresa, padrão de comportamento do chefe e número de horas trabalhadas leva ao burn out, que é quando a pessoa chega a um estado de apatia, desmotivação, descrença naquilo que está fazendo e até cinismo em relação ao trabalho. A questão da liderança é crucial: o exemplo vem de cima, para o bem e para o mal. Quando o chefe se permite sair cedo (ou num horário razoável), a equipe se sente à vontade para fazer o mesmo.

líderes “psicopatas” geram efeito contrário e são até motivo para pedidos de demissão. A Dentsu Aegis Network fez uma pesquisa que mostrou que os líderes solteiros, casados, sem filhos ou com esposas que não trabalham fora, são os mais problemáticos, porque não têm sensibilidade para as necessidades pessoais dos subordinados. “A ansiedade tem dois lados: o do cliente exigente, que muda o briefing 15 vezes, e o do gestor ‘chiliquento’, que não respeita as pessoas e as domina pelo medo”, analisou o chief talent officer da Dentsu, Claudio Neszlinger.

Mediador do debate, o jornalista Felipe Turlão questionou qual seria o “lado bom” da ansiedade. “Ela é ao mesmo tempo boa e ruim para o negócio. Na Mutato, a chegada de mulheres que são mães provocou mudanças, mas este é um mercado bastante competitivo. Achar um ponto de equilíbrio é muito difícil”, reconheceu André Passamani, sócio e COO da agência.

Bernik fez referência a um livro para falar disso: Por Que As Zebras Não Têm Úlcera, do biólogo e neurologista Robert M. Sapolsky. O autor aponta que os homens são programados para se preocupar com problemas antes que eles aconteçam – e também depois. Como qualquer animal, nós ativamos respostas fisiológicas diante de uma situação de estresse. Mas nós não desligamos esse mecanismo. A zebra, passado um ataque na savana, por exemplo, não ativa mais essas respostas porque não fica “pensando no assunto”. O psiquiatra do Hospital das Clínicas disse que o ser humano é um animal muito competitivo. Ou seja, se um colega fica mais tempo trabalhando, ele acaba ficando também.

Para Patrícia Fuzzo, diretora de recursos humanos do grupo Ogilvy Brasil, o engajamento das lideranças é fundamental. “Tive sorte porque, quando fui mãe, a Ogilvy foi respeitosa comigo. Mas se tivesse que escolher entre o trabalho e o meu filho, eu trocaria de emprego”, admitiu, ao lembrar que, para as mulheres, as implicações do overworking são ainda mais difíceis. A boa notícia é que as agências estão cientes dos problemas e procuram formas de resolvê-los. A agência lançou neste ano um programa, o Amamentáxi, que liberou táxi para que todas as mães pudessem sair na hora do almoço para amamentar os filhos.

Eliane Pereira

 

Festival do Clube 2017

/