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O espaço é seu

A Devassa Brasil afora

15.03.10

Poucos dias depois da proibição do comercial da Devassa, uma colega da agência abre um newsletter e comenta ao lado: “Querem tirar do ar uma campanha de cerveja no Brasil com a Paris Hilton, você viu? Dizem que é sexista e muito apelativa" (aqui). Como bom patriota, eu poderia defender espartanamente o nosso zelo pela preservação dos valores morais; argumentar que a lascívia da socialite loura era incompatível com os nossos costumes etc.


Poderia, se não fosse por um detalhe: uma mulata com 99,7% do corpo descoberto (havia três pedaços de fita adesiva escondendo você sabe bem o quê) ocupava quase toda a página de um site de notícias (de notícias, repito), no meu computador. Era fevereiro, ora bolas. Já que não havia como eu estar presente, queria pelo menos saber a quantas andou o nosso Carnaval.

Não foi preciso mais do que meio segundo para que a minha companheira de trabalho ligasse A com B: “Isso é que eu não entendo. Um comercial em que não aparece nada é ofensivo, mas em compensação...” E apontou o nariz para a moça naturista que luzia no meu monitor. Ela tinha toda a razão. Não a mulata, a minha amiga. Ou as duas, vá lá.


Mas o argumento da espanhola faz todo o sentido. Estando do outro lado, constatamos que para os europeus o Carnaval brasileiro é a cereja no bolo em um lugar onde, teoricamente, ninguém é de ninguém. E todo mundo é de todo mundo. Consequentemente, resulta estranho que já na quarta-feira de cinzas vistamos a fantasia do Mahmoud Ahmadinejad e passemos a lapidar tudo que pareça atentar contra a castidade, como no caso do comercial da Paris Hilton.


Comecei a desarmar a bomba contando que não é bem assim e o quanto essa incoerência era desconfortável para nós também. Como, por exemplo, dar “Bom Dia” à Dona Fátima do RH, como se nada tivesse acontecido, tão somente dois dias depois de vê-la desfilando de Eva na Sapucaí. Ou titubear em avisar ao chefe sisudo sobre um resto de purpurina que resiste em sua testa.


A única solução para sair daquela saia justa (apesar de gostar de Carnaval, não sou adepto à pouca roupa) foi despir-me do ufanismo e dar a minha opinião sincera: dizer que no Brasil, de uns tempos para cá, tentamos a todo custo fazer caber uma carapuça difícil de entrar na gente: a do cidadão politicamente correto. Que faz caminhada pela paz; que não come fritura; que vai trabalhar de bicicleta para não poluir; que bebe dois litros de água por dia; que dá abraço em árvore; que não discute gosto, política ou religião e, finalmente, que se escandaliza com tudo relativo àquela palavrinha que Freud adorava. Mas se for Carnaval... Ah, o Carnaval... Aí, pode.


Resumindo, acho que minha colega acabou me entendendo e, na medida do possível, até concordando. Depois da explicação, fiquei preocupado por talvez ter arranhado nossa imagem imaculada de povo alegre, extrovertido, tolerante. E o pior: nesses tempos de crise, ter feito o Brasil perder uma turista em potencial. Mas pensando bem, bobagem. Ninguém vai deixar de cruzar o Atlântico por causa disso. Principalmente, se for em fevereiro.


Pádua Sampaio
Redator-trainee da Contrapunto BBDO - Madrid

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