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Coluna do W.O.

Em cartaz

14.03.22

A primeira publicidade que me chamou a atenção na vida não foi um comercial de TV; foi um outdoor.

Eu era criança e estava indo para o Rio de Janeiro pela primeira vez, levado de carro pelos meus tios.
Naquela época, alguns trechos da Via Dutra ainda não tinham virado pista dupla, e a viagem demorava mais de seis horas.

Depois de uma hora, vi um outdoor na beira da estrada que dizia: "Se você tivesse ido pela ponte aérea, estaria chegando no Rio agora". Mais uma hora e tanto, e um segundo outdoor apareceu: "Se você tivesse ido pela ponte aérea, já estaria no Rio há uma hora". E assim, de hora em hora, os outdoors foram se repetindo até o último, que dizia: “Na próxima vez, vá de ponte aérea.” Olhei para meus tios quando chegamos ao Rio e disse: — Da próxima vez, a gente vem de ponte aérea, não é?

Já adulto, fui ser publicitário e me lembrava daqueles cartazes da ponte aérea toda vez que tinha de criar um outdoor. Cheguei a criar alguns famosos, como a série para o azeite Carbonell, que se dava ao luxo de anunciar sem mostrar a lata do produto. Tinha apenas diferentes cartazes espalhados pela cidade. Num deles, havia a foto de um ovo; no outro, um tomate; no outro, um pé de alface; no outro, um pepino, e assim por diante. Dias depois, aqueles cartazes se transformavam num só, com a foto de uma magnífica salada e o título “Queremos Carbonell.

Outro outdoor famoso que fiz nessa mesma época foi para a sobremesa Chandelle, da Nestlé, com um menino com um colherão montado em cima do outdoor tentando alcançar o pote que estava na foto. Esse outdoor é reconhecido como um dos melhores da História da publicidade, mas é uma exceção. A verdade é que bons outdoors nunca foram uma característica da publicidade brasileira, que ficou mundialmente famosa por causa da criatividade dos seus comerciais de televisão.

Bons outdoors sempre foram uma característica da publicidade americana.

Como a famosa campanha da Nike com Carl Lewis, que aparecia fora do quadro dos outdoors, como se tivesse dado um salto espetacular, ultrapassando os limites do cartaz. Ou como aquele com Michael Jordan meio corpo acima da moldura do outdoor, parado no ar, enterrando a bola na cesta, e o título “Michael Jordan, dois, Isaac Newton, zero”.

Outra campanha de outdoors americana famosa foi criada para a Apple com o tema "Think Different" ("Pense diferente") e especialmente veiculada em pontos estratégicos de Nova York. Tínhamos um outdoor "Think Different" ilustrado com a figura de Pablo Picasso em frente ao Metropolitan Museum of Art; outro, com a foto de Igor Stravinsky, pertinho da sala de concertos do Lincoln Center; mais um, com uma foto de Andy Warhol, no Village, na região onde ele tinha sua Factory; outro, com a foto de Jean-Michel Basquiat numa das ruas onde ele viveu no SoHo; e assim por diante.

Fora dos EUA, ainda no mundo anglo-saxão, destacaram-se os outdoors londrinos com placas e molduras impecáveis e localizações especiais, criados para produtos como a Absolut Vodka, que homenageava, na sua publicidade, artistas como Warhol, Basquiat, Keith Haring e John Van Hamersveld.

Nos dias de hoje, não temos nas ruas nenhuma campanha de outdoors de grande relevância.

No seu lugar, temos personagens como o "influencer" Seth Phillips, conhecido como “o cara do cartaz”, que tem 8 milhões de seguidores no Instagram. Uma vez por semana, em alguma esquina de Nova York, ele levanta cartazes de papelão, escritos à mão, que dizem coisas como “ninguém se importa com a marca da sua vacina” ou “pare de postar fotos das suas reuniões no Zoom”.

Cobrando de US$ 100 mil a US$ 300 mil por duas postagens no seu story, Seth Phillips já foi contratado por marcas como BMW, Bud Light, Smirnoff e até mesmo requisitado pela Casa Branca. Lá, mostrou um cartaz que dizia “vamos cuidar um dos outros e se vacinar”.

Apesar do enorme sucesso atual, pela perecibilidade da mídia que representa, Seth Phillips não deve durar muito tempo. Em mais alguns meses, desaparece.

Não será lembrado, 60 anos depois, como são lembrados os outdoors da ponte aérea.

Washington Olivetto
Publicitário

washington@washingtonolivetto.com.br

Texto publicado no jornal O Globo

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