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Festival do Clube 2021

Grafite: + propósito na arte, na rua e no mercado

27.09.21

Qual o propósito de espaços brancos – quando não cinzas – em meio às cidades? Se quase não há verde natural nas metrópoles maiores, por que não deixar outras cores brilharem, quebrando o visual duro e frio do concreto que predomina no mar de construções?

Com essa provocação na ponta do spray que o painel “Grafite sim, porque espaço branco é lugar sem propósito”, realizado no Festival do Clube de Criação 2021, mesclou a velha e a nova guarda do movimento, com as participações de Binho Ribeiro, Negritoo, Clara Leff e Mazola Marcnou. O debate teve mediação de Lari Umeri, arte educadora, e Bruno Brux, CCO da GUT.

Um dos pioneiros no cenário brasileiro junto a nomes como Speto e Osgemeos, atuando nas ruas há mais de 35 anos, Binho contou como seu início de carreira acompanhou o começo do grafite. Era uma época em que era considerado vandalismo, estando muito longe do rótulo de arte ou profissão. “No meu tempo nada era autorizado, mas também não era explicitamente proibido. Então, a gente conseguiu confundir muita gente”, disse.

Ouvi muito, quando garoto, que não ia chegar a lugar nenhum com isso. Mas conseguimos mostrar o contrário, com a valorização do nosso trabalho como arte e o mercado que existe hoje. É importante manter a humildade, a consciência e a luta a favor da causa”, acrescentou.

Sangue novo nas ruas, atuando entre três e cinco anos no grafite, os demais participantes compartilharam com o público um pouco de como passaram a integrar o movimento. “Quando comecei a pintar, a primeira coisa que eu conheci foi o spray. Comprei uma placa de MDF para treinar em casa e o primeiro rosto que pintei foi em turquesa – e essa foi a cor que me levou, simbolizando transformação. Como eu trabalho com realismo, mudar o tom da pele dos meus personagens dá um tom mais lúdico a eles”, destacou Clara Leff.

Questionado por Lari sobre o uso das cores, muitas vezes aplicadas em sistema “negativo”, Mazola, que também vem da escola realista, explicou de onde veio a inspiração para o seu estilo. “Estava em um momento de transição na minha vida e queria fazer algo diferente na minha arte. Um dia, a tela do celular da minha mina quebrou e inverteu as cores das imagens. Isso me inspirou, lembrando o negativo das fotos, e pensei em aplicar isso no realismo também”, lembrou.

Diante da resposta, Lari complementou: “Tem aquele trabalho dos Racionais, ‘Cores e valores’. Podemos pensar aí, ainda mais no momento que vivemos, numa inversão decores e valores”.

Com sua carreira iniciada no design gráfico, Negritoo afirmou que as HQs foram a grande inspiração para seu trabalho, tanto comercial quanto artístico. “Minha referência sempre foi de histórias em quadrinhos e desenho animado. Desenhava muito quando criança. E quando comecei no design gráfico, com composição e grafismos, isso acabou incorporado na minha arte. Quando fui para a rua, vi que podia fazer várias experiências nesse sentido. Afinal, lá não tem certo ou errado, bonito ou feio”, reforçou.

Diretor de arte por formação e premiado internacionalmente por diferentes trabalhos na publicidade, Bruno Brux revelou que também se aventurou algumas vezes na arte urbana, contando como o estilo traz influências. “Tive minhas tentativas na street art, mas é incrível o que os artistas de verdade conseguem fazer com uma lata de spray”.

O CCO da GUT comentou que já compararam o grafite ao rock and roll das artes visuais. E emendou que isso faz todo o sentido. “Ele é o maior movimento artístico atual, representando a quebra de diversas barreiras da arte: todo mundo pode ser e todo mundo pode ver”.

Mantendo a essência

Os artistas discutiram ainda como é tênue a linha entre arte, trabalho e exploração comercial – com ou sem pandemia. Afinal, para viver do grafite, é fundamental que sua valorização seja também monetária. A questão está em como fazer isso sem perder a liberdade, a essência e a pureza da arte.

Muita gente tem dificuldade em colocar preço, se impor e criar uma apresentação melhor sobre seu trabalho, revertendo em ganho econômico. A minha carreira não foi diferente, ainda mais tantos anos atrás, em um outro cenário”, afirmou Binho.

Ele começou fazendo parcerias com marcas de skate e outras dentro desse universo, mas era uma batalha. “Se hoje, de certa forma, existe um mercado, é porque lá atrás já se falava muito sobre como fazer pequenos trabalhos comerciais para se manter nessa atividade, que é o que amamos fazer, sem ter de fazer outra coisa para pagar as contas”.

Mazola contou que os dias de isolamento o forçaram a acelerar esse processo. “Aprendi a vender meu trabalho durante a pandemia. Foi aí que desenvolvi uma forma de falar com os clientes e tal. Muita gente não sabe colocar valor em arte, ainda mais na própria arte. Eu também não sei exatamente, mas tento aprender com os outros artistas que já estão à frente nisso”, admitiu.

Clara reforçou a facilidade que os artistas atuais têm com o digital e as redes potencializando a visualização e o consumo da arte urbana. “A gente, da nova geração, tem o benefício do Instagram e de outros canais que ajudam muito na visibilidade. A gente vai aprendendo a tirar fotos boas, como criar conteúdo, e isso ajuda muito. É importante prestar atenção nos sinais, entender do que o público gosta, mas sem deixar de lado sua essência e o que você gosta de criar só para vender”, enfatizou.

Negritoo segue a mesma linha, principalmente na questão da arte autoral. “Nós somos uma marca de nós mesmos. Isso é uma parte importante, mas temos de ter cuidado para não deixar o mundo corporativo nos levar a coisas totalmente diferentes do nosso trabalho original. Se você começa a ceder demais, sua arte pode ir para um caminho que você não quer, e fica difícil voltar”, advertiu.

Karan Novas, em colaboração para o Clube de Criação

Todos os painéis do Festival do Clube 2021, realizado entre os dias 22 e 23 de setembro, foram transmitidos pelo Globoplay. O evento deste ano foi gratuito.

Reveja a programação completa aqui.

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