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Festival do Clube 2017

Desigualdade nas lentes: uma questão de gênero e raça

04.10.17

Sabe-se que o ponto de vista masculino domina a produção de comerciais no Brasil, mas, quantificando-se isso, o choque fica ainda maior. A mediadora do debate “Lentes femininas no comando”, Mariana Youssef, diretora de cena da Barry Company, e uma das líderes do movimento Free the Bid - que pede que pelo menos uma mulher faça parte de cada concorrência de comerciais que acontecer -, se debruçou sobre 2.090 filmes listados nos repertórios das principais agências brasileiras. Conclusão: 1.827 foram dirigidos por homens (88%) e apenas 263 por mulheres (12%).

A divisão por categorias mostra situações extremas como a do mercado de automóveis, com 235 filmes dirigidos por homens e apenas 16 por mulheres. Ou do mercado de cerveja: 102 por homens, 4 por mulheres. A proporção melhora um pouco em beleza (227 x 35), lifestyle (529 x 83) e humor (212 x 47), mas piora em uma categoria estratégica: storytelling, 246 x apenas 6. “É a pior proporção, o que é lamentável, pois storytelling é um tipo de filme com narrativa mais parecida com a do cinema”, analisa Mariana Youssef.

Dessa forma que se iniciou uma conversa franca sobre a sub representatividade da mulher, que tentou dar um passo além em relação à média das discussões travadas até o momento, mais focadas em constatar o problema. O debate no Festival do Clube foi quente e se propôs a discutir medidas práticas para resolver, de fato, a questão.

Aparentemente, não se descobriu outra forma de incluir mulheres que não dando-lhes uma oportunidade. Parece um raciocínio simples, mas a prática está longe disso, em um mercado acostumado ao argumento do “escolho o diretor pelo portfólio e experiência”. Assim, como há mais homens, eles continuarão sendo os escolhidos sempre. “Sempre ouço pessoas em agências dizerem algo como 'eu não escolho diretor por gênero, mas por repertório'. Mas, oras, só tem repertório quem filma. As mulheres podem ter menos trabalhos feitos, mas como 'talento', não são piores. Enquanto não puderem demonstrar isso, as coisas não vão mudar”, analisa Mariana Youssef.

Algumas iniciativas tentam contornar essa lógica argumentativa. Carolina Jabor, diretora da Conspiração Filmes, falou sobre o Histeria, projeto anunciado há alguns meses. Trata-se de um braço para produção de conteúdo audiovisual a partir do olhar feminino. “Queremos dar mais espaço para as mulheres. Não é algo só da Conspiração. Estamos buscando outras parcerias”, afirma. Ela também está capitaneando um projeto sobre produção de conteúdo erótico do ponto de vista da mulher.

Vera Egito, diretora de cena da Paranoid, diz que, após iniciar um movimento para colocar mais mulheres na sua equipe e na equipe de colegas, busca agora opções para co-direção de filmes e de outros formatos. “Uma mana puxa a outra. A Paranoid sempre me deu apoio para tomar essa atitude, porque não é fácil. Uma fotógrafa pode não ter o mesmo currículo de um fotógrafo, mas temos que bater o pé e colocar garra para dar certo”, argumentou.

Ivy Abujamra, diretora de cena da Dogs Can Fly Content, acredita que a solução para melhorar a situação é “continuar chamando mulheres para trabalhar comigo”. “Amo os meninos, mas temos que nos ajudar mais”, conclamou. Afirmou, no entanto, não concordar com a ideia de “olhar feminino”.

O bom é que, para as novas gerações, esse painel não existe. Para eles, não faz sentido discutir se a mulher precisa ter espaço. Isso já e ponto pacífico para eles”, afirmou Carolina Markowicz, diretora de cena da YourMama.

Em meio aos argumentos, houve uma cobrança pública às agências de publicidade que ainda não são signatárias do Free the Bid.

Recorte de raça

O debate enveredou também pela questão de raça. Afinal, se há poucas mulheres dirigindo, as mulheres negras são quase inexistentes. “Não há sequer filmes com atores pretos, em um país em que eles são a metade. É uma discussão anterior. Vou a eventos e é sempre difícil explicar que sou palestrante para conseguir entrar”, criticou Juliana Vicente, diretora de cena da Preta Portê Filmes. “Infelizmente, sou um caso raro. Estudei na Faap e descobri que só conseguiria contar as minhas histórias se abrisse minha própria empresa. A discussão de gênero é importante, mas tem um passo atrás que é o recorte de raça”, analisa. Para ela, que criticou a campanha de cachos de Dove, finalmente as pessoas estão se dando conta que os negros precisam contar histórias na publicidade, pois, vale lembrar, eles compram, e muito.

Felipe Turlão

 

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